Segunda Droga para Diabetes

Criado em: 17 de Outubro de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Metformina é a primeira droga na maioria dos pacientes com diabetes, mas ainda faltam estudos sobre a melhor segunda droga em pacientes com diabetes e baixo risco cardiovascular. Dois estudos publicados no New England Journal of Medicine (NEJM) em setembro de 2022, chamados estudos GRADES, avaliaram essa questão [1, 2]. Vamos ver os achados e revisar o tópico.

Como escolher a segunda droga para diabetes?

Segundo a American Diabetes Association (ADA), a escolha da segunda droga antidiabética passa primeiro por verificar se há alto risco cardiovascular, insuficiência cardíaca (IC) ou doença renal crônica [3]. Nesses grupos, a literatura é mais forte em recomendar gliflozinas, nos três grupos, ou análogos de GLP-1 (liraglutide, semaglutide), apenas nos de alto risco cardiovascular.

Em alguém que não se encaixa nos grupos acima, a evidência é mais incerta. A escolha passa por considerar qual dos seguintes fatores é mais importante:

  • Evitar hipoglicemias: inibidores da DPP4 (gliptinas), análogos de GLP-1 ou gliflozinas.
  • Minimizar aumento de peso ou promover perda de peso: análogo de GLP-1, mas gliflozinas também podem ser utilizadas.
  • Minimizar prejuízo financeiro: sulfonilureias ou tiazolidinedionas (glitazonas).

Os estudos GRADES foram desenhados no intuito de melhorar as recomendações nesse grupo de pacientes.

O que os estudos GRADES avaliaram?

Esses estudos foram realizados nos Estados Unidos, randomizando mais de 5000 pacientes para receberem insulina glargina, glimepirida, liraglutida ou sitagliptina. Os pacientes deveriam ter diabetes mellitus tipo 2 (DM2) há menos de 10 anos e utilizar pelo menos 500 mg de metformina, com o objetivo de chegar a dose máxima de 2000 mg de metformina durante o estudo.

No momento da confecção do protocolo, as gliflozinas ainda não eram aprovadas pelo Federal Drug Administration (FDA) e por isso não foram utilizadas nesses estudos. As glitazonas também ficaram de fora devido a taxa de eventos adversos, como retenção de volume.

O objetivo de cada estudo era avaliar a relação dessas drogas com controle de glicemia e com complicações microvasculares nesse grupo de pacientes.

Primeiro estudo: qual droga tem o melhor controle glicêmico?

No primeiro estudo, o desfecho foi a ausência de controle da hemoglobina glicada (HbA1C), definida como maior que 7,0% nas reavaliações que ocorriam a partir de 6 meses. Se em algum momento a HbA1C atingisse o valor de 9,0%, considerava-se falha de tratamento e iniciava-se a insulinoterapia.

Com um seguimento médio de 5 anos, as medicações que melhor controlaram a hemoglobina glicada foram liraglutida (32%) e insulina glargina (33%), comparados com sitagliptina (23%) e glimepirida (28%). No primeiro ano de seguimento, a única medicação que tinha mais de 50% de falha de controle foi a sitagliptina (55%), enquanto as outras ficaram em torno de 40%.

Após 5 anos de seguimento, mais de 65% de toda a população estudada não estava com o DM2 controlado.

Segundo estudo: qual droga diminuiu a taxa de complicações do diabetes?

O segundo estudo tinha como foco qual das quatro drogas podem reduzir complicações microvasculares e cardíacas. Importante lembrar que a população estudada era considerada de baixo risco, já que apenas 6% possuíam história de evento cardiovascular.

Os desfechos eram medidos da seguinte maneira:

  • Renal: relação albumina/creatinina na urina acima de 30 (moderada) ou 300 (grave) e disfunção renal, determinada por uma taxa de filtração glomerular (TFG) abaixo de 60 mL/min.
  • Neurológico: instrumento de rastreio de neuropatia de Michigan (MNSI), que envolve um questionário de 15 itens e o exame físico de membros inferiores, incluindo reflexo aquileu e sensibilidade vibratória.
  • Cardiovascular: eventos cardiovasculares maiores (morte cardiovascular, infarto não fatal e AVC isquêmico), angina instável, hospitalização por IC ou revascularização de alguma coronária.

Não houve diferença em relação a complicações renais e neurológicas, sendo que 20% da população evoluiu com disfunção renal em 5 anos e 70% com neuropatia periférica.

Nos desfechos cardiovasculares, o liraglutide teve menor número de eventos cardiovasculares no primeiro ano, com um crescimento linear após esse período, padrão que foi visto mais cedo com as outras drogas. Esse atraso fez com que a liraglutida tivesse uma incidência de eventos cardiovasculares em 5 anos de 10%, em comparação aos 14% das outras drogas. Apesar de menor incidência, não houve diferença estatística entre liraglutide e insulina glargina.

As grandes críticas aos estudos são a não observação de retinopatia e a ausência de gliflozinas. Além disso, os dados do acompanhamento por mais de 5 anos devem apresentar mais informações relevantes.

Tratamento de Neurossífilis

Criado em: 17 de Outubro de 2022 Autor: Frederico Amorim Marcelino

Nos últimos anos há um aumento de casos de sífilis no Brasil [1]. A neurossífilis é uma manifestação rara em que se recomenda o tratamento com penicilina endovenosa, diferente do habitual com penicilina benzatina intramuscular. Existem esquemas alternativos com ceftriaxona ou doxiciclina, mas as diretrizes internacionais e nacionais dão preferência à penicilina. O tratamento endovenoso tem problemas como a necessidade de internação e via de administração, além do possível desabastecimento de penicilina como o que ocorreu de 2014 a 2017 [2]. Em 2021 foi publicado no Lancet um trabalho que compara ceftriaxona e penicilina no tratamento da neurossífilis [3]. Vamos aproveitar o artigo para revisar o tema.

O espectro da doença

A sífilis é dividida em três estágios: primária, secundária e terciária. Contudo, a neurossífilis tem uma divisão própria: precoce e tardia. O motivo é que a manifestação neurológica pode surgir em diversos estágios da doença, não só na sífilis terciária. As manifestações são as seguintes:

Figura 1
Goma sifilítica
Goma sifilítica
  • Neurossífilis precoce: meningite assintomática, meningite sintomática, sífilis ocular, otossífilis, sífilis meningovascular e goma sifilítica de sistema nervoso central (veja figura 1).
  • Neurossífilis tardia: paralisia geral, tabes dorsalis, meningovascular e goma sifilítica de sistema nervoso central.

Veja a descrição desta manifestações na tabela 1.

Tabela 1
Manifestações clínicas da neurossífilis
Manifestações clínicas da neurossífilis

Como fazer o diagnóstico?

Na neurossífilis, os testes treponêmicos e os não treponêmicos séricos são positivos praticamente em todos os casos. A exceção são alguns casos de neurossífilis tardia em que os testes não treponêmicos podem estar negativos [4].

A principal ferramenta diagnóstica é a dosagem do VDRL no líquido cefalorraquidiano (LCR). VDRL positivo no LCR confirma o diagnóstico de neurossífilis. Já os testes treponêmicos no LCR, como FTA-ABs, têm seu uso restrito por sua baixa especificidade. Seu uso seria restrito à exclusão do diagnóstico pela alta sensibilidade (90-100%), mas essa afirmação já foi contestada [5]. O PCR para sífilis no LCR ainda está em estudo, não sendo recomendado o uso rotineiro.

Apesar do VDRL no LCR ser o principal teste diagnóstico, a sensibilidade é variável, em alguns estudos chegando a 27% [6]. Assim, um cenário possível é suspeitar de neurossífilis, o VDRL no LCR vir negativo e a suspeita ainda se manter. Nesses casos, a presença de pleocitose (> 5 células/microlitro) e/ou hiperproteinorraquia (> 45 mg/dL) favorecem o diagnóstico e o tratamento deve ser considerado [7]. Em pacientes com HIV a situação é mais desafiadora, pois o próprio HIV pode causar pleocitose, dificultando o diagnóstico nessa população.

O estudo

O tratamento recomendado atualmente para neurossífilis é com penicilina endovenosa [8]. A dose é de 18 a 24 milhões UI ao dia, divididas em doses de 3 a 4 milhões UI a cada 4 horas por 10 a 14 dias. O tratamento com ceftriaxona 2g/dia por 10 a 14 dias é considerado segunda linha. Essa recomendação não é baseada em estudos clínicos randomizados, mas na concentração treponemicida de penicilina em LCR e no tempo de replicação da bactéria.

O estudo publicado no Lancet avaliou retrospectivamente 208 pacientes com diagnóstico de neurossífilis tratados com ceftriaxona (42 pacientes) ou penicilina (166 pacientes). O desfecho primário foi alguma resposta clínica (parcial ou completa), tendo como desfechos secundários resposta completa em 1 mês, resposta sorológica em 6 meses e tempo de internação hospitalar.

Ceftriaxona foi superior a penicilina no desfecho primário. Os resultados foram similares nos desfechos secundários, com exceção de internação hospitalar em que a ceftriaxona resultou em menos dias de internação. O estudo foi retrospectivo, idealmente deve ser complementado com um estudo prospectivo randomizado. Apesar da ressalva, os resultados reforçam o uso de ceftriaxona como uma alternativa razoável à penicilina em pacientes com neurossífilis.

Investigação de Primeiro Episódio Psicótico

Criado em: 17 de Outubro de 2022 Autor: Kaue Malpighi

Em junho de 2022, foi lançado um estudo retrospectivo no JAMA Internal Medicine para avaliar o valor diagnóstico da tomografia de crânio na investigação de um primeiro episódio psicótico [1]. Excluídos pacientes com alterações não psiquiátricas, nenhum dos resultados das tomografias analisadas foi positivo para alterações estruturais. Aproveitando este estudo, trazemos uma revisão sobre a abordagem do primeiro surto psicótico.

Psicose primária e secundária

Psicose é a alteração significativa em testes de realidade, gerando sintomas como alucinações, delírios, pensamento desorganizado e agitação.

Os transtornos psicóticos podem ser uma consequência do uso de drogas, medicamentos, doenças neurológicas ou sistêmicas. Nesses casos, tem-se um transtorno psicótico secundário. Quando as causas secundárias foram excluídas, chama-se de transtorno primário. Esquizofrenia, depressão com sintomas psicóticos e transtorno bipolar com sintomas psicóticos são exemplos de transtornos primários.

Tabela 1
Achados sugestivos de psicose primária e secundária
Achados sugestivos de psicose primária e secundária

Os seguintes fatores que podem auxiliar na diferenciação de psicose primária de secundária (veja tabela 1):

  • Início: surgimento agudo fala a favor de causas secundárias. Evolução insidiosa, principalmente com sintomas prodrômicos (alterações cognitivas, alteração da funcionalidade ou sintomas negativos), favorece causas primárias.
  • Idade: ocorrência em pessoas com mais de 40 anos sugere causas secundárias. Transtornos primários tendem a se manifestar em pacientes mais jovens.
  • Tipo de alucinações: alucinações não auditivas são mais sugestivas de causas secundárias. Alucinações auditivas e delírio persecutório falam a favor de doenças primárias.
  • História familiar: casos na família sugerem doença primária.
  • Outros achados: sintomas neurológicos indicam causa secundária.

Investigação de causas secundárias

Todo paciente com sintomas psicóticos deve ser internado para uma avaliação inicial. A exclusão de causas secundárias frequentemente necessita de investigação clínica e laboratorial. Quando os achados são muito característicos de um transtorno primário, é possível manejar inicialmente com essa hipótese sem uma extensa investigação adicional.

Transtorno de uso de substâncias deve ser sempre pesquisado diante de um quadro psicótico. Pacientes com sintomas psicóticos têm taxas maiores de transtorno de uso de substâncias (álcool, cannabis e tabaco) do que a população em geral. Dados de estudos epidemiológicos sugerem uma associação do uso de substâncias como a cannabis e aumento do risco de transtornos psicóticos [2].

Existem várias causas secundárias de sintomas psicóticos (veja tabela 2). A avaliação inicial varia conforme os achados na história e exame físico. Todo paciente com sintomas psicóticos deve ter um exame neurológico pormenorizado em busca de alterações de funções mentais superiores (como consciência, linguagem, atenção) e déficits focais principalmente.

Tabela 2
Causas secundárias de psicose
Causas secundárias de psicose

Uma sugestão de avaliação inicial inclui:

  • Hemograma
  • Eletrólitos, principalmente sódio e cálcio
  • Creatinina e ureia
  • Glicemia
  • Beta-hcg para mulheres em idade fértil
  • Urina 1 e urocultura, se há um foco infeccioso urinário possível
  • Radiografia de tórax para pacientes com sintomas respiratórios prévios
  • Sorologia para HIV e sífilis

Outros exames que podem ser considerados a depender dos achados clínicos:

  • Função hepática
  • Toxicológico
  • TSH
  • Vitamina B12
  • Punção lombar para pacientes com suspeita de meningite ou encefalite (febre, alteração do nível de consciência, déficits focais, crise convulsiva, etc)
  • Painel para encefalite autoimune em pacientes com sintomas sugestivos (veja mais em "Encefalites")

Em pacientes com história de crise convulsiva e alteração de nível de consciência, é adequado solicitar um eletroencefalograma.

Deve-se sempre solicitar um eletrocardiograma antes do uso de antipsicóticos, pois estas medicações podem alargar o intervalo QT.

Quando solicitar imagem de crânio?

Uma dúvida comum na prática é sobre a necessidade de imagem de crânio de rotina para pacientes com primeiro episódio psicótico.

Estudos apontam que a solicitação de rotina tanto de tomografia computadorizada (TC) quanto de ressonância magnética de crânio não são custo-efetivas [3-6].

O estudo retrospectivo lançado este ano no JAMA Internal Medicine excluiu pacientes com achados como déficit focal, trauma e cefaléia. Dos 369 pacientes avaliados, nenhum apresentou lesão intracraniana como etiologia do episódio psicótico.

Com estas evidências e seguindo a recomendação da Choosing Wisely Canada, em pacientes com primeiro episódio psicótico, um exame de imagem do crânio deve ser realizado na presença das seguintes situações [7]:

  • Cefaleia
  • Náuseas ou vômitos
  • Crise convulsiva
  • Déficits focais
  • Idade maior que 50 anos (em alguns estudos, estes pacientes apresentaram um maior risco de lesão intracraniana).