Hipertensão no Paciente Internado

Criado em: 01 de Junho de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

Você é chamado para ver uma paciente internada por pielonefrite que está com a pressão arterial (PA) de 182/86 mmHg. Ela está assintomática, mas você teve que ser convocado, pois os parâmetros para chamar o médico plantonista incluem PA elevada. O que fazer nessa situação?

Qual a dimensão do problema?

HAS no paciente internado é bastante comum. Estimativas de prevalência variam de 50% a 70% [1]. Apesar de frequente, não há diretriz para guiar o manejo. A consequência é uma grande divergência de condutas, tanto no manejo durante a internação, quanto na alta.

O uso de medicações intravenosas deve ser reservado para pacientes com pressões maiores que 180/120 mmHg com lesão de órgão alvo. Essa situação é rara no contexto de enfermaria. Apesar disso, o tratamento com medicações intravenosas não é incomum, expondo os pacientes aos riscos de reduções bruscas da PA.

Estudo publicado no British Medical Journal em 2018 não encontrou diferença na chance de ter o regime anti-hipertensivo intensificado entre pacientes com maior probabilidade de benefício (ex.: evento cardiovascular prévio) quando comparados àqueles com menor probabilidade de benefício (ex.: baixa expectativa de vida) [2]. Na falta de diretrizes específicas, a decisão de intensificar o tratamento deve levar em consideração o contexto clínico e não apenas o nível pressórico.

Por que tratar HAS no paciente internado pode ser danoso?

Pacientes que possuem PA elevada, mesmo na ausência de lesão de órgão alvo, tem mortalidade alta em 1 ano. Contudo, os eventos sofridos por esses pacientes não são hiperagudos. Além disso, os benefícios do tratamento são conferidos ao longo de meses a anos, não em horas. Mesmo com PA sistólica > 220 mmHg, a taxa de eventos em 7 dias é baixa.

Vários estudos apontam que intensificar o tratamento anti-hipertensivo na internação pode se associar a piores desfechos. Estudo publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) em 2019 associou intensificação do tratamento anti-hipertensivo com maior chance de readmissão hospitalar e eventos adversos (lesão renal aguda, síncope, distúrbios eletrolíticos e hipotensão) [3]. Outro estudo do JAMA de 2020 associou intensificação do regime com lesão renal aguda e injúria miocárdica [4]. Em 2022, estudo publicado no Journal of Clinical Hypertension encontrou na análise ajustada que tratamento exclusivo com medicações intravenosas se associou com quedas excessivas e potencialmente danosas de PA [5].

Outro problema de tratar medidas elevadas de PA no hospital é a dificuldade de realizar a aferição apropriada. Treinamento insuficiente da equipe, equipamento defeituoso e preparo inadequado do paciente podem falsamente elevar as medidas.

O que fazer quando a PA eleva no hospital?

Fluxograma 1
Abordagem da hipertensão no paciente internado
Abordagem da hipertensão no paciente internado

O primeiro passo é buscar lesão de órgão alvo. Isso pode ser feito com anamnese e exame físico cuidadosos, eventualmente com radiografia e eletrocardiograma em casos de dúvida.

A segunda etapa é procurar causas comuns de elevação da PA no hospital. As principais são: dor, náuseas, abstinências e reconciliação medicamentosa inadequada.

O terceiro passo é, nos pacientes sem lesão de órgão alvo que persistem hipertensos, permitir repouso em ambiente tranquilo por 30 minutos. Essa intervenção é capaz de reduzir a PA de maneira significativa em torno de um terço dos pacientes [6].

Por fim, caso a PA se mantenha elevada, evite medicações intravenosas ou de ação rápida. Considere as intervenções da segunda etapa ou modifique o regime crônico do paciente. Garanta retorno precoce para que o ajuste fino seja feito no contexto ambulatorial.

Pneumonia em Organização Criptogênica

Criado em: 01 de Junho de 2022 Autor: Kaue Malpighi

Pneumonia em organização criptogênica (POC) é uma doença pulmonar intersticial idiopática potencialmente reversível com terapia direcionada. A pneumonia em organização ganhou evidência na pandemia de Sars-CoV-2, sendo considerada uma possível consequência de COVID-19. Vamos aproveitar uma revisão recente sobre o tema e abordar os principais pontos sobre esta condição pouco reconhecida [1].

O que é pneumonia em organização?

Pneumonia em organização é um padrão histológico de reparo tecidual pulmonar após injúria alveolar. Pode ter uma etiologia conhecida ou não.

As principais etiologias de pneumonia em organização são:

  • Pneumonias bacterianas.
  • Pneumonias virais.
  • Infecções fúngicas.
  • Medicamentos - amiodarona, nitrofurantoína, bleomicina e metotrexate.
  • Doenças reumatológicas.
  • Leucemias e Linfomas.
  • Transplante.
  • Radiação.
  • Doenças inflamatórias intestinais.
  • Injúria por inalação.

Os casos sem esclarecimento etiológico são nomeados de pneumonia em organização criptogênica (POC). A POC, previamente chamada de bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP), está no grupo das pneumonias intersticiais idiopáticas. É uma condição inflamatória e fibroproliferativa intra-alveolar potencialmente reversível com terapia imunossupressora e, por este motivo, há a necessidade do seu reconhecimento.

Como a POC se manifesta clinicamente?

Deve-se suspeitar de POC em pacientes com diagnóstico presumido de pneumonia infecciosa que não melhoram após uso de antibióticos. Em comparação com os casos de pneumonia de origem infecciosa, tende a ter evolução mais subaguda em semanas a meses. Em um número menor dos casos, pode ter curso agudo e progressivo, dita variante fulminante. O paciente clássico está na 5ª e 6ª décadas de vida.

Apenas 25 a 50% dos pacientes fumam ou já fumaram, tornando o tabagismo um fator precipitante improvável.

Dos sintomas e sinais mais comuns:

  • Tosse seca - 71%
  • Dispneia - 62% - tende a ser leve a moderada, com piora ao esforço
  • Febre - 44%
  • Sintomas de via aérea alta - 10 a 15%.
  • Estertores crepitantes inspiratórios - 60% dos casos.

Como prosseguir com a avaliação diagnóstica?

O diagnóstico se baseia na clínica, exames de imagem e histopatológico.

Não há nenhum exame laboratorial específico de POC. Marcadores inflamatórios costumam estar elevados. Na suspeita de doenças reumatológicas ou autoimunes, recomenda-se solicitar painel de autoanticorpos, visto que o quadro respiratório pode preceder o início destas doenças.

Figura 1
Padrões Tomográficos na Pneumonia em Organização
Padrões Tomográficos na Pneumonia em Organização

Os exames de imagem podem ter padrões diversos (figura 1):

  • O padrão predominante na tomografia de tórax (preferencialmente de alta resolução) é de consolidações multifocais de predomínio periférico, com ou sem broncogramas aéreos.
  • Achados menos frequentes mas possíveis são: opacidades em vidro-fosco ou nódulos difusos; padrão peribroncovascular com consolidações; lesões focais; fibrose linear ou em banda. A presença do sinal do halo reverso/sinal do atol é incomum, mas parece ser relativamente específico [2].

O lavado broncoalveolar é recomendado na suspeita de POC. Esse exame auxilia no diagnóstico diferencial de causas infecciosas e outras doenças pulmonares, como pneumonia eosinofílica e hemorragia alveolar.

A indicação de biópsia não é consensual. Muitas vezes o diagnóstico é presumido. Em casos com evolução desfavorável mesmo com terapia apropriada, o diagnóstico deve ser revisto e a indicação de biópsia discutida. A técnica transbrônquica costuma fornecer pouco material, podendo ser necessário biópsia cirúrgica para confirmação. Os achados histopatológicos que sugerem POC incluem 'plugs' inflamatórios intraluminais de predomínio alveolar e ductos alveolares com inflamação intersticial.

Qual a terapia de escolha?

O tratamento preferencial consiste na corticoterapia sistêmica. As doses iniciais são de 0.5 a 1 mg/kg de prednisona por 2 a 4 semanas, seguido de desmame a depender da resposta clínica. Esta terapia costuma induzir melhora clínica em 24 a 72 horas. Raramente a melhora ocorre após 10 dias, sendo necessário revisitar o diagnóstico diferencial nessa situação.

Recorrência dos sintomas é incomum, ocorrendo em menos de 25% no primeiro ano em casos tratados adequadamente. O prognóstico com o tratamento é bom, ocorrendo resolução espontânea em até 10% dos pacientes mesmo sem tratamento.

Caso Clínico - AIT e Doença Sistêmica

Criado em: 01 de Junho de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

O guia também tem espaço para casos clínicos! O caso da vez foi publicado no NEJM em 21 de abril e descreve uma mulher de 41 anos com ataque isquêmico transitório e uma doença sistêmica. Vamos ver o caso e revisar os principais pontos de aprendizagem!

Resumo do caso

A paciente é uma mulher de 41 anos com antecedente de hipermenorréia em investigação e anemia secundária a esse quadro, sem história de medicações de uso contínuo. Ela vem ao hospital após início de um quadro de disartria e paralisia facial central há 1 hora. A glicemia capilar é normal e a tomografia de crânio não apresentou sinais de isquemia aguda ou sangramento, mas com pequenos infartos crônicos, localizados em região talâmica direita e hemisfério cerebelar direito.

Dentro de 45 minutos o quadro havia se resolvido e a paciente estava assintomática. Foi realizada ressonância magnética no dia seguinte, sem sinais de infartos agudos. A paciente foi diagnosticada com ataque isquêmico transitório (AIT).

Na investigação etiológica, foi realizado eletrocardiograma e angiotomografia de vasos cervicais, ambos normais. O ecocardiograma transtorácico mostrou espessamento dos folhetos e regurgitação da valva mitral. Devido a esse achado, foi programado ecocardiograma transesofágico que evidenciou imagens hiperecogênicas na valva mitral compatíveis com vegetações. Todas as hemoculturas vieram negativas.

As sorologias para HIV, HCV e HBV são negativas. O VDRL veio positivo porém com anti-treponêmico negativo. Também chamava atenção um TTPA alargado! E agora?

O que precisamos saber sobre AIT?

AIT é definido pela American Heart Association (AHA) como evento neurológico isquêmico focal de resolução rápida, com imagem que não evidencia sinais de infartos permanentes [1]. A definição temporal (sintomas que duram menos que 24 horas) não se aplica mais por esse critério. Avanços na radiologia mostraram que muitos sintomas, apesar de transitórios, ocorriam por conta de infartos detectáveis na neuroimagem. Assim, um paciente com sintoma transitório e neuroimagem com lesão isquêmica teve um AVC minor e não um AIT, por mais que o quadro tenha se resolvido completamente.

O mais importante no AIT é a busca da etiologia, no intuito de prevenir um novo evento isquêmico. Essa investigação deve ser realizada em até 48 horas do início do quadro, e contempla os seguintes exames (todos classe 1 - recomendação forte pela AHA):

  • Eletrocardiograma (para buscar fibrilação atrial)
  • Exames não invasivos dos vasos cervicais e cranianos, incluindo ultrassonografia, angiotomografia ou angioressonância magnética (avaliar se o paciente tem indicação de revascularização da carótida externa)
  • Hemograma, coagulograma, glicose e HbA1C, creatinina e lipidograma (avaliar presença e gravidade de fatores de riscos)

Se até aqui a etiologia do AIT não estiver clara, podemos também lançar mão: (classe 2a - recomendação moderada)

  • Ecocardiograma sem contraste (pesquisar trombos intracavitários) e com contraste (pesquisar Forame Oval Patente)
  • Monitorização mais longa do ritmo cardíaco/Holter (pesquisa de arritmias paroxísticas)
  • E aqui já podemos começar a pesquisar causas incomuns como infecções no sistema nervoso central, vasculites e estados de hipercoagulabilidade.

Como deve ser feita a abordagem da paciente?

Os múltiplos infartos cerebrais antigos apontam para uma causa cardioembólica confirmada no ecocardiograma. O foco da investigação agora deve ser achar a causa da vegetação.

Tabela 1
Microrganismos na Endocardite com Culturas Negativas
Microrganismos na Endocardite com Culturas Negativas

Podemos dividir as causas de endocardite com culturas negativas em dois grupos: infecciosas (que não cresceram na cultura) e não infecciosas. Os microorganismos que precisam ser buscados na suspeita de endocardite infecciosa com culturas negativas estão na tabela 1.

A paciente não apresentava sinais de um processo infeccioso e possuía outros achados, como um rash fotossensível. Aumenta assim a possibilidade de endocardite não-infecciosa/endocardite trombótica não bacteriana. As principais causas dessa entidade são lúpus eritematoso sistêmico (LES), síndrome de anticorpos antifosfolípideos (SAAF) e neoplasias.

Causas de VDRL positivo com anti-treponêmico negativo

O VDRL é um marcador não específíco para sífilis, que deve ser confirmado com um teste anti-treponêmico. Quando ocorre a divergência vista na paciente, é necessário pensar em:

Causas precoces (menos de 6 meses positivo)

  • Endocardite e outras causas infecciosas - veja nosso post complementar.
  • Gestação
  • Imunização

Causas tardias (permanece positivo)

  • Lúpus Eritematoso Sistêmico e Síndrome de Anticorpos Antifosfolípideos
  • Doença hepática crônica
  • HIV
  • Usuário de droga injetável

Desfecho do caso

Somando todos os fatores, a principal hipótese foi de SAF e/ou LES, sendo confirmada após exames específicos. A endocardite trombótica não bacteriana que ocorre nesse contexto é conhecida como endocardite de Libman-Sacks.

E porque "e/ou" no parágrafo anterior? A coexistência de SAAF e LES é um fato conhecido e, quando ocorre, a apresentação é mais grave do que comparado com essas doenças separadamente. São relatadas mais tromboses e atividade mais grave. Porém, nem toda SAAF é LES! Quando o paciente abre o diagnóstico com SAAF primária, apenas 25% desenvolve o diagnóstico de LES com o tempo.