Diagnóstico e Tratamento de Doença do Refluxo Gastroesofágico

Criado em: 07 de Novembro de 2022 Autor: Kaue Malpighi

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) acomete por volta de 13% da população mundial. Os sintomas clássicos de pirose e regurgitação, mesmo que leves, podem estar associados a redução da qualidade de vida. Em janeiro de 2022, o American College of Gastroenterology (ACG) publicou uma diretriz sobre DRGE e aproveitamos para revisar o diagnóstico e tratamento [1].

Como fazer o diagnóstico de DRGE?

O diagnóstico é clínico, baseado nos sintomas característicos como pirose e regurgitação.

Tabela 1
Sinais de alarme na DRGE
Sinais de alarme na DRGE

O tratamento empírico é recomendado se não existirem sintomas de alarme (ver tabela 1). Essa conduta serve como medida terapêutica e diagnóstica, pois se houver resposta à terapia, assume-se que de fato era um caso de DRGE. O tratamento consiste em medidas não farmacológicas e farmacológicas (omeprazol 20mg/dia ou equivalente) por 8 semanas.

Tabela 2
Fatores de risco para esôfago de Barrett
Fatores de risco para esôfago de Barrett

A endoscopia digestiva alta (EDA) tem boa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de DRGE erosiva ou esôfago de Barrett. Contudo, apresenta baixa sensibilidade em casos de DRGE não erosivo, responsável por 60 a 70% dos casos [2]. Sua solicitação deve ficar reservada para as seguintes situações:

  • Presença de sintomas de alarme
  • Ausência de resposta ao tratamento empírico por 8 semanas
  • Presença de critérios de alto risco para esôfago de Barrett (ver tabela 2)

A EDA deve ser realizada de 2 a 4 semanas após a suspensão do IBP em pacientes que fizeram terapia empírica.

Tabela 3
Classificação endoscópica de Los Angeles para esofagite erosiva
Classificação endoscópica de Los Angeles para esofagite erosiva

O diagnóstico é confirmado se a EDA encontrar uma esofagite Los Angeles B, C ou D (veja tabela 3) ou presença de esôfago de Barrett. Quando a EDA é normal ou com Los Angeles A, uma confirmação diagnóstica com monitorização de refluxo sem uso de IBP é necessária (veja fluxograma 1).

Fluxograma 1
Fluxograma para investigação de DRGE
Fluxograma para investigação de DRGE

A monitorização de refluxo é feita ambulatorialmente via sonda esofágica transnasal (com ou sem impedância) por 24 horas ou por cápsula esofagiana por até 96 horas. Durante o exame, é avaliado o tempo de exposição ácida e o número de episódios de refluxo. O paciente deve registrar os sintomas durante o exame para correlacionar com os achados. O método com impedância permite avaliação de refluxos não-ácidos, clearance do bolo alimentar e extensão proximal do refluxo.

A manometria esofagiana não tem papel diagnóstico para pacientes com DRGE. Esse exame auxilia no diagnóstico diferencial com transtornos de motilidade e para avaliar a função do esfíncter esofagiano inferior (EEI) em candidatos à cirurgia antirrefluxo.

Tratamento não-farmacológico

Tabela 4
Tratamento não farmacológico para DRGE
Tratamento não farmacológico para DRGE

As medidas não-farmacológicas com maior evidência são a perda ponderal em pacientes com sobrepeso ou obesidade e a elevação da cabeceira da cama em 15 a 20 cm. Outras recomendações estão na tabela 4.

Tratamento farmacológico

A diretriz da ACG recomenda os IBPs como primeira linha de tratamento na DRGE. Essa recomendação é baseada na superioridade dos IBPs em relação aos antagonistas dos receptores de histamina (ARH) no controle sintomático. Além disso, também apresentam maior taxa de cura de esofagite erosiva [3]. Todos os IBPs disponíveis no mercado conferem esses benefícios [4]. Algumas recomendações no uso de IBP estão na tabela 5.

Tabela 5
Recomendações para uso de inibidores de bomba de próton (IBP)
Recomendações para uso de inibidores de bomba de próton (IBP)

A terapia com IBP deve ser mantida por 8 a 12 semanas. Se os sintomas melhorarem e não houver esofagite erosiva ou esôfago de Barrett, deve-se tentar descontinuar o IBP e manter apenas seu uso sob demanda (tomar diariamente se sintomas e descontinuar quando ocorrer a melhora) [5]. Uma alternativa é a terapia step-down com os ARH.

A manutenção do IBP de forma indefinida deve ser considerada em pacientes com esofagite erosiva moderada a grave (Los Angeles C e D). Nestes casos, deve-se buscar a menor dose necessária para controle de sintomas e inflamação esofágica.

Em pacientes com sintomas noturnos refratários aos IBPs, os ARH podem ser considerados antes de deitar [6]. Apesar disso, um estudo encontrou que o uso crônico de ARH está associado à taquifilaxia (dessensibilização e perda de resposta) e piora sintomática, sendo ideal manter o uso apenas sob demanda no período noturno [7].

O baclofeno é uma alternativa em casos refratários aos IBPs. A medicação reduz o relaxamento intermitente do EEI, diminuindo os episódios de refluxo [8]. O uso deve ser reservado para pacientes com diagnóstico confirmado pela monitorização ambulatorial de refluxo. Os eventos adversos também são uma limitação: sonolência, tontura e constipação.

Antiácidos, alginatos e sucralfato podem ser utilizados para alívio sintomático intermitente. Estas medicações são de curta duração e não previnem os sintomas de DRGE. São a primeira escolha de tratamento na gravidez, já que todos os IBPs são categoria B, exceto o omeprazol, que é C.

O uso de procinéticos não é recomendado para o tratamento de qualquer subtipo de DRGE. Devem ser utilizados em casos de associação com gastroparesia.

Piúria, Bacteriúria e Delirium

Criado em: 07 de Novembro de 2022 Autor: Frederico Amorim Marcelino

O diagnóstico de infecção do trato urinário (ITU) pode ser feito sem o exame de urina se os sintomas forem clássicos. Contudo, se os sintomas forem atípicos ou naqueles com dificuldade em demonstrar seus sintomas, existe dúvida sobre o papel dos exames de urina. Nesse contexto, trouxemos um estudo publicado em setembro de 2022 no American Journal of Medicine sobre a correlação entre piúria e bacteriúria [1].

Piúria

Os métodos principais para avaliar leucócitos na urina são a esterease leucocitária, a detecção por microscopia e a hemocitometria.

A esterase leucocitária faz parte da fita reagente de urina (dipstick), uma das etapas habituais do exame de urina. O resultado é medido em cruzes. A detecção por microscopia é descrita como leucócitos por campo (high power field) e a hemocitometria como leucócitos por microlitro ou mililitro.

A definição de piúria é de mais de 5 leucócitos por campo, mais de 10 leucócitos por microlitro ou de 10.000 leucócitos por mililitro, mas há variação dos cortes na literatura.

Piúria é uma alteração comum em ITU, mas também pode ocorrer em pacientes com bacteriúria assintomática. O achado está presente em 32% de mulheres na pré-menopausa, 76% de mulheres diabéticas, 90% de pacientes institucionalizados e 90% de pacientes em hemodiálise [2].

O estudo que motivou este tópico tentou avaliar se a presença de piúria está associada à bacteriúria. Foram avaliados retrospectivamente 46.127 adultos com diagnóstico de infecção urinária em prontuário. Os resultados de microscopia urinária foram estratificados em 0-5, 5-10, 10-25 e mais de 25 células por campo. Os intervalos se correlacionaram com bacteriúria de maneira crescente com 25.4%, 28.2%, 33% e 53,8% de culturas positivas respectivamente. O estrato que melhor se correlacionou com bacteriúria foi o de mais de 25 células por campo, com sensibilidade de 57,67% e especificidade de 67,24%.

Diante dos resultados, o autor traz três conclusões:

  • A presença de piúria tem baixa especificidade e sensibilidade para predizer bacteriúria
  • Piúria isoladamente é um teste inadequado para diagnosticar infecção do trato urinário
  • O melhor corte encontrado para predizer bacteriúria é de mais de 25 células por campo

Piúria estéril significa piúria na ausência de bacteriúria. Doenças infecciosas diferentes da ITU habitual - como tuberculose urinária e uretrite por Chlamydia - assim como doenças inflamatórias - como nefrite intersticial e neoplasias - podem ocasionar piúria estéril [3].

Bacteriúria

Bacteriúria pode fazer parte do diagnóstico de ITU e pode ocorrer em outros cenários.

Bacteriúria assintomática significa o crescimento de bactérias na urocultura de um paciente assintomático. Bacteriúria está presente em 3-5% das mulheres em idade fértil, 10-16% das mulheres com diabetes, 15-50% dos pacientes institucionalizados e quase 100% dos pacientes com cateter vesical há mais de 1 mês [4, 5].

Existe recomendação pela diretriz de 2019 da Infectious Disease Society of America (IDSA) de rastreio e tratamento de bacteriúria assintomática em 2 cenários: gestantes e pacientes que realizarão procedimentos urológicos. Em gestantes, o tratamento previne pielonefrite e possivelmente baixo peso ao nascer. Em procedimentos urológicos associados a trauma de mucosa (cirurgia transuretral da próstata ou bexiga, litotripsia, etc), o tratamento previne ITU febril no pós-operatório.

Em pacientes com transplante renal, existe uma dúvida sobre o benefício do tratamento de bacteriúria assintomática. A diretriz de 2019 da American Society of Transplantation (AST) recomenda não realizar o rastreio e tratamento em pacientes transplantados de órgão sólidos [6].

Delirium e infecção urinária

Os sintomas típicos de ITU são: disúria, polaciúria e urgência miccional. Dor suprapúbica pode ocorrer na cistite e dor em flancos, febre, astenia, náuseas e vômitos na pielonefrite.

É comum considerar o diagnóstico de ITU em pacientes idosos com delirium, mesmo na ausência de sintomas típicos. O tratamento de pacientes em delirium sem sintomas urinários ou infecciosos e com bacteriúria foi associado a baixa recuperação funcional e aumento de tempo de hospitalização [7, 8]. O uso de urocultura também não auxiliou na investigação de sintomas inespecíficos em idosos [9]. A própria diretriz da IDSA de 2019 recomenda não pesquisar bacteriúria em idosos com alteração cognitiva e/ou funcional sem sintomas geniturinários ou infecciosos [10].

Em pacientes com delirium sem sintomas urinários ou com sintomas inespecíficos, outras etiologias além de ITU devem ser buscadas. Os achados de piúria e bacteriúria parecem não auxiliar nesses cenários.

Linfoma de Burkitt

Criado em: 07 de Novembro de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

O linfoma de Burkitt é um linfoma agressivo com manifestações clínicas expressivas. Aproveitando uma revisão recente do New England Journal of Medicine, vamos passar pelos principais pontos dessa doença [1].

Epidemiologia

O linfoma de Burkitt (LB) é um linfoma de células B altamente agressivo. O LB responde por 1 a 2% dos pacientes com linfoma, sendo uma das neoplasias de proliferação mais rápida. A característica citogenética é a translocação e desregulação do gene MYC no cromossomo 8.

Um marco na história do LB foi a percepção de um maior número de casos na África equatorial. Isso indicava um fator ambiental na epidemiologia da doença. Pesquisando esse agrupamento de casos, descobriu-se a relação do vírus de Epstein Barr (EBV) e malária com esse linfoma.

Existem três variantes de LB, de acordo com a epidemiologia e a clínica:

  • Endêmica: relacionada com locais de maior prevalência de malária e EBV. O acometimento principal é em mandíbula, órbita e abdome.
  • Esporádica: o acometimento principal é o abdominal, podendo causar obstrução intestinal, perfuração ou simular apendicite. Acomete o sistema nervoso central (SNC) e medula óssea com maior frequência do que a variante endêmica, porém em menor proporção do que a variante relacionada a imunodeficiência
  • Relacionado a imunodeficiência: associado principalmente com HIV. Representa 40% de todos os linfomas nesses pacientes. Um marco é a presença de um CD4 acima de 200 cel/μL. As principais manifestações são linfonodomegalia, invasão do SNC e medula.

Como fazer a avaliação?

O quadro clínico de um LB geralmente é exuberante. Linfonodomegalias formando conglomerados, espessamento intestinal ou acometimento de vísceras com infiltração hepática ou esplênica são comuns. Há risco elevado de síndrome de lise tumoral e perfuração gastrointestinal. Linfonodomegalias de crescimento rápido podem causar obstrução biliar, ureteral ou intestinal. No tórax, além de linfonodomegalias, também pode ocorrer infiltração da pleura e do pericárdio.

O acometimento do SNC ocorre em 15 a 20% dos pacientes. O mais comum é ocorrer infiltração de leptomeninges. Essa apresentação está relacionada com pior sobrevida e maior chance de recidiva da doença.

O índice internacional de prognóstico no linfoma de Burkitt inclui 4 fatores:

  • Idade maior que 40 anos
  • Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG) de 2 ou mais (escala de avaliação de performance status)
  • Lactato desidrogenase (LDH ou DHL) acima de 3x o valor de referência
  • Acometimento do sistema nervoso central

A ausência de todos esses fatores está relacionado com sobrevida de 96 a 98% em três anos. Já a presença de dois ou mais fatores - o que caracteriza alto risco - confere sobrevida de 58 a 64% em três anos.

Quais exames devem ser solicitados?

Além de hemograma e pesquisa de disfunções orgânicas, lactato desidrogenase (LDH ou DHL) e ácido úrico devem ser solicitados devido à possibilidade de síndrome de lise tumoral espontânea. Sorologias para HIV, hepatite B e hepatite C também são necessárias devido a correlação dessa doença com imunodeficiência adquirida.

A avaliação diagnóstica passa por uma biópsia excisional ou biópsia de agulha grossa (core biopsy). A cirurgia não deve ser extensa ou com intuito de retirar todo o material neoplásico. Uma lenta recuperação cirúrgica pode atrasar o início da quimioterapia, tratamento que é mais efetivo nessa doença.

Tomografia computadorizada do corpo inteiro é necessária para estadiamento. Na presença de sintomas neurológicos, a realização de ressonância magnética de crânio ou neuroeixo deve complementar a avaliação. Também é necessário investigar a medula óssea com biópsia e mielograma e analisar o líquido cefalorraquidiano, já que a presença de invasão neoplásica nesses locais pode influenciar o esquema terapêutico.

A tomografia com emissão de pósitrons (PET-CT) pode auxiliar no estadiamento, mas a sua realização não deve atrasar o tratamento. Esse exame é a modalidade de escolha quando há suspeita de doença refratária ou recidivante.

O esquema terapêutico inclui antracíclicos, medicações sabidamente cardiotóxicas. Assim, como avaliação pré-quimioterapia, é necessário um ecocardiograma.

Como é feito o manejo?

A terapia depende do estadiamento da doença e do acometimento do SNC.

A terapia quimioterápica sistêmica ideal ainda não foi definida. Além de terapia sistêmica, também é realizado terapia intratecal, individualizando a dose entre terapêutica ou profilática a depender do acometimento do SNC.

Entre os esquemas quimioterápicos utilizados estão:

  • R-CODOX-M/IVAC - ciclofosfamida, vincristina, doxorrubicina, metotrexato (CODOX) e ifosfamida, citarabina, etoposídeo e metotrexato intratecal (IVAC)
  • DA-EPOCH-R (Dose Ajustada - etoposídeo, prednisona, vincristina, ciclofosfamida, doxorubicina + rituximabe)

A cirurgia tem o papel de corrigir complicações geradas pelos conglomerados linfonodais, sem impedir o início precoce do tratamento quimioterápico.

Tabela 1
Exemplos de eventos adversos relacionados a quimioterapia utilizada para o Linfoma de Burkitt
Exemplos de eventos adversos relacionados a quimioterapia utilizada para o Linfoma de Burkitt

O manejo inicial de suporte inclui profilaxia e vigilância para síndrome de lise tumoral, profilaxia para infecções oportunistas e suporte transfusional. Os principais eventos adversos das medicações utilizadas estão sumarizados na tabela 1.