Reposição de Ferro na Insuficiência Cardíaca

Criado em: 21 de Novembro de 2022 Autor: Kaue Malpighi

Pacientes com insuficiência cardíaca (IC) tem altas taxas de deficiência de ferro. Rastrear e tratar ferropenia em pacientes com IC pode levar a melhores desfechos. No congresso da American Heart Association (AHA) de novembro de 2022, foi publicado o estudo IRONMAN, que avaliou infusão de ferro intravenoso em pacientes com IC e ferropenia. Aproveitamos para revisar o tema neste tópico [1].

Anemia, deficiência de ferro e insuficiência cardíaca

Quanto mais grave for a miocardiopatia, maior a chance de existir anemia associada. Múltiplos fatores aumentam o risco de anemia nos pacientes com IC: inflamação crônica, associação com doença renal crônica, anemia dilucional e deficiência de ferro [2, 3].

A deficiência de ferro, mesmo sem anemia ferropriva, está associada com baixa capacidade funcional e qualidade de vida. Sua prevalência é maior em pacientes com fração de ejeção (FE) reduzida.

No contexto de IC, a deficiência de ferro é definida por níveis de ferritina menores que 100 μg/L ou 100 - 300 μg/L se a saturação de transferrina for menor que 20%. A diretriz da AHA de 2022 recomenda o rastreio de deficiência de ferro e anemia em todo paciente com diagnóstico de IC.

Evidências para reposição de ferro endovenoso e oral

A recomendação atual é repor ferro via endovenosa para pacientes com IC e deficiência de ferro (recomendação classe IIa - guideline da AHA de 2022).

Quando comparado com placebo, o ferro via oral parece não melhorar sintomas e capacidade funcional [4]. Uma possível explicação é a má absorção de ferro em pacientes com IC.

Já o ferro por via endovenosa é capaz de otimizar sintomas, classe funcional (medida pela escala New York Heart Association - NYHA) e qualidade de vida em pacientes com deficiência de ferro [5, 6].

Tabela 1
Doses de ferro realizadas no estudo AFFIRM-AHF
Doses de ferro realizadas no estudo AFFIRM-AHF

O AFFIRM-AHF é o maior estudo randomizado comparando ferro endovenoso e placebo em pacientes com IC e deficiência de ferro [7]. Foram incluídos pacientes estabilizados após episódio de IC aguda e com FE menor que 50%. Os participantes eram randomizados para receber infusão de carboximaltose férrica ou placebo por até 24 meses. A dose era graduada conforme a tabela 1 e a primeira infusão era feita antes da alta hospitalar. O desfecho primário foi um composto de hospitalização por IC ou morte por causa cardiovascular.

Na avaliação individual dos desfechos, o ferro endovenoso foi capaz de reduzir hospitalização por IC, mas não reduziu a mortalidade cardiovascular.

Na maioria dos estudos sobre o tema, a formulação de ferro predominante foi a carboximaltose férrica e os pacientes apresentavam IC com FE menor que 40 a 50%.

O que esse novo estudo mostrou?

O IRONMAN foi um estudo randomizado, aberto (open-label), multicêntrico realizado em hospitais britânicos. Os pesquisadores compararam a reposição de ferro via endovenosa com placebo. O desfecho primário foi um composto de admissões hospitalares por IC e mortalidade por causa cardiovascular. O acompanhamento foi de 2,7 anos.

Tabela 2
Doses de ferro realizadas no estudo IRONMAN
Doses de ferro realizadas no estudo IRONMAN

Um total de 1.137 pacientes foram randomizados. Todos tinham FE menor ou igual a 45% e classe funcional NYHA II a IV com deficiência de ferro - ferritina menor que 100 μg/L ou saturação de transferrina menor que 20%. Diferente do estudo AFFIRM-HF, os pacientes apresentavam IC crônica fora do período de agudização. Além disso, a formulação de ferro utilizada foi a derisomaltose férrica (Monofer®). Veja o esquema de reposição de ferro utilizado no protocolo na tabela 2.

O uso de derisomaltose férrica não diferiu do placebo no desfecho composto primário avaliado - 22.4 x 27.5 eventos/100 pacientes ano (p = 0.07).

O protocolo do estudo foi comprometido pela pandemia de COVID-19. Houve inadequação de seguimento de alguns pacientes pelo lockdown, o que pode ter influenciado na análise dos desfechos. Na tentativa de reduzir estas interferências, foi realizada uma análise de sensibilidade incluindo pacientes até março de 2020, data do primeiro lockdown no Reino Unido. Nessa análise, o resultado foi favorável para a infusão de ferro (RR 0,76; IC 95% 0.58 - 1.00; p = 0,047). Assim como no AFFIRM-AHF, o benefício predominante foi na redução de hospitalizações por IC.

Apesar do resultado inicial e das dificuldades apresentadas durante o estudo, o IRONMAN adiciona evidência ao ferro endovenoso no paciente com IC e ferropenia, com a meta de redução de internações e controle de sintomas.

Colonoscopia no Rastreio de Câncer de Cólon

Criado em: 21 de Novembro de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

A colonoscopia é um método utilizado para rastreio de câncer de cólon, mas seus efeitos em reduzir riscos ainda geram discussões. Em outubro de 2022, foi publicado no New England Journal of Medicine o estudo NordICC, avaliando o impacto da colonoscopia nesse contexto [1]. Vamos ver os achados do estudo e rever o tema.

Como é feito o rastreio hoje?

Neoplasia de cólon é o terceiro câncer mais comum do mundo e o segundo em mortalidade. A maioria das neoplasias de cólon tem uma fase inicial de pólipo que pode ser detectado e removido na colonoscopia. Assim, esse exame sempre foi considerado muito efetivo no rastreio.

O nível de recomendação da United States Preventive Service Task Force (USPSTF) sobre rastreio de neoplasia do cólon é a seguinte:

  • 50 a 75 anos - Recomendação A
  • 45 a 49 anos - Recomendação B
  • 76 a 85 anos - Recomendação C - Selecionar com cuidado o paciente, já que o benefício populacional é pequeno. É preciso considerar as condições de saúde do paciente, história prévia de rastreio e preferências.
Tabela 1
Métodos de rastreio de neoplasia colorretal
Métodos de rastreio de neoplasia colorretal

Os métodos de rastreios estudados são a colonoscopia, retossigmoidoscopia e detecção de sangue nas fezes. Os detalhes de cada indicação estão na tabela 1. Discutimos as medidas de rastreio no Episódio 106: 4 Clinicagens de Rastreio de Câncer Colorretal.

O que é preciso para o rastreio?

Para realizar um rastreio, independente da doença, algumas condições precisam ser preenchidas:

  • A doença tem que ser relativamente comum - é difícil fazer rastreio de condições raras.
  • A história natural deve ser bem conhecida - a doença precisa ter uma fase precoce e que ao fazer o diagnóstico nessa etapa, seja possível reduzir morbidade e mortalidade.
  • Método de rastreio de alta sensibilidade - é esperado que um exame de rastreio tenha uma taxa de falso negativos baixos.
  • Método de rastreio tolerável - espera-se que muitos exames sejam normais em um rastreio populacional, por isso objetiva-se um método fácil de fazer e com pouco desconforto
  • Os benefícios do rastreio devem ultrapassar os malefícios - alguns exames podem causar danos aos pacientes (sangramento, perfuração, bacteremia).

Sobre o estudo

O trial NordICC é um trabalho pragmático feito na Polônia, Noruega, Suécia e Holanda. Eles selecionaram pessoas entre 55 e 64 anos de idade e que nunca tinham feito o rastreio antes. Os pacientes eram randomizados em dois grupos: os que recebiam o convite para fazer a colonoscopia e os que não recebiam o convite. Os desfechos primários foram diagnóstico de adenocarcinoma colorretal e morte por neoplasia colorretal em uma média de seguimento de 10 a 15 anos.

O estudo envolveu 84.585 participantes. O grupo que recebeu o convite para colonoscopia teve 28.220 pessoas e 42% realizaram o procedimento. Câncer colorretal e adenomas foram encontrados em 0,5% e 30% das colonoscopias, respectivamente. Não houve casos de óbitos ou cirurgias relacionados ao procedimento.

O risco em 10 anos de diagnóstico de adenocarcinoma colorretal foi de 0,98% no grupo convite e 1,20% no grupo controle, resultando em um risco relativo de 0,82 (intervalo de confiança 0,70 a 0,93). O número necessário de colonoscopias para diagnosticar uma neoplasia é de 455. O risco de óbito por adenocarcinoma colorretal não teve diferença entre os grupos estudados.

Problemas do estudo

A ausência de diferença de mortalidade por câncer colorretal criou uma dúvida no valor do rastreio.

O estudo avaliou o convite da colonoscopia e não a colonoscopia em si. Isso é claro na baixa taxa de realização do exame (42%). Ao fazer a análise apenas das pessoas que de fato fizeram a colonoscopia - ao invés de todos que receberam o convite - a diferença estatística de risco de diagnóstico aumenta, assim como a de risco de óbito, que passa a ser significativa. Esse tipo de análise é chamada de "análise por protocolo".

Outra questão é que a colonoscopia é um exame que depende do operador. A taxa de detecção de adenomas é um parâmetro para avaliar se o operador tem um bom desempenho na colonoscopia. O editorial do NEJM pontua que 29% dos endoscopistas envolvidos nesse estudo tinha uma taxa de detecção de adenomas menor que o limite mínimo recomendado de 25% [2].

Psilocibina para Depressão Resistente

Criado em: 21 de Novembro de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

Depressão resistente é um desafio de tratamento. Muitas pesquisas têm estudado os alucinógenos nesse contexto. Um estudo de fase 2 publicado em novembro no New England Journal of Medicine (NEJM) testou várias doses de psilocibina, um alucinógeno presente em cogumelos, para depressão resistente [1]. Vamos revisar esse tema e ver os resultados do trabalho.

O que é psilocibina?

Psilocibina é um alcalóide encontrado em vários cogumelos. Alguns desses cogumelos são conhecidos como “cogumelos mágicos” por suas características alucinógenas derivadas da psilocibina e da psilocina - um metabólito da psilocibina.

A psilocibina exerce seu efeito psicodélico através da interação com receptores de serotonina do tipo 2A. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina disponíveis não são agonistas diretos desse receptor.

Sintetizadas e isoladas em 1958, psilocibina e psilocina foram inicialmente recebidas com entusiasmo. As propriedades alucinógenas eram vistas como uma ferramenta de estudo e tratamento de transtornos mentais. Contudo, por conta de eventos adversos e questões políticas e culturais, as pesquisas ficaram paradas por décadas [2].

Os últimos anos mostraram resultados encorajadores no uso de substâncias psicodélicas no tratamento de depressão, ansiedade, transtorno de uso de substâncias e cuidados paliativos [3].

O que já existe de evidência?

Um estudo aberto publicado no Lancet em 2016 testou a psilocibina em depressão resistente [4]. Esse estudo preliminar não teve grupo controle e contou com apenas 12 pacientes. Duas doses de psilocibina foram administradas - uma de 10 e outra de 25 mg - separadas por 7 dias. Os efeitos psicodélicos agudos eram percebidos 30 a 60 minutos após a dose, com o pico em 2 a 3 horas e se resolviam em 6 horas. Todos os pacientes tiveram ansiedade transitória no início de ação da droga, além de outros efeitos temporários. Não aconteceram eventos graves. Os sintomas depressivos melhoraram em 1 semana e 3 meses.

Em 2021, o NEJM publicou um artigo comparando escitalopram e psilocibina em depressão moderada a grave [5]. Envolvendo 59 pacientes no total, o grupo psilocibina recebia duas doses de 25mg separadas por 3 semanas. A melhora dos sintomas depressivos foi similar entre os grupos. Os desfechos secundários favoreceram a psilocibina, porém não foram ajustados para múltiplas comparações.

Outros trabalhos testaram psilocibina no mesmo contexto [6]. Alguns estudos usaram como critério de exclusão história de psicose, tentativa de suicídio grave e transtorno de uso de substâncias. As sessões em que a psilocibina era administrada duravam até 8 horas em um estudo.

O que o trabalho encontrou?

Esse estudo randomizado duplo-cego de fase 2 tinha como objetivo avaliar a eficácia e segurança de várias doses de psilocibina sintética. O trabalho incluiu 223 participantes, todos com depressão resistente.

Os pacientes foram distribuídos em 3 grupos conforme a dose de psilocibina - 1, 10 ou 25 mg. Apenas uma dose era administrada em uma sessão que durava de 6 a 8 horas. Nas sessões, os pacientes eram acompanhados por um terapeuta, ouviam uma playlist desenvolvida para o estudo e usavam viseiras para direcionarem sua atenção internamente.

O grupo 25mg teve melhora dos sintomas em 3 semanas. Os grupos 10mg e 1mg não mostraram melhoria significativa dos sintomas depressivos em 3 semanas. A resposta obtida com 25 mg não se sustentou até a semana 12.

Eventos adversos ocorreram em 77% dos participantes, sendo a maioria leves, como cefaleia, nauseas e vertigem. Dois pacientes no grupo 10mg e 25mg apresentaram ideação suicida.

Perspectivas

Alguns vieses afetam as pesquisas com psicodélicos. O poder dos estudos é limitado, faltam comparações com placebo ou antidepressivos já aprovados, monitorização breve e dificuldade em cegar os participantes por conta dos intensos efeitos alucinógenos.

Dúvidas logísticas também surgem. Os protocolos dos estudos exigem recursos. As sessões demoram e exigem treinamento específico do terapeuta. Caso essas substâncias sejam um dia aprovadas, a regulação não será simples.

O interesse no campo é alto e muitas dúvidas ainda existem. Trabalhos com mais pacientes e maior tempo de seguimento, comparando com tratamentos existentes, são necessários. Além disso, existem pesquisas na tentativa de desenvolver antidepressivos que interagem com o receptor 2A de serotonina sem causar efeitos alucinógenos.