Antibióticos Anti-Anaeróbios e Piores Desfechos Hospitalares

Criado em: 12 de Dezembro de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

A microbiota intestinal tem um papel de proteção contra os germes patogênicos. O uso de antibióticos contra anaeróbios pode comprometer a microbiota nativa. Nessa linha, esse trabalho de outubro de 2022 publicado no European Respiratory Journal avaliou se a exposição a antibióticos anti-anaeróbios poderia levar a piores desfechos [1].

Quando cobrir anaeróbios?

Bactérias anaeróbias estão presentes na flora bacteriana das mucosas e da pele. Quando participam de um quadro infeccioso, geralmente estão em processos polimicrobianos como abscessos.

Apesar de presentes em algumas infecções, os anaeróbios são isolados com dificuldade. Eles necessitam de meio de cultura próprio e não crescem facilmente em culturas, tornando a confirmação diagnóstica incomum. Considerando esse impasse, existem indicações de tratamento empírico de anaeróbios.

Na diretriz de 2014 de infecções de pele e subcutâneo, a Infectious Disease Society of America (IDSA) recomenda o uso de terapias anti-anaeróbias em infecções de sítio cirúrgico que envolvem a axila, trato gastrointestinal, períneo ou trato genital feminino, assim como em casos de fasceíte necrotizante ou mordida por animais [2].

Em relação a infecções abdominais, a última diretriz é de 2021 de um conglomerado de sociedades de cirurgiões [3]. O documento recomenda a cobertura de anaeróbios para todas as infecções intra-abdominais, citando que essa medida pode não ser essencial em infecções do trato gastrointestinal alto.

Nas pneumonias, a diretriz de 2019 da IDSA em conjunto com a American Thoracic Society (ATS) cita que as principais indicações de cobrir anaeróbios em pacientes com pneumonia são a presença de abscesso pulmonar ou empiema [4]. Artigos mais antigos sugeriam que pacientes com aspiração tinham maior risco de infecções por anaeróbios, porém novos estudos questionam essa indicação devido a baixa prevalência encontrada.

Em infecções do pescoço, tanto a angina de Ludwig - celulite dos espaços sublinguais e submandibular - quanto a síndrome de Lemierre - tromboflebite supurativa da veia jugular - tem indicação de terapia empírica contra anaeróbios.

Abscessos ainda não citados, como abscesso cerebral, hepático ou odontológico, geralmente são polimicrobianos e se beneficiam do uso dessa terapia.

O que cobre anaeróbio?

Os principais germes anaeróbios relacionados a processos infecciosos são Clostridioides difficile (colite), Fusobacterium necrophorum (síndrome de Lemierre), Bacteroides fragilis (infecções intra-abdominais). Cada bactéria tem seu padrão de resistência e que muda a depender da epidemiologia local.

Tabela 1
Antibióticos com cobertura para micro-organismos anaeróbios
Antibióticos com cobertura para micro-organismos anaeróbios

O Bacteroides fragilis tem aumentado sua resistência para clindamicina, cefalosporinas e quinolonas. Como a principal ocorrência dessa bactéria é nas infecções intra-abdominais, o uso isolado desses antibióticos deve ser evitado nesse cenário. Anaeróbios podem produzir betalactamases, limitando o efeito das cefalosporinas nesse cenário.

Vancomicina pode atuar contra anaeróbios gram positivos, como Clostridium. Penicilinas de amplo espectro com inibidores de betalactamases podem cobrir outras espécies de Clostridium, mas diferente da vancomicina, não possui ação contra Clostridium difficile.

E o trabalho?

Há uma relação estabelecida das bactérias do trato gastrointestinal com a ocorrência de pneumonia associada ao ventilador (PAV) e desfechos graves em pacientes críticos. Existem trabalhos pesquisando a descontaminação do trato gastrointestinal em pacientes já intubados na tentativa de reduzir PAV (veja o tópico "Prevenção de Pneumonia Hospitalar"). Com o aumento de terapias anti-anaeróbias em pacientes graves nos últimos anos, o trabalho em questão avaliou se isso poderia repercutir nos pacientes em ventilação mecânica

Esse estudo retrospectivo avaliou 3032 pacientes intubados que receberam pelo menos uma dose de antibioticoterapia. Os pesquisadores compararam os que usaram e os que não usaram antibióticos com cobertura anti-anaeróbica. O desfecho primário foi tempo livre de PAV, definido pelo tempo do momento da intubação até o diagnóstico de PAV ou de um óbito. Os grupos foram equilibrados em relação a gravidade da doença (APACHE IV médio de 89,9 versus 90,1) e de carga de comorbidades.

O trabalho encontrou que pacientes expostos à terapia anti-anaeróbia tiveram piores taxas de tempo livre de PAV em 30 dias (65% versus 72%) com significância estatística.

Em uma sub-análise de 116 pacientes deste estudo, foi avaliado a densidade de bactérias no intestino através de swab retal no início e após um período de internação. Os pacientes que utilizaram terapia anti-anaeróbica inicialmente apresentaram menor densidade de bactérias no swab retal, seguido posteriormente de uma expansão de enterobactérias, aumentando a população destas bactérias de maneira desproporcional em relação ao grupo controle.

Este estudo, apesar de retrospectivo, é mais um argumento no debate de racionalização do uso de antibióticos.

Critérios de Classificação de Arterite de Células Gigantes

Criado em: 12 de Dezembro de 2022 Autor: Joanne Alves Moreira

Em novembro de 2022, o American College of Rheumatology (ACR) e a European Alliance of Associations for Rheumatology (EULAR) publicaram uma atualização sobre os critérios de classificação de arterite de células gigantes [1]. Vamos aproveitar a publicação para revisar o tema.

O que é a arterite de células gigantes?

A arterite de células gigantes (ACG) ou arterite temporal é a vasculite mais comum em pessoas com mais de 50 anos [2]. Essa condição é definida patologicamente por uma arterite granulomatosa que afeta vasos de médio e grande calibre com predisposição para afetar as artérias cranianas [3].

As características comuns de apresentação clínica incluem cefaleia, sintomas constitucionais, claudicação de mandíbula, hipersensibilidade do couro cabeludo, distúrbios visuais e elevação de marcadores inflamatórios.

Quais eram os critérios prévios?

Em 1990, o American College of Rheumatology (ACR) publicou os critérios de classificação para ACG [4]. Eles foram desenvolvidos através da comparação de 214 pacientes com ACG com 593 pacientes com outras vasculites (granulomatose com poliangeíte, granulomatose eosinofílica com poliangeíte, poliarterite nodosa). A classificação tradicional inclui 5 critérios:

  • Idade ≥ 50 anos no início da doença
  • Cefaleia nova localizada
  • Sensibilidade ou redução de pulso de artéria temporal
  • VHS ≥ 50mm/h
  • Biópsia de artéria temporal evidenciando arterite necrosante

A presença de 3 dos 5 critérios estava associada com sensibilidade de 93,5% e especificidade de 91,2%. Há também um critério alternativo que exclui o VHS e inclui dois outros achados: hipersensibilidade em couro cabeludo e claudicação em mandíbula, língua ou durante a deglutição. A sensibilidade e especificidade são semelhantes (95,3% e 90,7%, respectivamente).

Esses critérios foram definidos antes de métodos diagnósticos mais avançados de imagem vascular como a ultrassonografia. A imagem vascular têm demonstrado que o envolvimento arterial na ACG não está confinado às artérias cranianas e pode comumente afetar a aorta e ramos primários em um padrão semelhante à arterite de Takayasu [5-8].

Os critérios de 1990 focam principalmente nas características cranianas da ACG. Esses critérios não têm um bom desempenho na classificação de pacientes com doenças que afetam predominantemente outras grandes artérias. Além disso, seguem a regra do "número de critérios", que considera cada critério com o mesmo peso. Os avanços metodológicos nos critérios de classificação permitiram o movimento em direção a critérios ponderados com pontuação limite que melhoram o desempenho das características.

O que mudou?

Em novembro de 2022, ACR e EULAR publicaram a validação e atualização dos critérios classificatórios para ACG através de um estudo observacional prospectivo internacional, multicêntrico, realizado de janeiro de 2011 a dezembro de 2017 (veja os critérios na tabela 1).

Tabela 1
ACR/EULAR 2022 - Critérios diagnósticos de arterite de células gigantes
ACR/EULAR 2022 - Critérios diagnósticos de arterite de células gigantes

Foram incluídos pacientes com mais de 18 anos com diagnóstico de vasculite ou condição de mimetize esse diagnóstico (infecção, neoplasia, etc). Os pacientes com ACG só foram alocados 2 anos após o diagnóstico. Somente os dados presentes no diagnóstico foram utilizados para desenvolver os critérios de classificação.

O conjunto de dados para o desenvolvimento consistia em 518 casos de ACG comparados com 536 pacientes com outros diagnósticos. Já para validação, o conjunto de dados consistiu em 238 casos de GCA e 213 comparadores. O critério de idade ≥ 50 anos no diagnóstico era requisito absoluto para classificação de ACG. Houve predomínio do sexo feminino (67,6%) com média de idade de 72 anos.

Um paciente pode ser classificado como tendo ACG se a pontuação acumulada for ≥ 6 pontos. Quando estes critérios foram testados no conjunto de dados de validação, o modelo da área sob a curva era de 0,91 (IC 95% 0,88 - 0,94) com uma sensibilidade de 87% (IC 95% 82-91%) e especificidade de 94,8% (IC 95% 91-97,4%).

Os novos critérios foram capazes de classificar corretamente mais pacientes com o subtipo ACG de grandes vasos em comparação com os critérios de 1990, cuja sensibilidade era de 37,1% para essa expressão da doença.

Estes critérios são validados e destinados à classificação de CGA. Eles não são apropriados para serem utilizados como ferramenta única no diagnóstico de CGA. A sua aplicação é em diferenciar CGA de outras vasculites. Os critérios só devem ser aplicados quando um diagnóstico de vasculite de médios ou grandes vasos foi realizado e todos os potenciais mimetizadores foram excluídos.

Uma limitação potencial foi a não padronização na aquisição de dados clínicos e de imagem entre pacientes com vasculite de grandes vasos e comparadores, já que nem todos foram submetidos a avaliação complementar (PET, ultrassonografia e/ou biópsia de artéria temporal).

Tratamento Farmacológico de Alzheimer

Criado em: 12 de Dezembro de 2022 Autor: Raphael Coelho

O estudo de fase III da nova droga para doença de Alzheimer, o lecanemabe, foi publicado no New England Journal of Medicine em novembro de 2022 e trouxe novas esperanças para o mundo das doenças cognitivas [1]. Nesse tópico, vamos discutir as drogas já existentes e as novas que prometem alterar o curso da demência neurodegenerativa mais importante da medicina.

O cérebro na doença de Alzheimer

A doença de Alzheimer (DA) é uma das principais demências neurodegenerativas e ainda não há nenhum medicamento que altere o seu curso natural.

As principais alterações neuropatológicas da DA são as placas neuríticas e os emaranhados neurofibrilares. As placas neuríticas são lesões extracelulares formadas de peptídeo beta-amilóide. Os emaranhados neurofibrilares são inclusões intraneuronais compostas principalmente pela proteína tau hiperfosforilada.

Esse vídeo da Osmosis sobre doença de Alzheimer explica de maneira simples as complexas alterações presentes na doença.

Tratamento medicamentoso da doença de Alzheimer

Existem dois principais medicamentos que agem como sintomáticos, sem alterar o curso da doença: os anticolinesterásicos centrais e a memantina.

Tabela 1
Medicamentos para tratamento da doença de Alzheimer
Medicamentos para tratamento da doença de Alzheimer

Pacientes com DA têm redução da ação colinérgica central levando aos sintomas da demência. Donepezila, galantamina e rivastigmina são os representantes anticolinesterásicos (tabela 1), que agem aumentando a acetilcolina e levam a melhora sintomática discreta. Na demência leve a moderada, há pequena melhora da cognição, sintomas neuropsiquiátricos e funcionalidade [2-5]. Apesar da discreta melhora, o número necessário para tratar (NNT) para resposta cognitiva foi de 10, enquanto o número necessário para causar dano (NNH) de 12 de acordo com essa metanálise [6]. Na demência avançada, parece haver também melhora semelhante, mas clinicamente menos significativa [7, 8].

A memantina é um antagonista do receptor de N-metil D-aspartato (NMDA). Seu propósito é a neuroproteção, impedindo a estimulação em excesso do glutamato nesse receptor, o que está relacionada à isquemia e toxicidade. As melhores evidências de benefício são na demência moderada a grave, mas com pequena melhora cognitiva [9].

Tabela 2
Avaliação clínica de demência (clinical dementia rating - CDR)
Avaliação clínica de demência (clinical dementia rating - CDR)

A escala Clinical Dementia Rating (CDR) é a mais utilizada para graduar o estágio da demência e pode ser pontuada por algoritmo com pesos diferentes entre os critérios ou pela soma dos critérios (CDR-SB) (veja na tabela 2).

Drogas modificadoras de doença: o futuro do tratamento da DA?

As novas drogas agem contra as placas neuríticas.

O aducanumabe, anticorpo monoclonal recombinante contra a proteína amiloide, foi aprovado pelo Federal Drug Administration (FDA) em junho de 2021 em meio à controvérsias. A droga - que custa 56 mil dólares por ano - teve aprovação baseada na capacidade em reduzir a carga de amilóide avaliada por exames de PET-scan, sem haver demonstração de benefício clínico [10]. O aumento nos gastos no Medicare levaram à restrição do uso no programa dos Estados Unidos, o afastamento do CEO da Biogen - empresa que desenvolve o medicamento - e a manutenção da droga em ensaios clínicos.

Outras drogas anti-beta amilóide, como o solanezumabe, gantenerumabe e bapineuzumabe, já foram testadas sem levar à diferenças clinicamente significativas. Isso coloca em xeque a teoria de que a remoção da beta-amiloide pudesse reduzir a progressão da doença [11].

Por outro lado, o donanemabe, droga em fase II, melhorou desfecho composto de cognição e funcionalidade [12].

Lecanemabe: a bola da vez

O lecanemabe é outro anticorpo monoclonal que se liga à proteína beta amilóide solúvel. O Clarity AD foi um estudo de fase III, multicêntrico e duplo cego que testou a droga. Pacientes de 50 a 90 anos com transtorno neurocognitivo leve (TNL) ou DA leve foram randomizados para receber placebo ou lecanemabe 10 mg/kg endovenoso a cada 2 semanas.

Mais de 1700 pacientes foram randomizados em mais de 200 centros, com uma média de 70 anos de idade, sendo 60% com TNL e 40% com DA. O escore no MiniMental médio dos pacientes foi de 25.

O desfecho primário foi o escore CDR-SB, uma escala de cognição e funcionalidade na DA. O grupo lecanemabe atingiu melhor CDR-SB em comparação com placebo, 1.21 versus 1.66 (diferença -0.45; 95% IC -0.67 a -0.23; p < 0.001), representando uma redução do declínio cognitivo de 27% em 18 meses . Também houve melhora de desfechos secundários relacionados à carga de beta amilóide, biomarcadores no líquor e outros escores de avaliação cognitiva e funcionalidade.

Apesar do benefício, quase um terço dos pacientes teve anormalidades relacionadas ao amiloide (ARIA), que podem ser edema ou micro hemorragias, mas apenas 3% tiveram sintomas relacionados. Duas mortes ocorreram e não foram atribuídas ao uso da droga pelos pesquisadores. Mesmo assim, há dúvida na comunidade científica da segurança do medicamento, principalmente para pacientes em uso de anticoagulantes.

Em Janeiro de 2023, deve sair a decisão do FDA sobre a aprovação da droga. Provavelmente a medicação será cara e exigirá grande esforço para administração, que deve ser feita em centros de infusão a cada 2 semanas, e monitoramento das complicações, que deve ser realizada com ressonância magnética.