Nirmatrelvir/Ritonavir (Paxlovid) para Tratamento de COVID-19

Criado em: 02 de Janeiro de 2023 Autor: Frederico Amorim Marcelino

Nirmatrelvir/ritonavir é um antiviral contra COVID-19 recentemente liberado para venda no Brasil. Trouxemos esse tópico para revisar os trabalhos que embasam o tratamento.

Sobre a medicação

O nirmatrelvir é uma medicação oral. Ele inibe a protease 3CL do Sars-CoV-2, uma enzima essencial para a replicação viral.

O ritonavir é um inibidor de protease do HIV, sem efeito direto contra o Sars-CoV-2. Contudo, a droga também inibe a enzima P450-3A4 melhorando a farmacocinética do nirmatrelvir.

Estudo em não vacinados

Em abril de 2022 foi publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) um estudo controlado duplo-cego e randomizado comparando a eficácia de nirmatrelvir/ritonavir com placebo em pacientes com COVID-19 [1].

Tabela 1
Fatores de risco para COVID-19 grave
Fatores de risco para COVID-19 grave

O estudo avaliou 2102 pacientes ambulatoriais não vacinados e com alto risco de progressão para COVID-19 grave (ver tabela 1). Dos pacientes que receberam o tratamento, 8 foram hospitalizados ou morreram por COVID-19 contra 66 pacientes no grupo placebo resultando em uma redução relativa do risco de 87,8%.

Os efeitos colaterais mais comuns foram disgeusia e diarreia.

Estudos em vacinados

Apesar dos bons resultados, o estudo incluiu apenas pacientes não vacinados. Segundo o Ministério da Saúde, 85% da população brasileira está completamente vacinada - com esquema de duas doses ou esquema de dose única completo. Existe a dúvida de quanto os dados podem ser extrapolados para as pessoas vacinadas.

Três estudos avaliaram retrospectivamente o uso de nirmatrelvir/ritonavir em pacientes vacinados [2, 3]. Dois avaliaram o desfecho composto de hospitalização e morte por COVID-19 e outro adicionou procura ao pronto-socorro como desfecho. Os 3 trabalhos encontraram diminuição do desfecho composto, especialmente em pacientes de alto risco. Um dos estudos não identificou diminuição de desfecho composto em pacientes com menos de 65 anos. A redução relativa do risco foi menor se comparado ao estudo com não vacinados, variando de 45 a 56%. Os estudos possuem desfecho e desenho diferentes, limitando a comparação direta entre eles.

Prescrição no Brasil

O Ministério da Saúde publicou um manual de prescrição da medicação no Brasil. Atualmente o nirmatrelvir/ritonavir é recomendado nas seguintes situações, independente do status vacinal:

  • Pacientes ≥ 65 anos
  • Pacientes ≥ 18 anos que sejam imunossuprimidos

A distribuição da medicação é preferencial para o governo federal que já distribuiu para os estados. Até dezembro de 2022, a medicação não estava amplamente disponível nas farmácias. Para obter a medicação via SUS o fluxo é estabelecido através das secretarias de saúde.

Tabela 2
Posologia e contraindicações ao Nirmatrelvir/Ritonavir (Paxlovid®)
Posologia e contraindicações ao Nirmatrelvir/Ritonavir (Paxlovid®)

Os detalhes de dose, tempo de tratamento e contraindicações estão na tabela 2.

Rebote

Após o uso de nirmatrelvir/ritonavir pode ocorrer piora dos sintomas nas primeiras semanas após a infecção. O teste de antígeno pode se tornar positivo após estar negativo.

A recomendação do Center for Disease Control and Prevention (CDC) é que esses pacientes não recebam um novo tratamento, pois não existe evidência de eficácia nesse cenário. Contudo o paciente deve retornar ao isolamento, seguindo o mesmo procedimento de um quadro de COVID-19. Alguns especialistas sugerem um novo tratamento em pacientes imunossuprimidos.

Hidroxiureia na Anemia Falciforme

Criado em: 02 de Janeiro de 2023 Autor: Marcela Belleza

Em setembro de 2022, foi publicada pela Cochrane uma metanálise avaliando a hidroxiureia na doença falciforme [1]. Aproveitando a publicação, vamos revisar o tema e avaliar o impacto desse estudo.

Anemia falciforme: por que ocorrem desfechos negativos?

A doença falciforme (DF) pode ser causada pela homozigose do gene da hemoglobina S (Hb SS), condição chamada de anemia falciforme (AF). A DF também pode ocorrer pela heterozigose do gene da hemoglobina S com outra variante da cadeia beta de hemoglobina - como a doença da hemoglobina S-beta-talassemia ou doença de hemoglobina SC.

Situações de menor oxigenação causam polimerização da Hb S, dando forma de foice para a hemácia. A hemácia falciforme tem maior adesão ao endotélio e menor flexibilidade.

Tabela 1
Complicações da doença falciforme
Complicações da doença falciforme

Essas alterações predispõem a vaso-oclusão, anemia hemolítica e outras complicações detalhadas na tabela 1. Na ausência de tratamento adequado, pessoas com DF têm menor sobrevida e diminuição da qualidade de vida [2].

Quais os tratamentos disponíveis para anemia falciforme?

A cura da AF no momento é possível apenas com o transplante de medula óssea. Essa é uma opção reservada para casos refratários. Estudos com terapia gênica são promissores [3].

Para a maioria dos pacientes, o tratamento se baseia em prevenção e manejo de complicações. No manejo entram os tratamentos para crises álgicas e síndrome torácica aguda por exemplo.

Na prevenção, um objetivo é reduzir infecções. As recomendações atuais priorizam o uso de penicilina profilática para crianças e atualização vacinal (focando na imunização contra microrganismos encapsulados - Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae ) [4, 5]. Ainda na prevenção, a hidroxiureia tem papel relevante em reduzir crises álgicas.

Tabela 2
Indicações de transfusão na doença falciforme
Indicações de transfusão na doença falciforme

O suporte transfusional tem muitas aplicações na AF. As indicações específicas estão detalhadas na tabela 2.

O papel da hidroxiureia

A hidroxiureia (HU) é um antineoplásico capaz de aumentar a hemoglobina fetal e a contagem de hemácias. Além disso, melhora o metabolismo de óxido nítrico e a interação das hemácias com o endotélio vascular [6].

Em setembro de 2022, a Cochrane revisou estudos que avaliaram o uso da hidroxiureia na DF, buscando desfechos como: controle de crise álgica, complicações graves (síndrome torácica aguda, sequestro visceral, AVC isquêmico) e mortalidade.

Os pesquisadores encontraram benefícios como redução da frequência de crises álgicas e aumento de hemoglobina fetal.

A metanálise não encontrou diferença significativa em relação à qualidade de vida, mortalidade e efeitos adversos graves da medicação - reforçando que a qualidade da evidência para esses desfechos é baixa.

A maioria dos estudos avaliou a população homozigótica (HbSS). As evidências para pessoas com heterozigose (HbSC, HbSβ+ ou HbSβº-talassemia) são geralmente extrapoladas dos estudos com homozigóticos. O tempo de seguimento dos estudos foi de no máximo 30 meses. Existe discussão quanto à segurança da medicação no uso a longo prazo.

Doses e efeitos adversos

Recomenda-se hidroxiureia para todos os indivíduos com AF.

A dose inicial é de 15mg/kg/dia para adultos, com alvo até a maior dose tolerada ou 30-35mg/kg/dia [7].

Efeitos adversos relatados incluem hiperpigmentação cutânea/ungueal, náuseas e diarreia. Os sintomas gastrointestinais podem ser melhor tolerados com fracionamento da medicação ou tomada noturna.

O efeito mielotóxico da hidroxiureia é dose-dependente, previsível e reversível. Seu uso necessita de monitorização com hemograma, especialmente quanto aos seguintes níveis:

  • Neutrófilos: tolerar até 1500/mm³
  • Plaquetas: tolerar até 80-150mil/mm³
  • Reticulócitos: tolerar até 100.000/mm³

As evidências são conflitantes a respeito de infertilidade e teratogenicidade com o uso de hidroxiureia, tanto em homens quanto em mulheres. Muitas diretrizes recomendam métodos contraceptivos seguros ou interrupção do uso caso haja desejo de concepção.

Na doença renal crônica, sugere-se redução da dose [8].

Desmame de Ventilação Mecânica e Testes de Respiração Espontânea

Criado em: 02 de Janeiro de 2023 Autor: Kaue Malpighi

A identificação precoce do paciente capaz de respirar espontaneamente pode reduzir o tempo de ventilação mecânica. Recomenda-se o uso de testes de respiração espontânea para tentar identificar o paciente apto à extubação. Em novembro de 2022, foi publicado um artigo no New England Journal of Medicine (NEJM) comparando as duas estratégias, e aproveitamos para revisar sobre o assunto [1].

Como identificar o paciente apto para o teste de respiração espontânea?

Todo paciente intubado por mais de 24 horas deve ser avaliado diariamente para o desmame ventilatório.

Antes de considerar o desmame, o paciente deve preencher alguns critérios:

  • Melhora da causa que levou à intubação
  • Presença de drive respiratório - capacidade de iniciar esforço respiratório por conta própria
  • Oxigenação adequada - uma definição válida seria a capacidade de manter um relação PaO2/FiO2 ≥ 150 mmHg com FiO2 ≤40% com PEEP ≤ 5 cmH2O. Essa definição pode mudar em pacientes com hipoxemia crônica.
  • pH arterial > 7,25 ou próximo do basal em casos de distúrbios crônicos
  • Estabilidade hemodinâmica - o uso de drogas vasoativas para manter estabilidade é aceito, mas doses de noradrenalina > 0,1 mcg/kg/min podem estar associados a aumento no risco de reintubação [2]

Rebaixamento do nível de consciência isoladamente não é critério para evitar o desmame ventilatório. Desde que o paciente seja capaz de proteger a via aérea, uma escala de Glasgow entre 8 e 15 e RASS entre +1 e -2 não parecem alterar o risco de falha de extubação.

Muitos estudos mostram superioridade dos testes de respiração espontânea quando comparados a outros meios de desmame (ex.: redução gradual dos parâmetros ventilatórios, ventilação mandatória intermitente sincronizada - SIMV), reduzindo o tempo para extubação [3-5].

Em pacientes que a aptidão para o desmame continua incerta, o índice de respiração rápida superficial (IRRS ou índice de Tobin) pode ajudar. Esse índice é calculado sem suporte ventilatório com um espirômetro acoplado ao tubo endotraqueal. O espirômetro permite calcular o volume corrente (VC), sendo que o IRRS é a relação da frequência respiratória (FR) com o VC (IRRS = FR/VC).

Um IRRS ≥ 105 respirações/min/L indica pacientes com maior probabilidade de falha do desmame.

Tabela 1
Situações que podem alterar o índice de respiração rápida superficial (IRRS)
Situações que podem alterar o índice de respiração rápida superficial (IRRS)

O IRRS não deve ser usado rotineiramente, pois aumenta o tempo de ventilação mecânica em pacientes que não possuem alto risco para falha de extubação [6]. Situações que podem alterar o resultado estão na tabela 1.

Como fazer o teste de respiração espontânea?

Em pacientes aptos ao desmame, realiza-se testes para predizer a capacidade de manter a respiração espontânea após a extubação. Pacientes que não apresentam critérios de falha no teste de respiração espontânea podem ser considerados para extubação.

Os métodos mais utilizados no teste de respiração espontânea são o suporte ventilatório com parâmetros baixos e o tubo T:

  • O suporte ventilatório é feito comumente no modo PSV com parâmetros baixos (pressão de suporte 5 - 8 cmH2O, PEEP de 0-5 cmH2O e FiO2 < 40%).
  • O teste com tubo T consiste em retirar o paciente do suporte ventilatório e acoplar a uma peça em T com uma das vias conectada no suporte de oxigênio e outra via aberta ao ar ambiente.

Algumas evidências sugerem superioridade do uso do suporte ventilatório em PSV quando comparado ao tubo T. Um dos maiores estudos randomizados comparou PSV por 30 minutos (com pressão de suporte de 8 cmH2O) com tubo T por 2 horas [7]. Os pesquisadores encontraram maior taxa de extubação bem sucedida em 72 horas com PSV, sem aumento do risco de reintubação. Mais pacientes no grupo PSV utilizaram ventilação não-invasiva após extubação, o que pode ter interferido no sucesso dos pacientes em PSV. Além disso, taxas de reintubação foram mais baixas do que o habitual, possivelmente por ser uma população de baixo risco de falha, o que limita a generalização dos resultados.

Um outro trabalho recente não evidenciou benefício da PSV no sucesso de extubação, mas o grupo PSV teve um desmame mais rápido [8].

Estes trabalhos não avaliaram adequadamente pacientes de alto risco de falha de extubação.

O que esse estudo mostrou?

O estudo que motivou este tópico foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico em hospitais franceses e não cego. Os pesquisadores compararam o teste de respiração espontânea com PSV (pressão de suporte 8 cmH2O, FiO2 ≤ 40% e PEEP de 0) e com tubo T por uma hora em pacientes de alto risco de falha de extubação. O desfecho primário avaliado foi tempo livre de ventilação mecânica em 28 dias.

Foram incluídos 969 pacientes adultos com mais de 24 horas de intubação e com algum critério de alto risco de falha de extubação:

  • Mais que 65 anos ou
  • Qualquer doença cardiovascular (fração de ejeção ≤ 45%, edema pulmonar prévio, cardiopatia isquêmica ou fibrilação atrial) ou
  • Qualquer doença pulmonar (DPOC, síndromes de hipoventilação ou doença pulmonar restritiva).

O número de dias livres de ventilação mecânica em 28 dias não diferiu entre os grupos. O risco de reintubação em 7 dias também foi semelhante.

A taxa de falha de extubação foi de 13 a 15%, considerada baixa quando comparada a taxas de falha em pacientes de alto risco na literatura (25 - 30%). Isso pode ter ocorrido pelo alto uso de ventilação não-invasiva ou cateter de alto fluxo após a extubação (78% e 40%, respectivamente). Em locais em que estes dispositivos não estão disponíveis, torna-se difícil avaliar a equivalência dos protocolos.

Este estudo não acrescenta benefício ao uso da PSV como indicado em estudos prévios. Contudo, a PSV associa-se à capacidade de monitorização e ajustes de alarmes durante o teste de respiração espontânea, o que pode ser vantajoso principalmente em pacientes de alto risco ou em serviços onde a relação profissional-paciente é inadequada.