Clortalidona versus Hidroclorotiazida para Prevenção de Eventos Cardiovasculares

Criado em: 09 de Janeiro de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Existe uma briga entre os tiazídicos: entre clortalidona e hidroclorotiazida, qual mais protege de eventos cardiovasculares? Qual causa mais distúrbio eletrolítico? O New England Journal of Medicine (NEJM) publicou um estudo em dezembro de 2022 para responder essas questões [1].

Sobre os tiazídicos

Clortalidona e hidroclorotiazida são os principais diuréticos tiazídicos. Apenas a hidroclorotiazida é um tiazídico verdadeiro. A clortalidona é considerada um "tiazídico-like'' por ser um derivado da sulfonamida que simula a ação dos tiazídicos. A meia vida dessas drogas é diferente, como visto na tabela 1.

Tabela 1
Tiazídicos - doses e meia-vida
Tiazídicos - doses e meia-vida

Os tiazídicos são uma das primeiras escolhas no tratamento de hipertensão arterial (HAS), muito devido ao trabalho ALLHAT, que encontrou benefício em eventos cardiovasculares com essa droga [2]. Tiazídicos também podem ser utilizados na prevenção de cálculos renais formados por cálcio.

Alguns trabalhos anteriores relacionaram a clortalidona a um maior controle pressórico. Uma das possíveis explicações é a maior meia vida da clortalidona, quando comparada com a hidroclorotiazida. Devido a esses achados, o estudo SPRINT, um dos maiores sobre HAS, preferiu a clortalidona como o tiazídico de escolha [3].

Ao mesmo tempo, alguns trabalhos observacionais indicam maior taxa de distúrbios eletrolíticos em quem utilizava a clortalidona. Foi nesse contexto de dúvidas de benefícios e malefícios que o trabalho que motivou esse tópico foi feito.

O que o trabalho encontrou?

O estudo selecionou 13.523 pacientes com 65 anos ou mais que estavam utilizando hidroclorotiazida. Os pacientes foram randomizados para continuar com a hidroclorotiazida na dose que usavam (25mg ou 50mg) ou trocar para clortalidona na dose (12,5mg ou 25mg, respectivamente). A média de anti-hipertensivos em uso era 2,6 medicamentos e 94% dos pacientes randomizados estavam utilizando a dose de 25mg de hidroclorotiazida.

O desfecho primário foi um composto de síndrome coronariana aguda, acidente vascular cerebral, internação por insuficiência cardíaca e morte não relacionada à neoplasia.

Com uma média de seguimento de 2,4 anos, o estudo não encontrou diferença do desfecho primário entre os dois grupos. A única diferença encontrada foi uma incidência maior de hipocalemia no grupo clortalidona, porém sem repercussões clínicas.

Um dos problemas do estudo está no seu desenho. Como todos os pacientes utilizavam hidroclorotiazida antes da randomização, aqueles que foram randomizados para clortalidona tendiam a atribuir qualquer novo evento adverso à nova medicação. Isso contribuiu para uma maior troca de clortalidona para hidroclorotiazida (15,4% do grupo clortalidona trocou para hidroclorotiazida versus 3,8% do grupo hidroclorotiazida trocou para clortalidona).

Quem não pode utilizar tiazídicos?

É necessário atenção a distúrbios eletrolíticos. Os tiazídicos estão relacionados a hipocalemia (como visto no estudo) e hiponatremia. Pode ser necessário trocar de classe de anti-hipertensivo em casos mais graves desses distúrbios. Hiperglicemia e hiperuricemia também estão relacionados a essa classe.

Tiazídicos podem causar hipercalcemia. Muitos pacientes que desenvolvem hipercalcemia após introdução de tiazídicos possuem hiperparatireoidismo primário que foi desmascarado pela droga [4]. Se a hipercalcemia ocorrer, a droga deve ser suspensa e os níveis de cálcio e PTH reavaliados após três meses.

Na doença renal crônica avançada, acreditava-se que os tiazídicos não funcionavam ou causavam lesão renal. Esse receio foi abordado no estudo CLICK [5]. O trabalho encontrou que a clortalidona é efetiva em quem tem doença renal crônica estágio 4 (taxa de filtração entre 30 a 15 ml/min). Contudo, a medicação pode ocasionar uma piora da função renal, principalmente quando utilizada em conjunto com diurético de alça. Essa piora tende a reverter em 12 semanas após a introdução da droga. Acredita-se que essa oscilação da função renal pode estar relacionada a um melhor controle pressórico inicial, alterando a regulação hemodinâmica renal.

Existe um receio de alergia à clortalidona por ser um derivado da sulfonamida, mas o risco parece ser baixo.

Vasopressores e Corticoide no Choque Séptico

Criado em: 09 de Janeiro de 2023 Autor: Kaue Malpighi

Choque séptico é a principal causa de morte nas UTIs do Brasil. Apesar da crescente conscientização e de diretrizes recentes como a do Surviving Sepsis Campaign (SSC) de 2021, há incerteza na literatura sobre quando iniciar vasopressores e corticoides [1]. Em maio de 2022, foi publicada uma revisão sobre este assunto no Annals of Critical Care e aproveitamos para trazer os principais pontos [2].

Quando iniciar o vasopressor no choque séptico?

Há mais de uma definição de choque séptico na literatura. O Sepsis-3 define choque séptico como sepse que, apesar de ressuscitação volêmica adequada, mantém a necessidade de vasopressor para manter pressão arterial média (PAM) ≥ 65 mmHg e lactato sérico maior que 2 mmol/L (18 mg/dL) [3].

A necessidade de ressuscitação volêmica para definir choque séptico levanta dois questionamentos:

  • A resposta de cada paciente à ressuscitação volêmica é variável. Além disso, o efeito da ressuscitação inicial parece se dissipar após 30 a 60 minutos, limitando seu benefício [4]
  • Atraso no diagnóstico e manejo do choque séptico, postergando o uso de outras terapias potencialmente benéficas como os vasopressores

O SSC de 2021 recomenda a noradrenalina como droga de primeira linha em pacientes com choque séptico. A diretriz não apresenta recomendações sobre o momento de iniciar o vasopressor.

Hipotensão em pacientes com choque séptico associa-se à mortalidade. O uso precoce de vasopressores no choque séptico, principalmente nas primeiras seis horas, pode estar associado à menor tempo para resolução do choque e potencialmente redução de mortalidade [5, 6].

Em 2019, o estudo CENSER avaliou o início precoce de noradrenalina (1,5h) versus tardio (3h) em pacientes com choque séptico [7]. Os pesquisadores encontraram um benefício no controle do choque em 6 horas, sem efeito sobre mortalidade. Pacientes do grupo precoce também apresentaram menores taxas de edema pulmonar e arritmias.

Assim, parece adequado iniciar noradrenalina de forma precoce, idealmente em menos de uma hora, em pacientes com sepse e sinais de hipoperfusão tecidual e hipotensão, mesmo durante a ressuscitação endovenosa com cristalóides.

Quando iniciar o segundo vasopressor?

O segundo vasopressor frequentemente é introduzido após a identificação de choque séptico refratário. A definição de choque séptico refratário é variável na literatura, mas uma definição comum é um choque que não responde a uma dose de 0,5 mcg/kg/min de noradrenalina ou equivalente [8].

O SSC de 2021 recomenda iniciar vasopressina para pacientes com resposta inadequada a noradrenalina na faixa de dose de 0,25 a 0,5 mcg/kg/min.

Uma revisão sistemática de dez estudos encontrou um benefício de mortalidade da associação de vasopressina e noradrenalina quando comparada à norepinefrina em doses altas em monoterapia. Porém, o limiar para se associar a vasopressina não é consensual entre os estudos avaliados.

O estudo VASST, que comparou a associação de vasopressina e noradrenalina versus noradrenalina em monoterapia, encontrou um benefício da associação na sobrevida do subgrupo de pacientes com choque menos grave (uso de dose de noradrenalina de até 15 mcg/min) [9]. Estudos retrospectivos acrescentam ao possível benefício do início precoce da vasopressina, podendo-se considerar a sua introdução quando a noradrenalina alcança doses de 10 a 15 mcg/min (o que corresponde a 0,1 a 0,2 mcg/kg/min em um paciente de 80kg) [10, 11].

Quando iniciar corticoides?

O SSC de 2021 sugere iniciar o corticóide quando a necessidade de droga vasoativa dura pelo menos 4 horas e a dose de noradrenalina é de pelo menos 0,25 mcg/kg/min. A diretriz recomenda hidrocortisona na dose de 200mg/dia (50 mg de 6 em 6 horas ou infusão contínua em 24 horas).

Dois estudos randomizados, CORTICUS e ADRENAL, compararam hidrocortisona contra placebo [12, 13]. Ambos não encontraram diferença no desfecho primário de mortalidade. Como desfecho secundário, os dois estudos encontraram uma redução do tempo para resolução de choque.

Outros dois estudos, de Annane et al. e o estudo APROCCHS, viram um benefício de mortalidade na associação de hidrocortisona com fludrocortisona [14, 15]. Os pacientes destes trabalhos apresentavam maior gravidade e necessidade de doses maiores de vasopressores quando comparados aos outros dois estudos.

Os critérios de inclusão destes estudos variaram em relação à dose e tempo de vasopressores que disparavam o início do corticoide. Isso gera incerteza de qual é o melhor momento para início dos corticoides. A maioria dos trabalhos iniciou o corticoide com doses de 0,5-1 mcg/kg/min de noradrenalina. Em média, o tempo para início de corticoide variou de 8 a 72 horas a partir do diagnóstico do choque. Uma coorte avaliou a associação de tempo de início do corticóide com mortalidade em UTI, com a menor mortalidade sendo vista quando o corticoide foi introduzido em até 12 horas do início do choque [16].

Diagnóstico de Pneumocistose

Criado em: 09 de Janeiro de 2023 Autor: Frederico Amorim Marcelino

Em novembro de 2022 foi publicada no Journal of Fungi uma revisão sobre o diagnóstico de pneumonia por Pneumocystis (PCP) [1]. Aproveitamos a publicação para revisar esse tema.

Quais são os fatores de risco?

A pneumonia por Pneumocystis (PCP) é uma infecção pelo fungo Pneumocystis jiroveci (antigamente carini). Ela acontece quase exclusivamente em pacientes com algum grau de imunossupressão. Os fatores de risco podem ser divididos em dois grandes grupos: pacientes vivendo com HIV e pacientes com outra imunossupressão.

A infecção pelo HIV é um grande fator de risco para PCP, sendo esta a primeira infecção definidora de AIDS pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC). Dentre os pacientes com HIV, o risco é maior quando o CD4 está menor que 200 células/mm³ [2]. Em um estudo observacional com 145 pacientes com HIV e PCP, 95% tinha CD4 < 200 células/mm³ e 79% CD4 < 100 células/mm³ [3]. Outros fatores de risco independentes do valor de CD4 são carga viral> 7000 cópias/ml e presença de candidíase oral [4]. A PCP pode ocorrer em pacientes em uso de profilaxia para Pneumocystis e naqueles com CD4 > 200 células/mm³, especialmente nos sem tratamento para HIV [5].

Em pacientes que não têm HIV os principais fatores de risco são: transplante de medula óssea, transplante de órgãos sólidos, neoplasia hematológica, neoplasia sólida em tratamento imunossupressor, doença reumatológica em imunossupressão e imunodeficiências primárias [6-8]. O corticoide é um dos principais imunossupressores associados com PCP, especialmente em doses maiores que 30 mg/dia, mas pode ocorrer mesmo em doses mais baixas (15 a 30 mg/dia) [9]. A mediana de tempo de uso de corticoide em um dos estudos foi de 12 semanas.

Quadro clínico

Uma evolução gradual de tosse seca, febre e dispneia com hipoxemia é o quadro típico de PCP em pessoas com HIV. O paciente se apresenta, em média, com 3 semanas de sintomas [10]. Em pacientes sem HIV a apresentação pode ser mais aguda, de forma fulminante. Hipoxemia é um achado comum nesses pacientes podendo ser ao repouso ou ao exercício [11].

Não existe achado radiográfico patognomônico de PCP. O achado clássico é de infiltrado intersticial bilateral em radiografia de tórax. No início do quadro a radiografia de tórax pode ser normal [12].

A tomografia de tórax é mais sensível e o achado principal é de infiltrado em vidro fosco bilateral com predomínio central [13, 14]. Outros achados mais raros são: bolhas, cistos, nódulos e acometimento preferencial do lobo superior direito. A cavitação é rara e pode indicar outra doença concomitante. Uma tomografia normal torna o diagnóstico de PCP muito improvável.

Como diagnosticar?

O Pneumocystis não cresce em cultura por métodos convencionais.

O exame diagnóstico de escolha é a identificação do Pneumocystis por imunofluorescência direta em escarro induzido, lavado broncoalveolar (LBA) ou amostras de tecido de biópsia. A sensibilidade do teste com amostra de escarro induzido é de 55% e a especificidade de 98,7% [15]. Já com o LBA a sensibilidade é de 90-97% e a especificidade de 94-99,6% [16, 17]. Assim, o escarro induzido é uma alternativa viável a depender das condições do paciente e dos recursos de cada serviço. Além da imunofluorescência direta existem outros métodos menos sensíveis para identificação do Pneumocystis como a metenamina de prata de Grocott-Gomori e branco de Calcofluor (veja tabela 1).

Tabela 1
Exames usados para diagnóstico de pneumocistose
Exames usados para diagnóstico de pneumocistose

Outro método possível de identificação é por amplificação via reação em cadeia de polimerase (PCR). Esse método molecular se mostrou mais sensível que a imunofluorescência direta em amostras de escarro induzido e semelhante em amostras de LBA [18-20]. Contudo, o PCR não consegue diferenciar colonização de infecção favorecendo falsos-positivos.

Métodos de identificação sorológicos com IgM e IgG são pouco disponíveis e até o momento não têm papel no diagnóstico [21].

Mesmo após o início do tratamento é possível encontrar microrganismos residuais em secreção brônquica. Até 88% dos pacientes apresentam cistos residuais do fungo nas secreções após 2 semanas de início do tratamento [22].

Papel do lactato desidrogenase (LDH) e da 1,3-beta-D-glucana (BDG)

O LDH aumenta em pacientes com PCP. Porém pode aumentar em outras doenças pulmonares como pneumonia bacteriana e tuberculose disseminada, sendo pouco específico [23]. Em pacientes com neoplasia o LDH pode estar aumentado pela própria doença de base.

Fluxograma 1
Sugestão de investigação de pneumocistose
Sugestão de investigação de pneumocistose

A 1,3-beta-D-glucana (BDG) é um componente da parede dos fungos e está geralmente aumentada em pacientes com PCP. Esse exame já foi comentado no tópico "Biomarcadores de infecções fúngicas". A BDG possui sensibilidade de 91% e pode auxiliar a descartar a doença em alguns cenários. Infelizmente é pouco disponível no Brasil. O trabalho em questão apresenta uma proposta de algoritmo utilizando BDG (fluxograma 1).