Diretriz de AVC Hemorrágico de 2022

Criado em: 16 de Janeiro de 2023 Autor: João Urbano

A American Stroke Association lançou em maio de 2022 as novas diretrizes de manejo do acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCh) espontâneo. A diretriz organiza pontos consolidados e traz recomendações baseadas em resultados de estudos recentes [1]. Confira os tópicos abaixo.

Estratégias de diagnóstico

O atendimento do paciente com déficit focal deve ser sistematizado. Atendimento em sala de emergência, monitorização, avaliação de glicemia capilar, exame neurológico sumário e padronizado - utilizando também a escala de National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS).

Não se deve inferir que há sangramento intracraniano sem confirmação por imagem. É sempre necessário um exame de imagem - tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM).

A imagem no momento do diagnóstico também auxilia a identificar sinais de risco de expansão do hematoma. O spot sign, visto na angiotomografia intracraniana em fase arterial, significa sangramento ativo no momento do exame e aumenta a chance de expansão [2]. O recém descrito “sinal da ilha”, visto na TC sem contraste como irregularidade das bordas e heterogeneidade de densidades do hematoma, é o achado principal que se relaciona com expansão do sangramento [3]. Esses achados motivam maior vigilância neurológica e estabelecimento precoce de prognóstico.

Figura 1
Sinais radiológicos associados à maior risco para expansão de hematoma intracraniano
Sinais radiológicos associados à maior risco para expansão de hematoma intracraniano

A TC de crânio deve ser repetida 24 horas após o evento.

Controle pressórico

A pressão arterial (PA) elevada é associada diretamente à expansão do hematoma, deterioração neurológica e morte.

O alvo de PA sistólica é de 130 a 150 mmHg. Esse valor deve ser atingido nas primeiras 2 horas para melhores desfechos. As evidências mostram segurança na redução rápida da PA (nas primeiras 2 horas) com diminuição da expansão do hematoma e melhores desfechos funcionais em 90 dias.

Em pacientes com grandes hematomas ou necessidade de monitorização da pressão intracraniana, o benefício de controle pressórico é incerto. A redução da PA pode levar à diminuição da pressão de perfusão cerebral, causando danos cerebrais secundários.

Investigação etiológica

Fluxograma 1
Etiologia e investigação de AVC hemorrágico
Etiologia e investigação de AVC hemorrágico

As principais etiologias do AVCh são microvasculares, com destaque para:

  • Arteriosclerose/lipohialinose: associada à hipertensão arterial sistêmica, causando sangramentos em localizações típicas (putâmen/tálamo, cerebelo e ponte)
  • Angiopatia amilóide cerebral: típica de pacientes com idade avançada, causa hemorragias lobares de localização mais superficial.
Tabela 1
Quando solicitar angiografia cerebral no AVC hemorrágico
Quando solicitar angiografia cerebral no AVC hemorrágico

Há também causas macrovasculares. Entre elas, as malformações arteriovenosas. O padrão ouro para o diagnóstico dessa condição é a angiografia cerebral. O fluxograma 1 e a tabela 1 organizam as indicações desse exame.

Hemorragia associada a anticoagulantes e antiplaquetários

Todo paciente em uso de anticoagulantes (antagonistas de vitamina K ou anticoagulantes orais diretos) com sangramento intracraniano espontâneo deve ter sua anticoagulação suspensa e revertida rapidamente. O alvo é um INR menor que 1,3 para pacientes em uso de varfarina. A reversão deve ser realizada preferencialmente com complexo protrombínico de 4 fatores associado à vitamina K. Para pacientes em uso de antiplaquetário, a transfusão de plaquetas não deve ser realizada.

Abordagem cirúrgica

Outra mudança trazida pela diretriz. Após publicação do trial MISTIE-III houve recomendação de evacuação de hematomas supratentoriais maiores que 20 a 30 ml com escala de coma de Glasgow entre 5-12 para melhora de desfecho funcional [4]. A ressalva é que a técnica cirúrgica minimamente invasiva ou endoscópica utilizada para drenagem no estudo é pouco disponível e não permite utilização desses dados para serviços que dispõem apenas de técnicas tradicionais de craniotomia.

Para os sangramentos de fossa posterior de 15 ml ou mais ou com deterioração neurológica, permanece o forte grau de recomendação de craniotomia para evacuação do hematoma.

O manejo cirúrgico de sangramentos intraventriculares deve ser realizado principalmente com derivação ventricular externa. A melhor indicação é nos sangramentos intraventriculares com hidrocefalia obstrutiva, com a possibilidade de redução da mortalidade.

Assim, deve-se solicitar avaliação neurocirúrgica diante de sangramentos de grande volume, sangramentos em fossa posterior ou intraventriculares ou piora do nível de consciência.

Avaliação de Dor Torácica Estável com Angiotomografia

Criado em: 16 de Janeiro de 2023 Autor: Joanne Alves Moreira

Em abril de 2022, o New England Journal of Medicine publicou o trabalho DISCHARGE comparando o uso de angiotomografia de coronárias com cineangiocoronariografia para avaliação de dor torácica estável [1]. Vamos ver o que essa nova evidência acrescenta.

Estratégias de diagnóstico

A diretriz da ESC organiza a avaliação de dor torácica em 6 etapas [2]:

  • Avaliação da dor torácica e investigação inicial
  • Presença de comorbidades
  • Avaliação complementar (bioquímica, eletrocardiograma, radiografia de tórax, ecocardiograma)
  • Avaliação da probabilidade pré teste para doença arterial coronariana (DAC)
  • Escolha do teste adequado
  • Terapia apropriada

Estimar a probabilidade pré teste de DAC é fundamental para a escolha do teste diagnóstico. Os testes diagnósticos são mais úteis quando a probabilidade é intermediária a alta. A diretriz americana define a probabilidade pré teste intermediária a alta como > 15% quando utiliza apenas sexo, idade e sintomas para essa avaliação [3].

Tabela 1
Probabilidade pré-teste de doença coronariana obstrutiva
Probabilidade pré-teste de doença coronariana obstrutiva

A performance dos métodos diagnósticos depende da prevalência de DAC na população assim como apresentação clínica do paciente. Um modelo simples para avaliar probabilidade pré teste é o modelo de Juarez-Orozco (tabela 1). Outro modelo disponível é a calculadora CAD consortium.

Cada teste diagnóstico não invasivo tem um poder para confirmar ou excluir DAC. Considerando a probabilidade clínica pré teste de DAC e o desempenho de um determinado exame, pode-se avaliar a probabilidade pós-teste de DAC, reclassificando a probabilidade do paciente.

Você pode ouvir mais sobre o tema no Episódio 136: Dor Torácica no Ambulatório.

Uso da angiotomografia de coronárias

Em pacientes com suspeita clínica intermediária para DAC, recomenda-se um teste diagnóstico não invasivo para estabelecer esse diagnóstico. A angiotomografia de coronárias (angioTC) pode ser uma alternativa à cineangiocoronariografia (CATE) quando o teste não invasivo for duvidoso ou não diagnóstico.

A angioTC é o teste preferido em pacientes com baixa probabilidade clínica de DAC, sem diagnóstico prévio de isquemia e com características associadas a boa qualidade de imagem. O exame detecta aterosclerose coronariana subclínica, mas também pode descartar com precisão DAC funcional significativa. Tem maior precisão quando populações de baixa probabilidade clínica são submetidas ao exame. Os estudos avaliando os resultados após angioTC incluíram, em sua maioria, pacientes com uma probabilidade clínica pré teste baixa [4, 5].

Deve-se evitar a angioTC quando há calcificação coronariana extensa, frequência cardíaca irregular, obesidade, incapacidade do paciente em cooperar com comandos durante o exame ou qualquer outra condição que prejudique a obtenção de boa qualidade de imagem.

A avaliação do escore de cálcio coronariano é diferente da angioTC de coronárias para avaliar dor torácica. O escore de cálcio não exclui DAC e é um preditor fraco para obstrução, já que a obstrução pode ser causada por placas não calcificadas. O escore de cálcio é utilizado na avaliação de risco cardiovascular de pacientes assintomáticos.

Uso da cineangiocoronariografia

O CATE é o padrão ouro para o diagnóstico de DAC e permite a revascularização coronária durante o mesmo procedimento [6].

Em um paciente com uma alta probabilidade clínica de DAC com sintomas que não respondem à terapia farmacológica ou com angina típica aos pequenos esforços, o CATE precoce é uma opção para identificar lesões potencialmente suscetíveis de revascularização. A angioTC, além de descartar DAC em alguns pacientes, auxilia a identificar os pacientes que são candidatos adequados para revascularização coronariana [7].

Apesar de serem raras, o CATE eletivo está associado a importantes complicações relacionadas ao procedimento como dissecção coronariana, tamponamento cardíaco, taquiarritmias e parada cardiorespiratória.

A eficácia comparativa da angioTC e do CATE no manejo de DAC para reduzir a frequência de grandes eventos cardiovasculares adversos é incerta.

O que o trabalho acrescenta?

O DISCHARGE é um trabalho multicêntrico, pragmático e randomizado com 3.561 pacientes. O estudo comparou angioTC e CATE como estratégias iniciais de diagnóstico de pacientes com dor torácica estável com probabilidade pré teste intermediária para DAC. Os critérios de exclusão eram hemodiálise, ausência de ritmo sinusal e gravidez.

Nos dois grupos, os pacientes sem DAC receberam alta e foram encaminhados para o médico assistente. Os pacientes com DAC eram tratados de acordo com as diretrizes vigentes.

O desfecho primário do estudo era avaliar prevenção de eventos adversos cardiovasculares maiores (morte por causa cardiovascular, infarto agudo do miocárdio não fatal e AVC não fatal) no seguimento médio de 3,5 anos.

Os desfechos secundários eram necessidade de revascularização ou complicações maiores relacionadas aos procedimentos que ocorreram em até 48 horas após angioTC ou CATE.

O desfecho primário ocorreu em 2.1% dos pacientes do grupo angioTC e em 3% dos pacientes do grupo CATE (hazard ratio 0.70; IC 95% 0.46-1.07; p = 0.10). A porcentagem de pacientes que identificaram DAC foi igual nos dois grupos (25.7%).

Quanto aos desfechos secundários, complicações maiores relacionadas aos procedimentos foram menos comuns no grupo angioTC do que no grupo CATE (hazard ratio 0,26; IC 95% CI 0,13-0,55). O risco de complicação foi quatro vezes maior entre os pacientes que foram submetidos à revascularização do que entre os que não foram submetidos (4,2% versus 0,9%).

O estudo não encontrou diferenças em ocorrência de eventos adversos cardiovasculares maiores. A incidência de eventos foi abaixo da esperada, possivelmente por melhorias nos métodos usados para o CATE e nos cuidados cardiovasculares.

Esse trabalho confirma a segurança de utilizar a angioTC de coronárias na investigação de dor torácica estável com probabilidade pré-teste intermediária para DAC.

Metenamina para Prevenção de Infecção Urinária

Criado em: 16 de Janeiro de 2023 Autor: Raphael Coelho

Faltam alternativas para profilaxia de infecção urinária de repetição, além do uso de antibióticos. O British Medical Journal (BMJ) publicou o estudo ALTAR que testou metenamina, um antiséptico das vias urinárias, com resultados que devem ser incorporados em futuras diretrizes [1]. Vamos rever as evidências sobre o tema.

O que é infecção urinária de repetição (ITUr) não complicada e por que é um problema?

A definição de ITUr é 2 ou mais episódios em 6 meses ou 3 episódios em um ano. Deve haver resolução completa dos sintomas entre os episódios para diferenciar recaída e de nova infecção. Recaída é a piora da infecção inicial e deve ser considerada quando o intervalo entre os sintomas é menor do que 2 semanas após o término do antibiótico [2].

Em torno de 30% das mulheres jovens que têm cistite aguda apresentam novo episódio dentro dos 6 meses seguintes [3]. Os principais fatores de risco para recorrência são: comportamento sexual (especialmente a frequência de coitos), uso de espermicida, história familiar materna, incontinência urinária e prolapso de bexiga. Há controvérsia se existe associação com outros fatores como urinar após o coito, padrões de limpeza genital e anal, ducha e roupas íntimas específicas [4, 5].

Pacientes com suspeita de infecção urinária alta não estão contemplados nesta revisão, assim como pacientes com anormalidades funcionais ou anatômicas do trato urinário e imunossupressão [2].

A Sociedade Americana de Urologia exige a confirmação de ITUr com urocultura [2]. Outras instituições sugerem que a análise da urina ou cultura devem ser solicitadas apenas se os sintomas não forem típicos. Sintomas clássicos de cistite tem boa acurácia, havendo custo-efetividade adequada para o manejo, mesmo sem a confirmação por exame de urina [6].

Manejo da cistite aguda de repetição não complicada

O exame ginecológico para avaliação de atrofia vaginal e prolapso é indicado.

Exames complementares como cistoscopia, ultrassonografia ou tomografia têm baixo rendimento e devem ser considerados na suspeita de neoplasia urotelial (cultura de urina persistentemente positiva com bactéria não E. coli ou hematúria que persiste após tratamento com antibiótico).Também podem ser solicitados quando houver pielonefrite recorrente ou suspeita de nefrolitíase.

Tabela 1
Recomendações para profilaxia de infecções urinárias de repetição (ITUr)
Recomendações para profilaxia de infecções urinárias de repetição (ITUr)

As medidas para profilaxia contra ITUr em mulheres estão na tabela 1. As melhores evidências de eficácia são o uso profilático de antibióticos e a reposição vaginal de estrogênio. Algumas medidas têm benefícios incertos, mas são recomendadas por tentarem modificar fatores de risco, sem levar a efeitos adversos importantes. Estratégias que não envolvam o uso de antibiótico são importantes para evitar aumento da resistência bacteriana e efeitos adversos dos antibióticos.

Metenamina para prevenção de ITUr

A Metenamina é uma substância que é filtrada pelos rins e hidrolisada em formaldeído, que é bactericida. Uma revisão da Cochrane de 2012 considerava que parecia ser eficaz, mas afirmava ser necessário um ensaio clínico randomizado grande e bem conduzido para melhorar a qualidade da evidência [7]. Nesse cenário se encaixa o ALTAR.

O ALTAR foi um estudo de não inferioridade, aberto, multicêntrico, randomizado, pragmático, feito no Reino Unido de 2016 a 2018. Foram incluídas 240 mulheres adultas com ITUr com idade média de 50 anos, sendo 40% pré-menopausa. Foram excluídos pacientes com anormalidades do trato urinário e disfunção neurogênica do trato urinário baixo.

Após um ano da intervenção, o uso de metenamina 1 grama 2 vezes ao dia atingiu o critério de não inferioridade aos antibióticos (nitrofurantoína, trimetoprim ou cefalexina) em relação ao desfecho primário que foi incidência de ITU sintomática.

Apesar de ter atingido a não-inferioridade, pacientes que utilizaram metenamina tiveram maior incidência de ITU (0.49 episódios/ano a mais). Essa diferença absoluta foi pequena e sem grandes consequências clínicas, mas houve quatro pacientes internados por ITU, todos do grupo metenamina. A taxa de eventos adversos foi semelhante entre grupos.

A resistência microbiana foi maior no grupo que utilizou antibióticos durante o período de intervenção. Essa diferença se inverteu nos 6 meses de acompanhamento após intervenção, sendo maior no grupo metenamina.

Uma das limitações do estudo foi o alto crossover entre grupos, o que diminui a confiança no resultado. Além disso, o início do tratamento não exigiu confirmação por cultura, o que pode gerar viés já que o estudo não foi cego. Por outro lado, esse trabalho foi pragmático, ou seja, semelhante ao que se observa no dia a dia, quando a maior parte das ITU são tratadas antes da confirmação por cultura.

Em troca de uma incidência um pouco maior de ITUs, o tratamento evita o consumo diário de antibióticos. Os dados desse trabalho permitem considerar a metenamina como uma das estratégias, em uma tomada de decisão conjunta entre médico e paciente.

Há registro no site da NICE de que a nova diretriz de 2023 irá incorporar essas novas evidências sobre metenamina [8].

A metenamina está disponível no Brasil, mas as apresentações são em doses menores do que as estudadas.