Eventos Adversos Durante Internações Hospitalares

Criado em: 23 de Janeiro de 2023 Autor: João Mendes Vasconcelos

Segurança do paciente é um tema central na qualidade da assistência hospitalar. Em janeiro de 2023, o New England Journal of Medicine (NEJM) publicou o estudo SafeCare avaliando eventos adversos em internações hospitalares [1]. Vamos ver os achados e revisar o tema.

O que já sabíamos?

Um dos principais estudos de eventos adversos de internações é o Harvard Medical Practice Study (HMPS) [2, 3]. Avaliando mais de 30 mil registros de internações no estado de Nova York em 1984, os pesquisadores encontraram uma incidência de 3,7% de eventos adversos. Aproximadamente um quarto dos eventos ocorreu por negligência e 13% levaram ao óbito. Pacientes mais idosos tinham maior incidência desses eventos.

Várias iniciativas foram criadas para minimizar essas ocorrências. O projeto Keystone , com intervenções para reduzir infecções relacionadas a cateteres, e os checklists de cirurgia segura são exemplos [4, 5].

Alguns marcos foram conquistados, como a redução de certas infecções hospitalares. Por outro lado, muita coisa mudou desde o HMPS e não sabemos ao certo o quanto avançamos na prevenção de eventos adversos dentro do hospital.

O que o estudo procurou?

O estudo SafeCare foi uma coorte retrospectiva que avaliou a incidência de eventos adversos em 11 hospitais de Massachusetts. Utilizando uma amostra aleatória de 2800 admissões do ano de 2018, enfermeiros revisaram os prontuários em busca de possíveis eventos adversos e em seguida médicos validaram os achados.

Os eventos adversos eram divididos nas seguintes categorias:

  • Reação a transfusão
  • Infecção associada aos cuidados de saúde
  • Evento adversos por medicamentos
  • Evento associado a gravidez e período perinatal
  • Evento relacionado a cirurgia ou outro procedimento
  • Evento relacionado ao cuidado (que eram eventos relacionados aos cuidados de enfermagem, como quedas e úlceras por pressão)

Resultados do estudo

Pelo menos um evento adverso foi encontrado em 23,6% das 2800 admissões.

Um evento adverso prevenível ocorreu em 6,8% das admissões e um evento adverso prevenível grave em 1% das admissões. Ocorreram 7 óbitos, um dos quais foi julgado como prevenível.

Eventos adversos por medicamentos foram os mais comuns, respondendo por 39% de todos os eventos. Em seguida vieram os eventos relacionados a cirurgias (30%), eventos relacionados ao cuidado (15%) e infecções associadas aos cuidados de saúde (12%).

Entre os eventos adversos por medicamentos, os mais comuns foram: hipotensão, alteração do estado mental e lesão renal aguda. A tabela 1 discrimina os eventos mais comuns de outros tipos.

Tabela 1
Eventos adversos mais comuns por tipo de eventos segundo dados do estudo SafeCare
Eventos adversos mais comuns por tipo de eventos segundo dados do estudo SafeCare

Eventos adversos por medicamentos e eventos relacionados ao cuidado tinham maior probabilidade de serem preveníveis do que os outros. Eventos relacionados a cirurgias foram mais comumente ameaçadores à vida e infecções associadas aos cuidados de saúde foram o tipo de evento adverso mais comumente fatal.

A média de tempo de internação das admissões com eventos adversos foi mais que o dobro das admissões sem eventos: 9,3 dias versus 4,2 dias.

Perspectivas

Não é possível comparar diretamente os resultados do SafeCare com o HMPS. O método de busca do SafeCare encontraria mais eventos naturalmente e a definição de evento adverso do SafeCare foi mais ampla. Contudo, a alta incidência de eventos adversos mostra que ainda há muito progresso a ser feito.

Quanto mais se procura por eventos adversos, mais eles são encontrados. Os relatos voluntários ajudam muito pouco. Iniciativas de melhoria de qualidade devem buscar ativamente os eventos adversos dentro de cada instituição.

Julgar se um evento é prevenível também é algo discutível. Idealmente, todo evento adverso deve ser encarado como prevenível em potencial.

Investimento constante na coleta de dados confiáveis pode melhorar a monitorização, podendo levar a redução de eventos adversos e desenvolvimento de novas estratégias de melhoria de qualidade.

COVID Longo

Criado em: 23 de Janeiro de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

COVID longo é uma síndrome nova com definição e comportamento ainda incertos. A Nature lançou uma revisão sobre o tema em janeiro de 2023, trazendo ideias e informações interessantes que merecem ser repercutidas aqui no Guia [1].

O que é COVID longo?

COVID longo ocorre em pelo menos 10% dos pacientes que tiveram síndrome do desconforto respiratório do adulto (SDRA) por SARS-CoV-2. A condição também pode ocorrer em pacientes que tiveram a forma leve da COVID.

A síndrome de COVID longo envolve várias queixas e alterações. Com mais de 200 sintomas já descritos e relacionados, sua definição clínica ainda é imprecisa.

Os fatores de risco que contribuem para o surgimento de COVID longo incluem:

  • Sexo feminino
  • Diabetes mellitus tipo 2
  • Reativação do vírus de Epstein-Barr (EBV)
  • Doenças do tecido conjuntivo
  • Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade
  • Urticária crônica e rinite alérgica

Os sintomas também são mais encontrados em populações latinas/hispânicas e em condições de desfavorecimento socioeconômico. Acredita-se que essa tendência se relacione com a incapacidade de repouso correto nas semanas após a infecção.

Principais sintomas

Apesar de a lesão pulmonar ser a principal consequência da COVID, outros sistemas também sofrem com a infecção. A revisão traz evidências de danos a longo prazo no coração (maiores taxas de insuficiência cardíaca e arritmias), rim (lesão renal aguda e progressão de doença renal crônica), pâncreas (maiores taxas de diabetes tipo 2) e fígado.

Os sintomas neurológicos são um componente significativo do COVID longo. Déficit cognitivo é a principal queixa. Uma meta-análise encontrou a presença desse sintoma em 22% dos pacientes após 12 semanas da infecção [2]. A incidência da queixa de déficit cognitivo não difere entre hospitalizados e não-hospitalizados e pode não ser totalmente perceptível pelo paciente.

Outros sintomas neurológicos podem ser vistos na tabela 1.

Tabela 1
Exemplos de sintomas que podem aparecer no COVID longo
Exemplos de sintomas que podem aparecer no COVID longo

Possíveis mecanismos para os danos neurológicos incluem neuroinflamação e disfunção endotelial. Danos aos vasos da circulação do sistema nervoso central causados pela coagulopatia induzida pela COVID também podem estar envolvidos.

A maioria dos sintomas se resolve com o tempo. Um trabalho encontrou que 85% das pessoas com sintomas em 2 meses tiveram resolução do quadro em um ano [3]. Os sintomas neurológicos seguem um curso diferente, demorando para surgir e para se resolverem.

E a fadiga?

Algumas coortes reportam que a fadiga é o sintoma mais comum do COVID longo. Em certos casos, a fadiga pode estar dentro de um espectro da doença conhecida como encefalomielite miálgica/síndrome da fadiga crônica (EM-SFC). Essa é uma doença multissistêmica e neuroimune que surge geralmente após uma infecção viral ou bacteriana (em especial por EBV, C. burnetii e febre do Nilo ocidental), existindo agora uma correlação com COVID.

Um dos critérios diagnósticos é a redução da capacidade de realizar atividades ocupacionais, educacionais ou sociais como se fazia antes, durando por pelo menos 6 meses. Isso é acompanhado de fadiga que não alivia com descanso e pode se associar com sono não reparador, intolerância à ortostase ou mal estar após esforço físico.

Disautonomia é uma ocorrência comum tanto em EM-SFC quanto no COVID longo, especialmente na forma de síndrome da taquicardia postural ortostática (POTS).

Diagnóstico e tratamento

Ainda não há ferramentas consensuais para o diagnóstico definitivo de COVID longo. Alguns estudos em andamento tentam avaliar a presença de citocinas ou de imagens demonstrando microcoágulos. Em muitos casos, o diagnóstico é presuntivo baseado na presença de sintomas e exclusão de causas alternativas.

Não existe terapia estabelecida para COVID longo, apesar de diversas linhas de pesquisa em andamento. Terapias que são utilizadas para EM-SFC estão em estudo para COVID longo. Alguns exemplos: betabloqueador para POTS, imunoglobulina intravenosa para disfunção imune e naltrexona em baixa dose para neuroinflamação encontrada em pacientes com sintomas neurológicos, fadiga ou dor.

A vacina para COVID confere proteção para COVID longo, com uma redução de risco de 15 a 41% se a vacina for antes de se infectar por SARS-CoV-2. É incerto se a vacina traz benefício no controle do quadro de COVID longo após o surgimento dos sintomas.

Estudos com COVID longo são alvos de críticas. Questiona-se se algumas pessoas do grupo controle tiveram COVID leve/assintomático e não fizeram o diagnóstico e se a sorologia pode ter sido falseada pela vacina.

Síndrome de Wellens

Criado em: 23 de Janeiro de 2023 Autor: João Mendes Vasconcelos

A análise do eletrocardiograma (ECG) na dor torácica tem como divisor de águas a presença de supradesnivelamento do segmento ST (supra de ST). Alguns argumentam que o foco excessivo no supra de ST pode desviar a atenção de outros padrões relevantes no ECG [1]. Aproveitando publicações, vamos revisar o padrão de Wellens, um ECG que sempre deve ser lembrado [2, 3].

O que é o padrão eletrocardiográfico de Wellens?

O padrão de Wellens é um achado eletrocardiográfico caracterizado por ondas T bifásicas ou profundamente invertidas nas derivações V2 e V3. Apesar da descrição clássica em V2 e V3, os achados podem ocorrer em outras derivações.

Figura 1
Padrão eletrocardiográfico de Wellens
Padrão eletrocardiográfico de Wellens

Ele é dividido em tipos A e B. O tipo A representa o padrão com ondas T bifásicas em V2 e V3, ocorrendo em aproximadamente 25% dos casos. O tipo B representa o padrão com ondas T profundamente invertidas em V2 e V3, respondendo pelos outros 75%. Os achados podem progredir do tipo A para o tipo B no mesmo paciente.

A primeira percepção de que esses achados merecem atenção ocorreu em 1982 [4]. Esse trabalho avaliou 145 pacientes internados por angina instável, dos quais 26 (18%) apresentavam o ECG com esse padrão. Dos 26 pacientes, 16 não tiveram abordagem coronariana e desses 16, 12 evoluíram com infarto anterior extenso em semanas após a admissão.

O padrão tem alta correlação com estenose crítica da artéria descendente anterior. Um trabalho encontrou sensibilidade de 69% e especificidade de 89% para a presença de estenose significativa da artéria descendente anterior na presença do padrão [5].

A história natural de pacientes com o padrão de Wellens é extremamente desfavorável. A maioria infarta ou tem recorrência dos sintomas em dias a semanas. Por isso, a condição é caracterizada como um estado de pré-infarto.

O que caracteriza a síndrome de Wellens e quais os diagnósticos diferenciais?

Muitas condições alteram a onda T. Alguns autores propuseram critérios para diferenciar o padrão de Wellens de causa coronariana de outros diagnósticos. Assim, a síndrome de Wellens seria composta pelo padrão eletrocardiográfico de Wellens e os seguintes critérios [6]:

  • Segmento ST isoelétrico ou minimamente (< 1 mm) elevado
  • Ausência de ondas Q precordiais
  • História de angina
  • Presença do padrão mesmo em momentos sem angina
  • Marcadores de lesão miocárdica normais ou minimamente elevados

Os pacientes com essa condição têm risco de atraso no diagnóstico, já que podem se apresentar sem dor e com marcadores de lesão miocárdica normais.

Tabela 1
Causas de inversão de onda T
Causas de inversão de onda T

As causas mais importantes de alteração da onda T que não são síndrome de Wellens estão na tabela 1. Já as causas de síndrome de Wellens com coronárias normais, também conhecida como pseudo-Wellens, são mais restritas, incluindo:

  • Ponte miocárdica
  • Uso de cocaína
  • Uso intenso de cannabis
  • Colecistite aguda
  • Miocardiopatia por estresse (veja mais sobre no "Caso Clínico #4").

Qual é a conduta diante do padrão de Wellens?

Os pacientes com síndrome de Wellens devem ser admitidos e ter as artérias coronarianas investigadas com angiografia (cateterismo diagnóstico). Além disso, as medicações habituais para infarto devem ser iniciadas empiricamente até que a hipótese de doença coronariana seja avaliada.

Se uma estenose crítica for confirmada, a revascularização é obrigatória, seja por via cirúrgica ou percutânea. A extensão da doença coronariana é que decide se a melhor opção é angioplastia percutânea ou revascularização cirúrgica. Não há indicação de trombólise para esses pacientes, a não ser que evoluam com infarto com supra de ST sem a disponibilidade de cateterismo.

Testes de estresse devem ser evitados. O aumento na demanda de oxigênio em um paciente com estenose crítica pode precipitar infarto agudo do miocárdio, arritmias e morte súbita.