Hiponatremia na Emergência

Criado em: 20 de Fevereiro de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Hiponatremia é um dos distúrbios eletrolíticos mais comuns. O American Journal of Emergency Medicine publicou um artigo de revisão sobre o tema em outubro de 2022, com foco na perspectiva do médico na sala de emergência [1]. Vamos revisar esse tema neste tópico.

Entendendo a hiponatremia

Hiponatremia é um problema comum na sala de emergência, com uma prevalência de 3 a 10% a depender da coorte. Idosos e pacientes com agudização de doença renal crônica têm o distúrbio com maior frequência. A incidência aumenta no verão, provavelmente devido a maior estímulo a bebidas hipotônicas.

Os sintomas de hiponatremia variam muito, podendo ser leves e inespecíficos como mal-estar, até ameaçadores à vida como sintomas de edema cerebral. As queixas mais comuns no departamento de emergência são náusea, fraqueza muscular, vertigem e histórico de quedas. Os sintomas mais graves estão na tabela 1.

Tabela 1
Gravidade e sintomas na hiponatremia
Gravidade e sintomas na hiponatremia

Hiponatremia que surge de maneira súbita é o maior preditor do aparecimento de sintomas graves.

Durante um estado de hiponatremia, o meio extracelular fica hiposmolar. O cérebro se adapta através da excreção de solutos do meio intra para o extracelular. Esse mecanismo de defesa demanda tempo. Na hiponatremia súbita, o meio extracelular se torna hiposmolar muito rápido, dificultando a adaptação. O resultado é um fluxo de água do sangue para o cérebro, ocasionando edema.

Primeiro passo

As primeiras coisas a serem feitas diante de uma hiponatremia no departamento de emergência são:

  • Afastar que a hiponatremia é por hiperglicemia ou pseudohiponatremia. Hiponatremia por hiperglicemia é uma hiponatremia hiperosmolar e não causa os sintomas de edema cerebral. Pseudohiponatremia é suspeitada quando a história é compatível com hipertrigliceridemia ou hiperproteinemia (ex.: pancreatite por hipertrigliceridemia, xantomas eruptivos, quadro clínico sugestivo de mieloma).
  • Avaliar função renal e outros eletrólitos. Principalmente potássio, já que a coexistência com outros distúrbios eletrolíticos é comum.
  • Identificar se o paciente possui sintomas moderados a graves e avaliar se esses sintomas são explicados pela hiponatremia.

Diante de um paciente com hiponatremia aguda - menos de 48 horas de instalação - e com sintomas graves, deve-se infundir 150 ml de NaCl 3% (ou 2 ml/kg) em um período de 20 minutos. O sódio sérico deve ser medido novamente após 20 minutos do fim da infusão. O objetivo desse tratamento é aumentar a concentração sérica de sódio em 5 mmol/L.

Caso o paciente ainda mantenha sintomas e a meta de 5 mmol/L não tenha sido atingida, deve-se repetir a infusão, repetindo também a dosagem do sódio sérico. Se o sódio aumentar 5 mmol/L ou mais e o paciente mantiver sintomas de edema cerebral, deve-se investigar outras causas. A hipótese nessa situação é de que a hiponatremia seja apenas uma consequência de um outro processo no sistema nervoso central responsável pelos sintomas.

O limite de aumento do sódio é de 8 a 10 mmol/L em 24 horas. Após correção, o sódio deve ser monitorizado a cada 4 a 6 horas, a depender da gravidade.

A diretriz europeia sugere tratar pacientes com sintomas moderadamente graves de maneira similar aos pacientes com sintomas graves [2]. Contudo, por conta da falta de evidência nesse cenário, a diretriz faz a ponderação de que pode haver tempo para procurar a etiologia da hiponatremia e tratar a causa.

Na urgência, uma solução de NaCl próxima de 3% pode ser feita através da combinação de 100 ml de NaCl 0,9% e 10 ml de NaCl 20%. Isto resulta em uma solução de 110 ml de NaCl 2,6%.

Pacientes assintomáticos

Em pacientes assintomáticos, a primeira etapa é classificar se o distúrbio é agudo (em menos de 48 horas) e se houve queda de mais de 10 mmol/L de sódio nesse período. Nesses casos, o paciente pode ser tratado como os pacientes sintomáticos.

Caso o distúrbio não seja agudo ou não exista comprovação se é agudo ou não, a causa da hiponatremia deve ser tratada, principalmente quando há uma etiologia óbvia, como pacientes nos extremos da volemia (expansão volêmica para pacientes hipovolêmicos e restrição de fluidos para pacientes hipervolêmicos). Medicações que causam ou contribuem com a hiponatremia devem ser suspensas, como tiazídicos e outros diuréticos.

O artigo de revisão se posiciona contra iniciar o manejo de um paciente com hiponatremia crônica e assintomática no departamento de emergência. Esses pacientes necessitam de uma abordagem diagnóstica complexa e a terapia empírica errada pode agravar a hiponatremia ou falsear exames como o sódio urinário.

Supercorreção

Durante a correção da hiponatremia, o valor do sódio pode seguir um curso impreciso e se elevar acima do limite (8 a 10 mmol/L em 24 horas). Isso pode resultar em síndrome de desmielinização osmótica (SDO). Essa síndrome também pode ocorrer quando o sódio está em um nível normal, mas que se eleva abruptamente, como em pacientes fazendo infusão de soluções com alta concentração de sódio.

A SDO pode ocasionar alteração do nível de consciência e fraqueza muscular com padrão de primeiro neurônio motor. Os sintomas tipicamente surgem de 2 a 6 dias após a supercorreção. Na suspeita de SDO, deve-se solicitar ressonância magnética de crânio que pode mostrar alterações sugestivas de desmielinização.

Não há tratamento para SDO com boas evidências. Algumas terapias experimentais incluem corticoide, imunoglobulina e plasmaférese.

O escore SHOR (veja a tabela 2) discrimina pacientes com alto risco para supercorreção [3]. A correção do sódio nesses pacientes deve ser feita de maneira mais gradual e com maior vigilância.

Tabela 2
Fatores de risco e proteção para supercorreção de hiponatremia
Fatores de risco e proteção para supercorreção de hiponatremia

Caso ocorra supercorreção, deve-se reduzir com urgência os valores de sódio para abaixo do limite recomendado. Isso pode ser feito com solução de glicose (2 a 3 ml/kg/hora) associado ou não a desmopressina via intravenosa (2–4 μg a cada 6-8 horas).

Hipertensão Resistente e Baxdrostat

Criado em: 20 de Fevereiro de 2023 Autor: João Mendes Vasconcelos

Hipertensão resistente afeta de 10% a 20% dos pacientes com hipertensão, levando a piores desfechos cardiovasculares. Em fevereiro de 2023, o New England Journal of Medicine publicou o estudo BrigHTN, testando a nova droga baxdrostat nessa população [1]. Neste tópico revisamos hipertensão resistente e avaliamos o que o estudo adicionou.

Qual é a definição de hipertensão resistente?

Segundo as diretrizes do Brasil, Estados Unidos e Europa hipertensão resistente (HR) é definida como pressão arterial (PA) acima da meta mesmo com o uso de três medicações anti-hipertensivas de classes diferentes , idealmente em dose máxima, sendo preferencialmente uma delas um diurético [1-3]. Acredita-se que a retenção de sódio e a expansão do volume extracelular contribuem com a HR.

Nem todos os incluídos nessa definição tem HR de fato. É necessário excluir fatores de pseudorresistência, entre eles aferição inadequada e não aderência. Para garantir que os valores são confiáveis, a HR deve ser confirmada com medidas de PA fora do consultório - seja monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) ou monitorização residencial da pressão arterial (MRPA).

Para verificar a aderência, muitos estudos utilizam dosagem de drogas no sangue ou urina. Na prática, é possível recorrer à tomada de medicação diretamente observada na unidade de saúde. Entre os fatores que podem melhorar a aderência estão:

  • Educação do paciente
  • Contato frequente com os profissionais de saúde
  • Simplificar o tratamento (combinar várias drogas e um só comprimido)
  • Reduzir os custos da prescrição
  • Usar lembretes
  • Monitorizar a pressão em casa.

Medicações que elevam a PA - como antiinflamatórios - também são possíveis culpados, devendo ser evitadas.

O conceito de hipertensão refratária é diferente de hipertensão resistente. Hipertensão refratária é definida como níveis inadequados de PA mesmo com cinco classes de antihipertensivos diferentes, sendo obrigatoriamente clortalidona e um antagonista do receptor mineralocorticóide. Um dos mecanismos propostos para explicar esse grupo é a hiperatividade simpática, por conta dos níveis elevados de frequência cardíaca e a ausência de resposta com terapia diurética intensiva.

Como manejar um paciente com hipertensão resistente?

Pacientes com HR devem ser investigados para hipertensão secundária. As causas de hipertensão secundária mais comuns nos pacientes com HR são: estenose da artéria renal, doença renal crônica e apnéia obstrutiva do sono. Para mais detalhes da investigação de hipertensão secundária, veja nosso episódio sobre hipertensão secundária.

O estudo PATHWAY-2 comparou bisoprolol, doxazosina, espironolactona e placebo em pacientes com HR [3]. Os pesquisadores encontraram que a espironolactona foi a melhor droga a ser acrescentada em pacientes com HR.

Apesar de a espironolactona ser a melhor escolha para HR, a medicação tem alguns problemas. A droga aumenta o risco de hipercalemia em pacientes com doença renal crônica, além de poder causar ginecomastia, irregularidades menstruais e sangramento pós-menopausa.

O que é o baxdrostat e o que o estudo BrigHTN acrescentou?

O baxdrostat é um inibidor da enzima aldosterona sintase, reduzindo a quantidade de aldosterona ao inibir a síntese da substância. Por não interferir no receptor de aldosterona, espera-se que alguns efeitos indesejados como ginecomastia não ocorram.

O BrigHTN foi um estudo de fase 2, multicêntrico, em pacientes com HR testando várias doses de baxdrostat uma vez por dia (0,5 mg, 1 mg e 2 mg) versus placebo. O desfecho primário era variação da PA sistólica no consultório em 12 semanas. Pacientes com taxa de filtração glomerular menor que 45 ml/min foram excluídos. Ao final, 248 pacientes concluíram o trabalho.

Os grupos 1 mg e 2 mg de baxdrostat reduziram significativamente a PA sistólica (-20 mmHg e -17 mmHg, respectivamente) em relação ao placebo (-9 mmHg). O grupo 0,5 mg não teve diferença estatisticamente significante na mudança de PA sistólica em comparação ao placebo (-12 mmHg).

A maioria dos eventos adversos foi leve e não relacionada ao baxdrostat. Dois pacientes tiveram hipercalemia com potássio sérico maior que 6 mEq/L, mas a hipercalemia não recorreu após a suspensão e posterior reintrodução da droga.

O efeito placebo foi grande, com uma redução de quase 10 mmHg na PA sistólica. É possível que esse efeito fosse reduzido se uma MAPA fosse usada como critério de inclusão, excluindo pacientes com HR por efeito do jaleco branco.

O trabalho deixa o baxdrostat como uma promessa, porém estudos com mais pacientes, avaliando MAPA e comparando com espironolactona são necessários.

POCUS no Derrame Pleural

Criado em: 20 de Fevereiro de 2023 Autor: Luisa Sousa

A ultrassonografia à beira do leito (POCUS) cada vez mais faz parte da avaliação na emergência. Todo dia a técnica é aprimorada e incorporada nos atendimentos. Um artigo do British Medical Journal (BMJ) publicado em janeiro de 2023 trouxe alguns pontos da abordagem do derrame pleural com POCUS [1]. Aproveitamos para revisar esse tópico aqui no Guia.

Princípios do POCUS pulmonar

O POCUS pulmonar permite a identificação imediata das patologias pulmonares e reduz os riscos associados a procedimentos como a toracocentese.

A formação da imagem no ultrassom depende do contato da onda sonora com o meio físico. O ar presente no pulmão impede a propagação da onda, dificultando a formação de imagem. Assim, o POCUS pulmonar depende da identificação da pleura e dos artefatos gerados pela sua imagem.

Figura 1
Linha A no ultrassom pulmonar à beira-leito
Linha A no ultrassom pulmonar à beira-leito

As linhas A e B são dois artefatos gerados pela pleura e comumente encontrados no POCUS. A linha A é um achado normal caracterizado por linhas horizontais paralelas à pleura e equidistantes entre si (figura 1). A linha B é um achado patológico que indica edema intersticial. A linha B é definida por algumas características (figura 2):

Figura 2
Linha B no ultrassom pulmonar à beira-leito
Linha B no ultrassom pulmonar à beira-leito
  • Verticais
  • Hiperecogênicas
  • Origem a partir da linha pleural
  • Apagam a linha A
  • Não perdem intensidade à medida que se aprofundam na imagem
  • Movem-se com o deslizamento do pulmão
  • Similares a cauda de cometa

Como fazer o POCUS do pulmão?

Figura 3
Tipos de transdutores de ultrassom
Tipos de transdutores de ultrassom

O transdutor (probe) indicado para avaliação pulmonar é o curvilíneo (figura 3), permitindo boa penetração na parede torácica e parênquima pulmonar. O probe linear pode ser usado, mas por ter penetração inferior sua avaliação fica restrita à pleura. O transdutor ecocardiográfico tem uma penetração profunda no pulmão entre os espaços intercostais, porém com espaço de imagem limitado. Todo transdutor possui uma marcação em um dos lados para orientar a lateralidade da imagem (figura 4).

Figura 4
Marcação e posicionamento do transdutor do ultrassom na avaliação pulmonar
Marcação e posicionamento do transdutor do ultrassom na avaliação pulmonar

Alguns protocolos foram elaborados para sistematizar a avaliação pulmonar. Um dos mais conhecidos é o protocolo Bedside lung ultrasound in emergency (BLUE), que tem como objetivo avaliar rapidamente o paciente com insuficiência respiratória na emergência [2].

O artigo do BMJ ressalta o uso do POCUS na identificação de algumas causas de dispneia no pronto socorro, em especial três situações:

  • Pneumotórax
  • Síndromes intersticiais - edema pulmonar e consolidação
  • Derrame pleural

POCUS no derrame pleural

Ao procurar derrame pleural (DP) no POCUS pulmonar, deve-se posicionar o transdutor na linha axilar média com o indicador na direção cefálica (figura 5).

Figura 5
Posicionamento do transdutor para avaliação de derrame pleural no paciente em decúbito dorsal
Posicionamento do transdutor para avaliação de derrame pleural no paciente em decúbito dorsal

Se não existir derrame pleural, a imagem mostra o diafragma como uma linha curva hiperecogênica móvel com a respiração. O pulmão acima do diafragma desloca-se na direção crânio-caudal com a respiração, gerando o sinal da cortina (veja um video sobre o sinal da cortina).

Figura 6
Derrame pleural no ultrassom pulmonar à beira-leito
Derrame pleural no ultrassom pulmonar à beira-leito

O DP é visualizado como uma imagem anecóica (de cor preta) que fica entre a parede torácica e a linha pleural, sendo mais fácil identificá-lo nas posições pendentes do tórax (figura 6). O DP faz o sinal da cortina desaparecer, fazendo surgir o sinal da espinha. O sinal da espinha é a visualização da vértebra torácica acima do diafragma, um sinal sempre patológico (veja o sinal da espinha aqui). Em pacientes sem DP, o ar do pulmão impede a visualização das vértebras, sendo vistas apenas no abdome.

A sensibilidade e especificidade do POCUS na identificação do DP são respectivamente 93% e 96%, valores superiores ao exame físico e à radiografia de tórax.

Algumas manobras ajudam na avaliação do DP:

  1. “Respirar fundo e segurar”
    • As sombras das costelas podem dificultar a visualização do diafragma. Para minimizar, pede-se ao paciente para “respirar fundo e segurar”, deslocando o diafragma caudalmente e melhorando a imagem.
  2. Colocar o probe oblíquo ao espaço intercostal
    • Ao colocar o transdutor na linha axilar média, deve-se posicioná-lo entre as costelas de forma oblíqua, permitindo visualizar o DP sem a interface das costelas.

Estimativa do volume do DP

Figura 7
Método de Balik para estimar volume de líquido pleural
Método de Balik para estimar volume de líquido pleural

Um dos meios utilizados para estimativa da quantidade de líquido pleural é o método de Balik [3]. Nessa técnica, o paciente fica em decúbito dorsal com inclinação de 15° em relação ao plano. Coloca-se o transdutor na linha axilar posterior e mede-se a distância máxima entre o pulmão e o diafragma. A distância máxima é obtida congelando a imagem na expiração. Cada milímetro obtido nessa medição equivale a 20 ml de líquido pleural (figura 7).