Escore de Internação de Síncope

Criado em: 20 de Março de 2023 Autor: João Mendes Vasconcelos

Vários escores já foram desenhados para estimar o risco de eventos adversos no paciente com síncope, porém nenhum é amplamente utilizado. Em abril de 2022, foi publicado no Annals of Internal Medicine o estudo BASEL IX uma grande coorte com validação externa do escore canadense de síncope [1]. Este tópico traz os resultados do estudo e revisa a decisão de internar um paciente por síncope.

Abordagem no pronto-socorro

Existem três perguntas que o médico do pronto-socorro (PS) deve fazer ao encontrar um paciente com síncope:

  • Foi mesmo uma síncope ou foi um outro evento levando a perda transitória de consciência (crise epiléptica, AVC, trauma craniano)?
  • Sendo uma síncope, existe uma causa evidente?
  • Se a causa não é clara, qual é o risco do paciente?

Em relação à primeira pergunta, a síncope está dentro das causas de perda transitória de consciência (PTC) . Outras situações além de síncope podem levar a PTC, como crises epilépticas, trauma craniano e AVC. Um PTC deve ter as seguintes quatro características: duração breve, controle motor anormal, perda da responsividade e amnésia pelo período da PTC (veja a fluxograma 1).

Fluxograma 1
Etiologias de perda transitória do nível de consciência
Etiologias de perda transitória do nível de consciência

Não é fácil diferenciar síncope de crise epiléptica [2]. Alguns pacientes com síncope podem ter movimentos tônico/clônicos breves, enquanto algumas crises epilépticas não tem manifestações motoras exuberantes. Na dúvida entre síncope e crise epiléptica, as características da tabela 1 sugerem crise epiléptica.

Tabela 1
Características que sugerem epilepsia em uma perda total de consciência
Características que sugerem epilepsia em uma perda total de consciência

A avaliação padrão de síncope no PS deve incluir:

  • Características do episódio da síncope → Houve pródromo? Ocorreu durante atividade ou em repouso? Sintomas associados?
  • Pressão arterial em supino e ortostase → ocorrendo alteração postural da pressão, considerar a possibilidade de um sangramento oculto (gastrointestinal, gineco-obstétrico, aneurisma de aorta).
  • Eletrocardiograma → Para todos os pacientes.

Sintomas associados podem indicar uma causa grave de síncope. Dispneia, dor torácica ou hipoxemia alertam para a possibilidade de embolia pulmonar, especialmente quando existem alterações eletrocardiográficas sugestivas (veja mais neste post no twitter). Cefaleia ou alterações no exame neurológico sugerem origem neurológica (hemorragia subaracnóide, outros eventos vasculares).

As causas cardíacas são a principal causa grave de síncope no PS. Dentro das síncopes cardiogênicas, as arritmias são as etiologias mais importantes. Apesar de sintomas associados poderem ajudar, muitas vezes as arritmias não se manifestam durante a passagem no PS. Assim, quando não há uma causa aparente, a avaliação de risco é definidora de conduta (ver o tópico seguinte "estratificação de risco").

Deve-se tomar cuidado com exames complementares sem uma suspeita adequada, pois aumentam os custos sem agregar benefícios e podem gerar falsos positivos. Existe recomendação de evitar imagem de crânio quando não há trauma craniano e com exame neurológico normal evitar ultrassonografia com doppler de carótidas em síncope sem sintomas neurológicos e evitar eletroencefalograma na avaliação inicial [3, 4, 5, 6, 7].

Estratificação de risco

Tabela 2
Fatores que sugerem uma síncope de alto risco
Fatores que sugerem uma síncope de alto risco

O médico da emergência não vai conseguir definir a causa exata da síncope em um grande número de pacientes. Nessa situação, é necessário estimar o risco de eventos desfavoráveis. Para isso, utiliza-se a avaliação subjetiva do médico associada ou não com uma ferramenta estruturada (escores de risco).

Existem muitos fatores que os estudos identificaram como de alto ou baixo risco. Características do episódio, alterações eletrocardiográficas e história de cardiomiopatia estrutural estão sempre presentes nos estudos (veja a tabela 2).

Tabela 3
Escore de OESIL
Escore de OESIL

A literatura elenca vários escores de risco, mas nenhum é universalmente utilizado. Dois dos mais famosos são o Osservatorio Epidemiologico sulla Sincope nel Lazio (OESIL, tabela 3) e o Canadian Syncope Risk Score (CSRS, tabela 4). Várias organizações também têm suas diretrizes específicas como a European Society of Cardiology e a American Heart Association.

Tabela 4
Escore de risco canadense para síncope
Escore de risco canadense para síncope

Os médicos aparentemente tem uma boa capacidade de estimar o risco dos pacientes com síncope, porém muitas vezes optam por internar pacientes de baixo risco [8]. A melhor validação de um escore pode facilitar a adoção da ferramenta e deixar os médicos do PS mais seguros em dar alta.

O que o estudo acrescentou?

Dos escores de síncope, o CSRS é o que foi mais amplamente validado de maneira prospectiva. Contudo, a ferramenta carecia de validação externa, fora do Canadá. Um dos objetivos do BASEL IX foi validar externamente o escore e comparar com o OESIL.

O trabalho foi uma coorte prospectiva envolvendo 2283 pacientes que vieram ao PS por síncope em vários países (EUA, Austrália, Nova Zelândia e países europeus). O desfecho primário foram eventos clínicos graves ou eventos relacionados a procedimentos. A média de idade dos pacientes foi de 68 anos.

A capacidade de prognóstico do CSRS foi melhor que a do OESIL. O CSRS classificou 60% dos pacientes como de baixo ou muito baixo risco, já o OESIL classificou 48% como baixo risco. A incidência do desfecho primário após 30 dias foi menor nos pacientes de baixo risco classificados pelo CSRS do que pelo OESIL (1,1% vs 2,7%).

Também foi realizada uma análise considerando a classificação do médico sobre o evento de síncope (síncope cardíaca, síncope vasovagal ou outra). Comparando com o CSRS, o desempenho da classificação isolada do médico foi similar. A classificação do médico era realizada ao final da estadia no PS, podendo ser influenciada pelo tempo que o paciente passou na unidade e pelos exames realizados. Um novo estudo pode esclarecer o valor adicional das outras variáveis do CSRS versus a classificação isolada do médico.

O estudo valida o CSRS para identificar pacientes de baixo risco e pode ajudar a respaldar a alta de pacientes com síncope no PS.

Escore para Identificação de Fibrose na Esteatose Hepática

Criado em: 20 de Março de 2023 Autor: Marcela Belleza

A prevalência da esteatose hepática não alcoólica está crescendo e uma das prioridades no tratamento é identificar a presença de fibrose. Em janeiro de 2023, o British Medical Journal (BMJ) publicou uma metanálise que avaliou a eficácia de um escore para predição de fibrose [1]. Este tópico traz o resultado do estudo e revisa o tema.

Por que identificar fibrose é importante?

A doença gordurosa hepática não alcoólica (DGHNA) é a presença de esteatose hepática quando excluídas outras causas (álcool, infecções, medicamentos, autoimune). Está fortemente associada à síndrome metabólica, obesidade e diabetes. A prevalência de DGHNA no mundo é estimada em 25-30% e é a principal causa de transplante hepático entre mulheres [2].

A presença de fibrose hepática (e da sua gravidade histológica) está diretamente relacionada à ocorrência de desfechos negativos como necessidade de transplante, complicações relacionadas à cirrose e aumento de mortalidade [2, 3]. Além de importância prognóstica, a identificação de fibrose também influencia no tratamento. Em pacientes com DGHNA e fibrose avançada ou alto risco de fibrose, as diretrizes da American Association of Clinical Endocrinology (AACE) de 2022 e da American Gastroenterological Association (AGA) de 2021 pontuam que pode haver benefício de terapias específicas - vitamina E na ausência de diabetes e pioglitazona ou análogos do GLP-1 na presença de diabetes [4, 5]. Indivíduos com fibrose hepática também necessitam de investigação de varizes de esôfago e rastreio de carcinoma hepatocelular [3].

Falamos mais sobre DGHNA no episódio 122.

Quais são as estratégias atuais para pesquisa de fibrose?

O padrão ouro para diagnóstico e graduação da fibrose hepática é a biópsia com análise histopatológica. No entanto, a baixa disponibilidade e os riscos envolvidos com a biópsia motivaram a pesquisa de métodos menos invasivos para predição de fibrose [3].

Tomografia e ressonância magnética, apesar de identificarem esteatose, não são suficientemente sensíveis para detecção de fibrose ou discriminação de graus avançados de esteato-hepatite. A elastografia é um exame ultrassonográfico e dinâmico que permite inferir o grau de fibrose hepática [2].

Existem escores que combinam características clínicas e resultados laboratoriais para estimar o risco de fibrose em pacientes com DGHNA [2, 6]. As principais calculadoras estão disponíveis a seguir:

  • FIB4: combina 4 parâmetros (idade, AST, ALT, plaquetas)
  • NAFLD-score: combina idade, IMC, glicemia de jejum alterada, albumina, AST, ALT, plaquetas
Fluxograma 1
Sugestão de investigação de doença gordurosa hepática não alcoólica (DGHNA)
Sugestão de investigação de doença gordurosa hepática não alcoólica (DGHNA)

As diretrizes da AACE e da AGA sugerem uma avaliação não invasiva do risco de fibrose baseada em duas etapas, conforme a figura a seguir (adaptada dos dois documentos). Apesar da sugestão de investigação, o melhor método de avaliação não invasiva de fibrose em pacientes com DGHNA ainda não está estabelecido.

Como o FAST-score funciona? Quais são os resultados da metanálise?

O FAST-score utiliza a aspartato aminotransferase (AST ou TGO) sérica e dois parâmetros da elastografia transitória (liver stiffness measurement e controlled attenuation parameter) para encontrar esteato-hepatite ativa e fibrose avançadas (o que corresponde a categoria F2 na biópsia) em pessoas com DGHNA. O escore usa esses três parâmetros em uma conta complexa. O médico coloca os valores em um programa que resulta em uma pontuação de 0 a 1.

O estudo original do FAST-score foi publicado em 2020 [7]. Os pesquisadores desenvolveram o FAST na tentativa de identificar pacientes com DGHNA que tinham fibrose avançada e alto índice de atividade de doença (definida por uma biópsia hepática com escore NAS > 4 - ver tabela 1). Até então, os escores existentes focavam apenas na identificação de fibrose. O estudo conseguiu determinar valores para descartar (rule-out < 0,35) e confirmar (rule-in> 0,67) DGHNA com alta atividade e fibrose avançada. Em uma análise dentro do estudo, a capacidade de discriminar os pacientes com fibrose e alta atividade foi melhor com o FAST-score do que com o FIB-4.

Tabela 1
Escore de atividade de doença gordurosa hepática não alcóolica (NAS)
Escore de atividade de doença gordurosa hepática não alcóolica (NAS)

A revisão sistemática trazida pelo BMJ incluiu 12 estudos, totalizando 5835 pacientes, que compararam o FAST-score à biópsia hepática. Todos os pacientes tinham DGHNA comprovada por biópsia. A prevalência de DGHNA fibrótica foi próxima do que os estudos costumam encontrar para a população de alto risco - em torno de 30%.

O FAST-score teve performance diagnóstica satisfatória na identificação de esteato-hepatite e fibrose avançadas, com sensibilidade e especificidade de 89% . Os resultados mostraram um valor preditivo negativo de 92%. Essa característica do escore é útil para evitar biópsias desnecessárias. Por outro lado, o valor preditivo positivo do escore foi de 65% para uma prevalência de DGNHA fibrótica de 30%. Esse achado sugere que, em cenários de baixa prevalência, o escore isoladamente talvez não seja suficiente para discriminar os pacientes com risco de progressão.

Os autores trazem como principal limitação a heterogeneidade entre os estudos. Além disso, todos os centros incluídos eram de referência. Não houve comparação direta com o FIB-4 no estudo.

O trabalho reforça o avanço dos métodos não invasivos na identificação de fibrose hepática, com cada vez mais acurácia. O FAST-score pode ser utilizado em estudos com DGHNA para identificar pacientes com maior chance de se beneficiarem das terapias. Além disso, pode ser incorporado na prática para identificação não invasiva de DGHNA com alto risco de progressão.

Quetamina versus Eletroconvulsoterapia para Depressão

Criado em: 20 de Março de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Mais de 30% dos pacientes com um episódio depressivo maior não atingem remissão mesmo com múltiplas tentativas de antidepressivos. Nesse cenário de depressão resistente ao tratamento, a eletroconvulsoterapia (ECT) é preconizada por algumas sociedades. Essa revisão sistemática do Journal of American Medical Association (JAMA) de outubro de 2022 comparou quetamina com eletroconvulsoterapia para depressão [1]. Este tópico revisa essas terapias para depressão e traz os resultados do estudo.

Eletroconvulsoterapia

Eletroconvulsoterapia (ECT) é a terapia de escolha por algumas diretrizes para pacientes com depressão resistente. A definição de depressão resistente não é padronizada, mas muitos trabalhos utilizam o critério de um episódio depressivo que não melhora após duas tentativas com antidepressivos em dose otimizada.

Apesar da recomendação, o uso de ECT é baixo devido a barreiras técnicas (necessidade de profissionais capacitados e espaço físico) e aceitação dos pacientes (estigma de ser uma terapia ultrapassada ou agressiva). Uma revisão do New England Journal of Medicine (NEJM) de 2022 aponta um benefício em risco de suicídio, redução de internação e melhora de qualidade de vida e de produtividade [2].

Além da indicação na depressão resistente, a ECT também pode ser utilizada em quadros de depressão grave. O conceito de depressão grave é diferente de depressão resistente. Também não há uma definição universal, porém alguns estudos utilizam um escore PHQ-9 > 20, o que muitas vezes vem acompanhado de sintomas psicóticos, catatonia e marcante comprometimento funcional (desnutrição, lesões por pressão, desidratação).

O tratamento com ECT tem duas fases: uma inicial, com objetivo de atingir a remissão; e uma de manutenção, devido ao alto risco de recaída. A fase inicial geralmente é composta por 2 a 3 sessões por semana, por 2 a 5 semanas. Todas as sessões incluem sedação, o que requer uma estrutura de apoio. A segunda fase envolve uma redução gradual das sessões de ECT, enquanto o paciente é otimizado farmacologicamente.

A ECT é segura em relação a eventos graves, com uma taxa menor que 1% de mortes. A grande dúvida é o efeito em déficit cognitivo , já que trabalhos mais antigos (com protocolos ultrapassados) apresentaram taxas significativas de piora da cognição. Essa queixa se confunde com a própria disfunção e consequência do quadro psiquiátrico. A maioria dos pacientes que apresentam esse evento adverso, apresentam na forma leve e com resolução após 2 a 4 semanas. O tratamento deve ser interrompido em caso de déficit cognitivo grave.

Quetamina

A pesquisa com quetamina intravenosa para tratamento agudo de depressão resistente tem aumentado nos últimos anos. A dose estudada da quetamina para esse fim é de 0,5 mg/kg intravenoso, podendo ser feita 2 a 3 vezes por semana por 3 a 5 semanas.

A quetamina possui outras aplicações e seu uso tem aumentado nos últimos anos. A mais famosa utilização é para intubação de sequência rápida. A droga não causa instabilidade hemodinâmica (principalmente quando comparado ao propofol) e possui tempo de sedação mais prolongado que o etomidato. Há um debate se a droga deve ser evitada em pacientes com hipertensão intracraniana. A evidência de que há malefício é fraca e alguns estudos sugerem que o uso é seguro [3].

Tabela 1
Uso da quetamina e suas doses
Uso da quetamina e suas doses

Outras indicações incluem analgesia, podendo reduzir a necessidade de opioides, e agitação psicomotora, com um trabalho mostrando superioridade a benzodiazepínicos [4]. Na tabela 1 há exemplos de indicações e de doses.

O que o estudo acrescentou?

Essa revisão sistemática do JAMA selecionou artigos incluindo pacientes com diagnóstico de depressão pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e que utilizaram as duas terapias propostas (ECT e quetamina). A pergunta principal é a eficácia e segurança da quetamina e da ECT. Foram selecionados 6 ensaios clínicos com um total de 340 pacientes.

A ECT foi superior à quetamina em relação aos sintomas de depressão. Apenas um estudo avaliou ideação suicida e ambos os grupos tiveram redução com o tratamento, sem diferença entre eles. Três trabalhos perceberam uma melhora mais rápida com a quetamina, em contraste com um trabalho que encontrou que ECT foi mais rápida na resposta. Dois trabalhos seguiram os pacientes por mais tempo e não encontraram diferença entre as terapias após um período de tempo mais prolongado.

Os pacientes do grupo ECT tiveram mais cefaléia e dor muscular, enquanto o grupo quetamina apresentou mais dissociação transitória, sintomas de despersonalização, vertigem, diplopia/nistagmo e visão embaçada.

Um estudo avaliou o desempenho neurocognitivo e a quetamina foi superior a ECT. Nesse estudo, não houve diferença de memória imediata e memória visual. Outro estudo avaliou a memória e não houve diferença entre os grupos.

Uma das grandes dificuldades dessa revisão sistemática é a não padronização dos protocolos entre os estudos incluídos. Além disso, todos os estudos separadamente possuem um pequeno número de pacientes. Dois estudos maiores estão em curso (CAN-BIND e ELEKT-D), ambos com estimativa de recrutar mais de 200 pacientes.