Tratamento de Tromboembolismo Pulmonar de Alto Risco

Criado em: 03 de Abril de 2023 Autor: Kaue Malpighi

Até 5% dos pacientes com tromboembolismo pulmonar agudo (TEP) evoluem com instabilidade hemodinâmica, com uma mortalidade que pode chegar a 20%. Em agosto de 2022, saiu uma revisão e atualização sobre o tratamento de pacientes com TEP de alto risco no Journal of Clinical Medicine [1]. Aproveitamos para revisar os principais pontos dessa condição neste tópico.

Quando classificar um TEP como alto risco?

A diretriz de 2019 estratifica o TEP agudo baseado na mortalidade em 30 dias. Nesse sentido, os pacientes são classificados em baixo, intermediário e alto risco (veja tabela 1) [2]. Veja mais sobre estratificação no tópico "Tromboembolismo Pulmonar".

Tabela 1
Estratificação de risco no tromboembolismo pulmonar agudo da European Society of Cardiology (ESC)
Estratificação de risco no tromboembolismo pulmonar agudo da European Society of Cardiology (ESC)

Os pacientes de alto risco são os que apresentam instabilidade hemodinâmica. Assim, entram nessa categoria aqueles que se encaixam em quaisquer das situações abaixo:

  • Hipotensão persistente - Pressão arterial sistólica (PAS) < 90 mmHg ou queda ≥ 40 mmHg na PAS por mais de 15 minutos, sem outras causas esclarecidas (sepse, hipovolemia, etc.).
  • Choque obstrutivo - hipotensão (PAS < 90 mmHg ou uso de vasopressores) E sinais de hipoperfusão orgânica (rebaixamento do nível de consciência, extremidades frias, tempo de enchimento prolongado, etc.).
  • Parada cardiorespiratória.

Os pacientes com TEP de alto risco estão em um espectro de gravidade (veja figura 1). O desenvolvimento dessa forma mais grave ocorre inicialmente por disfunção gradual do ventrículo direito (VD), seguido por comprometimento do ventrículo esquerdo (VE) e choque.

Figura 1
Critérios de instabilidade hemodinâmica no tromboembolismo pulmonar agudo
Critérios de instabilidade hemodinâmica no tromboembolismo pulmonar agudo

Na maioria das vezes, o choque apresenta-se com hipotensão. Contudo, em alguns casos, pode ocorrer hipoperfusão sem hipotensão absoluta. Em casos de deterioração, estes pacientes também podem ser considerados como alto risco e elegíveis para trombólise, mesmo sem hipotensão [3, 4].

Papel da ecocardiografia à beira-leito (POCUS)

O POCUS é uma ferramenta muito útil para o paciente com TEP de alto risco. Em um paciente instável, a ausência de sinais de sobrecarga de VD praticamente exclui o TEP como causa da instabilidade.

Figura 2
Marcadores ecocardiográficos de sobrecarga de ventrículo direito
Marcadores ecocardiográficos de sobrecarga de ventrículo direito

O POCUS também ajuda a reforçar a suspeita de TEP em um choque sem causa definida. Se o paciente está instável, tem alta probabilidade pré-teste de TEP e sinais inequívocos de sobrecarga de VD no POCUS (veja figura 2), a terapia de reperfusão está justificada. Essa alternativa é útil especialmente em cenários de impossibilidade de realização de angiotomografia [2].

Anticoagulação e trombólise

Segundo a diretriz da ESC, pacientes com probabilidade de TEP intermediária e alta pelo escore de Wells devem ser anticoagulados enquanto esperam os resultados dos exames diagnósticos. Esta recomendação considera o atraso comum no diagnóstico de TEP, em média de 2,4 horas em centros dos Estados Unidos. Além disso, há um potencial benefício de anticoagulação empírica. Isso ocorre principalmente quando o atraso esperado é maior que 2,3 horas para probabilidade intermediária e 20 minutos para probabilidade alta [5].

Inicialmente, a anticoagulação de escolha no pacientes de alto risco deve ser a heparina não fracionada (HNF) pela facilidade de manejo durante a trombólise. A infusão de HNF pode ser interrompida durante a administração do trombolítico e retornada após o seu término. Em casos de sangramento grave, há a possibilidade de reversão do anticoagulante com a protamina.

Existem dados de segurança que respaldam o início de heparina de baixo peso molecular (HBPM), fondaparinux e rivaroxabana após 24 horas da infusão do trombolítico em pacientes com evolução estável [6, 7].

Terapias de reperfusão

A trombólise sistêmica com dose completa é o tratamento inicial de escolha em pacientes com TEP de alto risco. Essa é a terapia mais estudada e é mais facilmente aplicável quando comparada a técnicas cirúrgicas. O maior benefício é nas primeiras 48 horas do início dos sintomas, mas pode ser considerada em até 14 dias do início do quadro [8].

O principal risco da trombólise é o sangramento grave, especialmente o intracraniano. Por conta desse risco, alguns estudos retrospectivos compararam doses menores com as doses completas de trombolítico. Um estudo recente comparou a dose de 50 mg de alteplase com a dose completa de 100 mg [9]. Os pacientes que receberam a dose de 50 mg tiveram maior chance de necessitar de nova dose de trombolítico ou cirurgia de resgate, sem que houvesse redução nos sangramentos ou na necessidade de transfusão. Portanto, a recomendação atual é de utilizar as doses completas, conforme especificado na tabela 2, sempre levando em consideração as contraindicações.

Tabela 2
Trombolíticos e doses no tromboembolismo pulmonar
Trombolíticos e doses no tromboembolismo pulmonar

A terapia direcionada por cateter, tanto com trombólise in situ quanto com tromboaspiração, é reservada para pacientes que falham com trombólise ou que tem contraindicação (recomendação classe IIa, diretriz da ESC 2019). A embolectomia cirúrgica também é recomendada em casos de resgate após trombólise ou com contraindicação ao trombolítico (recomendação classe I).

Lesão Renal Aguda no Paciente com Cirrose

Criado em: 03 de Abril de 2023 Autor: Luisa Sousa

Cirrose é uma condição grave e com muitas complicações próprias do quadro. A ocorrência de lesão renal aguda (LRA) nesses pacientes tem particularidades que tornam o manejo minucioso. O New England Journal of Medicine (NEJM) trouxe uma revisão sobre o tema em 2023 e aproveitamos para revisar também aqui neste tópico [1].

A lesão renal aguda no paciente com cirrose

Lesão renal aguda (LRA) é uma condição frequente nos pacientes com cirrose, ocorrendo em metade dos pacientes internados. Tem alta morbimortalidade, pode evoluir para doença renal crônica (DRC) e necessidade de transplante duplo (hepático e renal).

Pacientes com cirrose podem desenvolver um tipo específico de LRA, a síndrome hepatorrenal (SHR). Essa condição ocorre por conta de vasoconstrição renal intensa levando a hipoperfusão renal. Embora seja uma causa de LRA sempre lembrada na cirrose, a SHR não é a etiologia mais comum nessa população. A causa mais comum de LRA na cirrose é a hipovolemia (pré-renal) seguida das causas renais intrínsecas e depois a SHR.

A avaliação da função renal é imprecisa no paciente com cirrose. Eles têm menos massa muscular, mais desnutrição e menor produção de creatinina por conta da doença hepática. Todos esses fatores reduzem a creatinina e como ela é usada para estimar a taxa de filtração glomerular (TFG), esses pacientes podem ter a TFG superestimada.

Tabela 1
Classificação de lesão renal aguda do The 2012 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO)
Classificação de lesão renal aguda do The 2012 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO)

Em 2015, o International Ascitis Club elaborou um consenso para diagnóstico e manejo da LRA em pacientes com cirrose [2]. A diretriz foi modificada em 2019 com intuito de definir a SHR e caracterizá-la como SHR-LRA ou SHR-DRC em vez de classificá-la como tipo 1 ou 2 [3]. A classificação atual utiliza a definição de LRA da Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) [4] - tabela 1.

Abordagem da LRA no paciente com cirrose

Fluxograma 1
Fluxograma de manejo da lesão renal aguda (LRA) no paciente com diagnóstico de cirrose
Fluxograma de manejo da lesão renal aguda (LRA) no paciente com diagnóstico de cirrose

Ao identificar a LRA, a abordagem é semelhante a de outros pacientes com disfunção renal: história, exame físico e avaliação da urina. Sempre procurar ativamente medicações nefrotóxicas e possíveis focos infecciosos que justifiquem a LRA.

Duas classes de medicações que interferem na hemodinâmica renal são bastante utilizadas por pacientes com cirrose: betabloqueadores e diuréticos. Estas devem ser suspensas durante uma LRA. Um foco infeccioso que comumente leva a LRA é a peritonite bacteriana espontânea (PBE). Um paciente pode ter PBE mesmo sem sintomas como dor abdominal, febre e outros sinais infecciosos. A ocorrência de LRA em um paciente com cirrose e ascite já é motivo para paracentese e investigação de PBE.

O exame de urina com análise do sedimento urinário é usado para investigar a possibilidade das causas renais intrínsecas, como as glomerulopatias. A presença de hematúria e proteinúria sugerem essas causas. Um exame de imagem dos rins, em geral ultrassonografia, também é útil para avaliar a presença de hidronefrose (causas pós-renais) e sinais de cronicidade da lesão renal.

O próximo passo é a avaliação da volemia. Os pacientes podem ser divididos em três grupos: hipovolêmico, euvolêmico e hipervolêmico. Aqueles com sinais evidentes de hipervolemia se beneficiam de diuréticos. Os fracamente hipovolêmicos devem receber cristalóides.

Os pacientes euvolêmicos devem receber albumina via intravenosa na dose de 1 g/kg/dia (no máximo 100 g/dia) por 48 horas. Após a infusão, a função renal deve ser reavaliada. Essa intervenção tem poder diagnóstico e terapêutico. Se a função renal melhorar, a provável etiologia do quadro era uma LRA pré-renal por hipovolemia. Se não houver melhora e o sedimento urinário e a imagem não sugerirem uma etiologia, as possibilidades são uma SHR ou necrose tubular aguda (NTA).

A fração de excreção de sódio (FeNa) pode ser usada para ajudar a diferenciar hipovolemia e SHR de necrose tubular aguda. Normalmente, a FeNa esperada é menor que 1% em causas pré-renais. Como a cirrose ocasiona retenção de sódio persistente, o corte de FeNa para esses pacientes é mais baixo. Assim, uma FeNa menor que 0,1% é sugestiva de SHR ou hipovolemia em pacientes com cirrose.

O contexto também pode ajudar na diferenciação entre SHR e NTA. A SHR é considerada um estágio final da cirrose , então normalmente os pacientes que desenvolvem essa complicação tem cirrose em estágio avançado. Já a NTA muitas vezes vai ter um nefrotóxico ou uma infecção grave em conjunto.

Tratamento da SHR

A base do tratamento da SHR é a albumina intravenosa combinada ao vasoconstritor. Nesse momento já foi feito albumina 1 g/kg/dia por 48 horas, devendo agora ser mantida na dose de 20 a 40 g/dia.

A terlipressina é o vasoconstritor mais estabelecido. Comparado a noradrenalina, a terlipressina tem as vantagens de uso em bolus ou infusão contínua e pode ser administrada em enfermaria (veja mais no tópico "Droga Vasoativa na Síndrome Hepatorrenal").

Na disfunção renal grave, a decisão de iniciar a terapia renal substitutiva (TRS) deve ser bastante ponderada. Leva-se em consideração se o paciente é candidato ao transplante hepático, a presença de urgências dialíticas e o prognóstico geral. Os estudos sobre precocidade da TRS não incluíram pacientes cirróticos.

Algumas medidas podem ajudar a evitar LRA na cirrose, entre elas:

  • Manejo volêmico com uso de diurético baseando-se na perda ponderal dirigida
  • Em pacientes com indicação de uso de laxativos, titular a dose para no máximo 2 a 3 evacuações/dia
  • Reposição de albumina na dose de 6 a 8 gramas para cada litro de ascite removida em paracenteses acima de 5 litros
  • Reposição de albumina na peritonitonite bacteriana espontânea (1,5g/kg de albumina no 1° dia e 1 g/kg no 3° dia).

Hipertensão na Gestação

Criado em: 03 de Abril de 2023 Autor: João Mendes Vasconcelos

A hipertensão arterial na gestação é um problema crescente e associado a maus desfechos para a mãe e o bebê. O estudo CHAP, publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) em maio de 2022, investigou qual é a melhor meta de pressão nessa população. Este tópico revisa o tema e traz as atualizações do estudo [1].

Definição e riscos

Hipertensão arterial na gestação (HAG) é definida como uma pressão arterial sistólica (PAS) > 140 mmHg ou pressão arterial diastólica (PAD) > 90 mmHg em pelo menos duas medidas separadas pelo período mínimo de 4 horas. A HAG é considerada grave quando a PAS > 160 mmHg ou a PAD > 100 mmHg. A diferenciação entre hipertensão crônica, hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia e outros distúrbios hipertensivos gestacionais pode ser conferida na tabela 1.

Tabela 1
Distúrbios hipertensivos da gestação
Distúrbios hipertensivos da gestação

A incidência de HAG tem aumentado. Dois fatores têm participação nesse aumento: maior número de gravidezes acima dos 35 anos e maior prevalência de sobrepeso e obesidade.

A HAG é consistentemente associada a vários desfechos negativos para a mãe e o bebê. A mortalidade perinatal é duas a quatro vezes maior em gestações complicadas com HAG. Pacientes com HAG têm risco aumentado de várias disfunções orgânicas, eventos cardiovasculares maiores, complicações durante o parto, hospitalização prolongada e morte.

Metas e opções terapêuticas

O tratamento sempre foi recomendado para HAG grave e para pacientes com lesão de órgão alvo (doença renal crônica, por exemplo). A dúvida era se o tratamento deveria ser iniciado para HAG em valores não graves (PAS entre 140 mmHg e 160 mmHg e PAD entre 90 mmHg e 100 mmHg). De acordo com o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) em sua diretriz de 2020, após o início do tratamento as metas são PAS de 120 a 159 mmHg e PAD de 80 a 105 mmHg [2].

Estudos mais antigos com pequeno número de pacientes não encontraram claros benefícios de tratar pacientes com HAG não grave. Além disso, havia a preocupação de que a redução da pressão aumentasse o risco de hipoperfusão placentária, redução do crescimento e morte fetal.

O estudo CHIPS publicado no NEJM em 2015 comparou controle rigoroso - meta de PAD de 85 mmHg - e controle liberal - meta de PAD de 100 mmHg. Os autores não encontraram um aumento de eventos adversos fetais no grupo de controle rigoroso [3]. Também não houve diferença notável de desfechos maternos e fetais entre os grupos.

A diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) orienta as seguintes medicações como primeira linha para tratamento de HAG: metildopa, nifedipino de ação prolongada e betabloqueadores (exceto o atenolol) [4]. Medicações de primeira linha podem ser associadas caso a meta não seja atingida apenas com uma medicação. As medicações de segunda linha (tiazídicos, clonidina e hidralazina) também podem ser usadas caso o controle não seja atingido.

Pacientes gestantes com hipertensão são consideradas de alto risco para desenvolvimento de pré-eclâmpsia. Pela ACOG e pelo United States Preventive Service Task Force (USPSTF), essas pacientes se beneficiam do uso de ácido acetilsalicílico em baixa dose a partir da 12 semana para prevenir pré-eclâmpsia e outros desfechos negativos [5].

O que o trabalho acrescentou?

O estudo CHAP avaliou 2400 gestantes randomizadas para dois limiares diferentes de ínicio de tratamento de HAG :

  • Grupo de tratamento ativo: tratamento iniciado a partir de PA > 140/90 mmHg
  • Grupo controle: tratamento iniciado a partir de PA > 160/105 mmHg

Todas as pacientes foram incluídas antes da 23ª semana de gestação. O desfecho primário foi uma composição de pré-eclâmpsia, parto com menos de 35 semanas, ruptura prematura de placenta e morte fetal ou neonatal. A maior parte das pacientes recebeu labetalol (62%) ou nifedipino (36%) como drogas anti-hipertensivas.

O grupo tratamento ativo apresentou redução do desfecho composto quando comparado ao grupo controle (37% vs 30%). A maior parte da diferença foi derivada da redução de pré-eclâmpsia e parto pretermo. Não houve associação de restrição do crescimento fetal com o grupo de tratamento ativo e o peso placentário foi praticamente igual entre os dois grupos.

O número de pacientes necessário para tratar (NNT) para reduzir um desfecho primário foi de 14,7.

Os achados do estudo motivaram um posicionamento da ACOG orientando incorporar os resultados na prática e iniciar o tratamento de HAG a partir de 140/90 mmHg [6].