Novos Tratamentos de Tuberculose

Criado em: 10 de Abril de 2023 Autor: Frederico Amorim Marcelino

O tratamento de tuberculose envolve a combinação de antibióticos por um período prolongado, geralmente seis meses ou mais. Em março de 2023, o estudo TRUNCATE-TB foi publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) avaliando estratégias de tratamento mais curtas, de 8 semanas [1]. Aproveitamos a publicação para revisar as novas estratégias de tratamento de tuberculose.

Esquema de tratamento atual

Atualmente, o tratamento recomendado para tuberculose sensível a rifampicina envolve uma fase inicial de dois meses com quatro medicamentos : rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol, conhecidos como RIPE ou RHZE. Depois dessa fase inicial, há uma fase de manutenção de quatro meses com rifampicina e isoniazida. Em pacientes com tuberculose meningoencefálica e osteoarticular, a fase de manutenção é de 10 meses [2].

Esse esquema está associado a uma alta incidência de hepatotoxicidade e neuropatia. Além disso, o tempo prolongado requer recursos para acompanhamento e dificulta a aderência. Em casos de intolerância ou resistência, o tratamento se torna ainda mais longo, com a fase inicial de 6 a 8 meses e a fase de manutenção de 18 a 24 meses.

Novos tratamentos

Existem duas novas abordagens para tratar a tuberculose. A primeira é usar antibióticos que já eram usados para outras infecções, como linezolida e moxifloxacino. A segunda é usar medicamentos novos desenvolvidos especificamente para tratar a tuberculose, como bedaquilina, pretomanida e delamanida [3].

Há uma tendência mundial de diminuir o tempo de antibioticoterapia das principais infecções bacterianas (“shorter is better”) [4, 5]. Terapias mais curtas já foram testadas previamente para o tratamento de tuberculose. Uma revisão sistemática e metanálise da Cochrane de 1999 comparou tratamentos com duração maior de 6 meses com tratamentos menores [6]. O tratamento mais longo teve um pouco mais de sucesso, mas a diferença foi pequena, mostrando que alguns pacientes melhoram mesmo com tempos mais curtos de tratamento.

Em 2021 um estudo publicado no NEJM encontrou que um esquema de tratamento com rifapentina, isoniazida, moxifloxacino e pirazinamida por 4 meses é não-inferior ao esquema básico em adultos [7]. As tentativas de encurtar o tratamento também estão tendo sucesso na tuberculose resistente, situação em que a princípio o tratamento é ainda mais prolongado. Em 2022, outro estudo também publicado no NEJM mostrou que um esquema composto apenas por drogas orais - bedaquilina, pretomanide, moxifloxacino e linezolida - por 6 meses foi bem sucedido no tratamento de tuberculose resistente [8].

O que o estudo encontrou?

O estudo TRUNCATE-TB foi randomizado, open-label, multinacional, adaptativo, fase 2-3 e de não-inferioridade. Foram testadas 4 estratégias de tratamento, cada uma com 5 drogas, por 8 semanas em comparação com o esquema básico. Durante o estudo, duas dessas estratégias foram mantidas - rifampicina + linezolida e bedaquilina + linezolida - ambas adicionadas de isoniazida, pirazinamida e etambutol. Caso o paciente mantivesse sintomas e/ou escarro positivo, o tratamento poderia ser estendido para 12 semanas. O desfecho primário foi uma composição de morte, necessidade de manter o tratamento ou doença ativa após 96 semanas.

Apenas a estratégia de bedaquilina, linezolida, isoniazida, pirazinamida e etambutol se demonstrou não-inferior ao esquema padrão.

Não houve diferença significativa em relação aos efeitos adversos graves (grau 3 ou 4) entre os grupos. Ambos apresentaram uma taxa alta, cerca de 16%. Efeitos grau 3 são graves ou clinicamente significantes, mas não são ameaçadores à vida, enquanto grau 4 são ameaçadores à vida. Dos pacientes que usaram a estratégia não-inferior, 86% conseguiram terminar o tratamento em 8 semanas. Um ponto negativo foi a necessidade de retratamento, 13% com o esquema com bedaquilina e linezolida e 3% com o esquema básico (informações disponíveis no apêndice suplementar do artigo).

O que esse trabalho muda na prática?

Apesar das pesquisas promissoras com tratamentos curtos para tuberculose, o Ministério da Saúde do Brasil ainda indica o esquema padrão para tratamento de tuberculose. Ainda não há recomendação de utilizar tratamentos mais curtos, mas linezolida, moxifloxacino, bedaquilina e delamanida estão disponíveis no SUS para pacientes em esquema de tratamento de tuberculose resistente [9].

Hepatite Alcoólica

Criado em: 10 de Abril de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

O álcool é uma das principais causas de doença hepática no mundo. Em dezembro de 2022, o New England Journal of Medicine (NEJM) publicou uma revisão de hepatite associada ao álcool trazendo novos conceitos sobre estratificação de risco e tratamento dessa patologia [1]. Neste tópico revisamos esse tema.

O que é hepatite alcoólica?

As manifestações hepáticas do uso de álcool variam desde a ausência de sintomas, passando pela hepatite e podendo evoluir com cirrose. A presença de hepatite está relacionada com outras disfunções orgânicas e aumento de mortalidade. Geralmente, pessoas com hepatite alcoólica têm um histórico prolongado e excessivo de consumo de álcool. No entanto, não está claro qual a relação exata entre a quantidade total ou padrão de consumo de álcool e o desenvolvimento da doença.

Existem três principais explicações fisiopatológicas para a ocorrência de hepatite associado ao uso de álcool:

  • Eixo intestino-fígado: o consumo de álcool aumenta a permeabilidade intestinal, ocasionando disbiose local que aumenta a taxa de infecções e inflamação.
  • Disfunção do hepatócito: a transformação de etanol em acetaldeído ocasiona inflamação hepática, peroxidação lipídica e ativação de células fibrogênicas.
  • Perpetuação da disfunção: o processo inflamatório pode persistir, ocasionando disfunção imune e progressão da disfunção hepática, que pode evoluir para disfunção de múltiplos órgãos e morte.

A mortalidade de hepatite alcoólica é de 3 a 7% em 1 a 3 meses, indo de 13 a 20% em 1 ano.

Manifestações clínicas

O paciente geralmente se apresenta com icterícia, ascite e edema. Desnutrição e sarcopenia podem ocorrer pelo uso crônico de álcool. A inflamação hepática pode levar a hepatomegalia dolorosa em alguns pacientes. A doença ocasiona hipertensão portal, podendo levar a sangramento de varizes esofágicas, especialmente quando existe cirrose associada.

Encefalopatia é um achado comum e significa que o paciente tem pior prognóstico. A ocorrência de confusão mental nesse contexto tem vários diagnósticos diferenciais como abstinência, deficiências nutricionais, demência prévia e crises epilépticas.

Os pacientes podem ter sinais inflamatórios, como febre e neutrofilia. Devido a alta incidência de infecções nesta população e aos sinais inflamatórios já presentes pela hepatite, muitas vezes inicia-se antibióticos empiricamente até a evolução ficar mais clara e um foco infeccioso ser definido ou descartado.

Diagnóstico

Um dos critérios diagnósticos utilizados é o da National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA) que envolve [2]:

  • Icterícia há menos de 8 semanas
  • Uso de álcool: mais de 3 doses de álcool por dia para mulheres e 4 doses por dia para homens, por seis meses ou mais. Não pode estar há mais de 60 dias em abstinência. Uma dose de álcool tem 14 gramas de álcool, o que equivale a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de destilado.
  • Bilirrubina > 3 mg/dL
  • TGO > 50 UI/L, com uma relação TGO/TGP > 1.5, e ambos os valores abaixo de 400 IU/L
  • Descartado outras causas como hepatite isquêmica ou medicamentosa

Exames de imagem auxiliam a afastar obstrução biliar e exames laboratoriais adicionais devem ser solicitados se houver suspeita de hepatite auto-imune, doença de Wilson e hepatites virais.

A biópsia hepática pode ser útil em casos de dúvida diagnóstica.

Tratamento

Um dos objetivos do tratamento é a abstinência alcóolica. Se manter em abstinência é o fator que mais influencia no prognóstico. Mais da metade dos pacientes retorna ao uso do álcool após a alta. Veja mais sobre no tópico "Baclofeno para Transtorno por Uso de Álcool".

Escores prognósticos são úteis para decidir se o paciente se beneficia de internação e guiar a terapia medicamentosa. Alguns escores são MELD, escore de Maddrey, ABIC e o escore de hepatite alcoólica de Glasgow. O mais recomendado é o MELD.

Os corticóides são recomendados para tratar hepatite alcoólica, embora o benefício pareça ser transitório. Uma metanálise de 2018 encontrou benefício na sobrevida em 30 dias, porém sem benefício em 60 e 90 dias [3]. A melhor janela para iniciar os corticóides é quando o MELD está acima de 20 e abaixo de 39. O escore de Lille é aplicado em pacientes em vigência de corticoide para analisar se houve resposta e assim decidir se a terapia deve ser continuada. Tradicionalmente o escore deve ser calculado no sétimo dia, mas alternativamente pode ser calculado no quarto dia. Veja o fluxograma 1.

Fluxograma 1
Fluxograma de manejo de hepatite alcoólica
Fluxograma de manejo de hepatite alcoólica

De acordo com a revisão do NEJM, já existem estudos suficientes que mostram que a pentoxifilina não oferece benefícios no tratamento da hepatite alcoólica. Por outro lado, a adição de n-acetilcisteína pode ser benéfica, mas ainda são necessários mais estudos para determinar se seu uso deve ser recomendado.

A revisão também cita que em alguns centros é possível realizar transplante hepático para pacientes não respondedores ao corticoide. O risco de recaída ao uso de álcool após o transplante é o principal fator que impede essa terapia. O escore SALT estima a probabilidade de retorno ao uso de álcool, porém a indicação de transplante ainda deve variar conforme os serviços e a cultura local.

Deve-se manter a vigilância para infecções, desnutrição e abstinência alcoólica. Em casos de cirrose, é importante estar atento a complicações como encefalopatia, síndrome hepatorrenal e hemorragias digestivas.

Transtornos de Personalidade

Criado em: 10 de Abril de 2023 Autor: Raphael Coelho

Pessoas com padrões de comportamento extremos e disfuncionais podem ter um transtorno de personalidade. Nos últimos 6 meses, foram publicadas duas revisões sobre o tema no New England Journal of Medicine (NEJM) e no Journal of The American Medical Association (JAMA) [1, 2]. Esse tópico traz um resumo das principais informações sobre esse tema.

O que é um transtorno de personalidade?

Tendências cognitivas, emocionais e comportamentais de um indivíduo constituem o caráter único de uma pessoa, chamado de personalidade. Algumas pessoas têm padrões de comportamento extremos e disfuncionais, com dificuldades na autorregulação. Essas pessoas têm dificuldades de desempenho no trabalho, na escola e em relacionamentos. Do ponto de vista psiquiátrico, isso configura um transtorno de personalidade [3].

Para caracterizar o diagnóstico, é obrigatório que o padrão se desvie muito em relação ao que é esperado culturalmente e que cause prejuízo funcional ou sofrimento significativos. Além disso, o comportamento precisa ser estável e de longa duração. Ocorrência concomitante de outros transtornos mentais é comum e precisa ser avaliada.

É importante coletar informações junto aos familiares e pessoas que convivem com o paciente, pois em algumas situações o paciente pode não perceber que certos comportamentos são um problema e não relatá-los durante as consultas.

Quais são os transtornos de personalidade?

Existem duas formas de abordar os transtornos de personalidade.

A abordagem categórica classifica os transtornos em síndromes clínicas distintas. O DSM-5 descreve 10 categorias que podem ser vistas na tabela 1.

Tabela 1
Abordagem categórica dos transtornos de personalidade pelo DSM-5
Abordagem categórica dos transtornos de personalidade pelo DSM-5

O problema com essa abordagem é que os critérios são arbitrários e não levam em consideração a diversidade e a gravidade dos sintomas. Muitos pacientes podem apresentar sintomas que se encaixam em mais de um transtorno ou apresentar traços de personalidade disfuncionais que não se encaixam em nenhuma das categorias existentes. Além disso, essa classificação tem uma capacidade limitada de prever a eficácia do tratamento a partir do diagnóstico do transtorno.

A abordagem dimensional é a segunda forma de classificação. Essa abordagem leva em consideração que há um espectro entre personalidades normais e anormais e descreve os funcionamentos da personalidade em um gradiente de gravidade. Os transtornos são caracterizados por prejuízos no funcionamento e por traços de personalidade patológicos (tabela 2).

Tabela 2
Modelo alternativo DSM-5 - critérios essenciais para transtorno de personalidade
Modelo alternativo DSM-5 - critérios essenciais para transtorno de personalidade

O DSM-5 traz um sistema diagnóstico novo, chamado de alternativo, que combina as duas abordagens, categórica e dimensional. O CID-11 segue a linha desse modelo, mas descarta todas as categorias de transtornos, menos o transtorno de personalidade borderline.

Transtorno de personalidade borderline

Esse é o transtorno de personalidade mais diagnosticado no cenário clínico e o que tem a melhor qualidade de evidência na literatura.

Esse transtorno é caracterizado por um padrão persistente de mudanças abruptas na autoimagem, relações interpessoais e afetos, além de impulsividade acentuada. O paciente tem autoimagem, metas de vida e valores instáveis. Há comprometimento na habilidade de reconhecer sentimentos e necessidades dos outros (empatia) e os relacionamentos são conflituosos, instáveis e intensos.

O padrão mais comum é o de instabilidade crônica no início da vida adulta, com episódios graves de descontrole afetivo e impulsivo. Há uma oscilação entre extremos de idealização (visões positivas de si e dos outros) e desvalorização (visões negativas de si e dos outros).

Tipicamente a pessoa tem intensa ansiedade e irritabilidade. Outros sintomas são raiva intensa, sentimento de vazio crônico, comportamento suicida recorrente, automutilação, esforços extremos para evitar ser abandonado e, transitoriamente, ideação paranóide ou sintomas dissociativos graves relacionados a estresse.

É comum o paciente manifestar outros transtornos mentais como ansiedade, transtornos do humor, transtorno do uso de substâncias e transtorno de estresse pós-traumático.

Tabela 3
Abordagem na atenção básica do transtorno de personalidade borderline
Abordagem na atenção básica do transtorno de personalidade borderline

A tabela 3 traz sugestões do artigo do JAMA de como abordar a condição na atenção primária e a tabela 4 algumas perguntas que auxiliam no diagnóstico.

Tabela 4
Perguntas para diagnóstico do transtorno de personalidade borderline
Perguntas para diagnóstico do transtorno de personalidade borderline

A prevalência de transtorno de personalidade borderline é estimada em torno de 2% da população. O impacto na vida das pessoas é muito grande. Apenas 16% das pessoas com borderline relataram ter um parceiro e somente 35% tinham bom desempenho no trabalho ou escola. A taxa média de suicidio é de 4% e mais de 75% dos pacientes com o transtorno tentaram se suicidar.

Não existe um modelo neurobiológico que explique o transtorno de personalidade borderline. Parece haver interações entre fatores genéticos e ambientais, como negligência emocional, maus tratos na infância e educação dura e insensível dos pais.

O tratamento deve ser feito com psicoterapia, que parece ser efetiva, segundo revisão recente da Cochrane [4]. Existem diversos protocolos desenvolvidos e os mais utilizados são a terapia comportamental dialética e a terapia baseada na mentalização. Medicamentos não são eficazes para esse transtorno. Os medicamentos devem ser indicados apenas para tratar sintomas ou outros transtornos coexistentes como depressão, ansiedade, impulsividade e psicose.

A gravidade do quadro tende a diminuir com o tempo, com taxas de remissão em torno de 50% a 60%.