Abordagem à Elevação de Enzimas Hepáticas

Criado em: 06 de Junho de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

Marcadores de lesão e função hepática são exames comuns dentro e fora do hospital. Aproveitando uma revisão recente, vamos aprofundar no assunto [1].

Quais os principais marcadores de lesão e função hepática?

Aspartato aminotransferase (AST/TGO) e alanina aminotransferase (ALT/TGP) são conhecidas como transaminases. São marcadores de lesão hepatocelular, mas podem estar presentes em outros tecidos (ex.: músculo). A ALT é mais específica para lesão hepática do que a AST. Os valores de normalidade variam conforme o laboratório.

Fosfatase alcalina (FA) e gama-glutamil transferase (GGT) são enzimas presentes no trato biliar. FA também está presente no osso e GGT em vários outros tecidos (ex.: pâncreas, rim, vesículas seminais). A elevação de GGT é indicativa para doença biliar quando há elevação de outros marcadores de lesão em conjunto.

Albumina é uma proteína utilizada como marcador de função hepática. Várias outras causas podem reduzir a albumina. Essa proteína é considerada um marcador inflamatório negativo, pois está reduzida em inflamação sistêmica. O valor de normalidade está entre 3,5 e 5.

O INR/TAP reflete a atividade de fatores de coagulação produzidos no fígado. Também é um marcador de função. O TTPa não aumenta tanto quanto o TAP. A razão é que o fator VIII e o fator de von Willebrand (envolvidos no TTPa) são produzidos em outros órgãos além do fígado. TAP e TTPa não são marcadores fidedignos do risco de sangramento em pacientes cirróticos.

A bilirrubina não é um marcador de função propriamente. Contudo, sua excreção e conjugação estão relacionadas à função hepática como um todo.

Reconhecendo padrões de elevação

Para interpretar os marcadores de lesão hepática é necessário reconhecer o padrão da alteração.

A primeira etapa é dividida em padrão hepatocelular (predomínio de AST e ALT) e colestático (FA e GGT). O segundo passo é classificar em agudo ( < 6 semanas), subagudo (6 semanas e 6 meses) ou crônico (> 6 meses).

Nem sempre é fácil identificar o padrão. Todas as enzimas se elevam em conjunto e possuem valores de referência diferentes. Um valor de 60 é alto para ALT, mas é normal para FA.

Tabela 1
Razão R - Fórmula e interpretação
Razão R - Fórmula e interpretação

Para auxiliar na comparação, deve-se utilizar o limite superior da normalidade (LSN). O valor do exame deve ser dividido pelo LSN, com o objetivo de saber quantas vezes acima do LSN está aumentado. Em seguida, compara-se o valores de ALT e FA na razão R, expressa na Tabela 1 (use também esta calculadora para a Razão R).

Padrão hepatocelular e colestático

O padrão hepatocelular pode ser dividido em leve ( < 5x o LSN), moderado (entre 5 e 15x o LSN), grave (> 15x o LSN). Apesar da nomenclatura, o nível de elevação não se correlaciona bem com gravidade, porém auxilia no diagnóstico diferencial.

Aumentos leves são comuns na prática. Em geral são por medicações, álcool ou doenças hepáticas crônicas. Aumentos moderados a graves ocorrem por exacerbações agudas de doenças hepáticas (especialmente hepatite B, doença de Wilson, hepatite viral aguda e hepatite autoimune), lesão hepática induzida por droga (DILI) e lesão hepática isquêmica. Em casos de obstrução biliar, aumentos expressivos podem ocorrer, resolvido rapidamente após alívio do fator obstrutivo.

O padrão colestático se caracteriza pelo aumento de FA. A GGT é utilizada para corroborar que a origem da FA é colestase e não doença óssea. Obstruções anatômicas e doenças autoimunes são as causas que mais levam a esse padrão.

Como abordar estas alterações?

A primeira etapa é sempre perguntar sobre uso de medicações, fitoterápicos, drogas e álcool.

Se o padrão for hepatocelular, sorologias virais e ultrassonografia (USG) são a primeira linha de investigações. O USG auxilia na busca por DHGNA (doença hepática gordurosa não alcoólica) e doenças macroscópicas (abscessos, litíase) que eventualmente podem elevar as transaminases. Caso esses exames não esclareçam, doenças autoimunes são os próximos suspeitos.

Se o quadro se mantiver obscuro, doenças raras como doença de Wilson e deficiência de alfa-1 antitripsina devem ser procuradas. Por fim, se as transaminases se mantiverem elevadas e nenhum exame tiver esclarecido, a biópsia deve ser considerada.

Se o padrão for colestático, a hipótese inicial é uma obstrução anatômica. O USG costuma ser o primeiro exame, mas a colangioressonancia e a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) podem auxiliar. Caso nenhum fator anatômico seja encontrado, uma causa intra-hepática de colestase devem ser responsáveis pelo quadro. O anticorpo antimitocôndria (AMA) deve ser solicitado nesse cenário. Outras etiologias devem ser consideradas se o quadro se mantiver obscuro, como: nutrição parenteral total, drogas, colestase da gravidez.

Pré-Eclâmpsia

Criado em: 06 de Junho de 2022 Autor: Kaue Malpighi

Pré-eclâmpsia complica até 2 a 4% das gravidezes globalmente, sendo associada a uma alta carga de morbimortalidade materna e fetal. Em maio de 2022, saiu uma revisão sobre pré-eclâmpsia com foco em fisiopatologia, diagnóstico e tratamento [1]. Assim, vamos comentar os principais pontos aqui:

O que é pré-eclâmpsia?

A condição primordial para ocorrer pré-eclâmpsia é o desbalanço uteroplacentário, onde a oferta de sangue está reduzida pela redução do fluxo e a demanda está aumentada pelo sofrimento placentário e fetal. Este desbalanço ocasiona desregulação endotelial e inflamação sistêmica, o que gera as manifestações clínicas da doença.

Um terço dos casos de pré-eclâmpsia ocorre antes de 37 semanas (gestação pré-termo) e está associado a maior risco materno-fetal. Estes casos estão associados a placentação anormal, com modificação inadequada das artérias espirais e inadequado desenvolvimento viloso.

Tabela 1
Fatores de Risco para Pré-Eclâmpsia
Fatores de Risco para Pré-Eclâmpsia

A maioria dos casos acontecem após 37 semanas (gestação a termo), que pode ou não estar associado a placentação anormal. Em casos de placentação normal, fatores de risco (tabela 1) costumam estar presentes.

Estes mecanismos patogênicos podem coexistir tanto em casos pré-termo quanto em casos a termo.

Como prevenir?

Podemos utilizar o modelo de avaliação de risco da Fetal Medicine Foundation (FMF) para avaliar o risco de pré-eclâmpsia. A avaliação de risco deve ser continuada durante a gravidez, conforme a calculadora de risco.

Figura 1
Prevenção de Pré-Eclâmpsia
Prevenção de Pré-Eclâmpsia

Medidas de prevenção incluem (figura 1):

  • Exercício - Ao menos 140 minutos por semana, de moderada intensidade.
  • Aspirina - Doses de 100 a 162 mg por dia em pacientes de alto risco a partir da 11ª semana com maior benefício em redução de risco de pré-eclâmpsia pré-termo [2]. Por um leve aumento de risco de sangramento periparto, pode ser descontinuada na 36ª semanas.
  • Cálcio - Em dose baixa (500mg) ou alta (>1g), com benefício em subgrupo de pacientes com baixo ingestão diária ( < 900mg por dia).

Terapias de incerteza - Estatinas, ácido fólico e heparina de baixo peso molecular.

Como diagnosticar?

A definição tradicional de pré-eclâmpsia inclui novo diagnóstico de hipertensão e proteinúria após a 20ª semana de gravidez. Porém, há consenso de mudar esta definição para abranger outras formas de apresentação.

Assim, a International Society for the Study of Hypertension in Pregnancy (ISSHP) de 2021 ampliou a definição de pré-eclâmpsia para nova hipertensão (PAS>=140 mmHg ou PAD >= 90 mmHg) após 20ª semana associado a [3]:

  • Proteinúria - Dipstick com ++ ou mais, proteinúria/creatinúria>= 30 mg/mmol, albumina/creatinina>= 8 mg/mmol ou >= 300mg/24 horas
  • ou
  • Outra disfunção orgânica maternal: complicações neurológicas (eclâmpsia, alteração do nível de consciência, alteração visual, escotoma persistente, AVC), edema pulmonar, alteração hematológica (plaquetopenia, hemólise, CIVD), lesão renal aguda ou lesão hepática
  • ou
  • Marcadores séricos (fatores angiogênicos de crescimento placentário) ou ultrassonográficos de disfunção placentária.

Em pacientes com hipertensão crônica, a presença de qualquer uma destas disfunções já indica pré-eclâmpsia.

Qual o tratamento?

Manejo ambulatorial pode ser considerado em pacientes que não apresentem hipertensão grave e sem sinais de lesão materno-fetal, sempre a critério da equipe de obstetrícia.

O risco de eventos desfavoráveis pode ser estimado pelo modelo FULLPiers.

A resolução da pré-eclâmpsia se inicia com o parto, podendo apresentar riscos até o 3º dia pós-parto principalmente. Na ausência de complicações graves, deve-se esperar o termo (> 37 semanas) para a resolução da gestação. Em casos de alto risco de mortalidade fetal e materna, a escolha de antecipar o parto deve ser feita pelo obstetra.

Atualmente, não há medicamentos modificadores de doença em casos de pré-eclâmpsia estabelecida.

Tabela 2
Tratamento de Hipertensão Grave na Pré-Eclâmpsia
Tratamento de Hipertensão Grave na Pré-Eclâmpsia

Em casos de hipertensão grave (PAS>=160 mmHg ou PAD>=110 mmHg), a meta deve ser reduzir abaixo destes níveis em até 180 minutos. Nestes casos, podemos usar Labetalol, Nifedipino, Hidralazina ou Metildopa, conforme tabela 2.

Em casos de hipertensão não grave, a meta é uma PA abaixo de 135/85 mmHg, com reavaliação semanal , sendo o Labetalol, Nifedipino e Metildopa as medicações de escolha.

Sulfato de Magnésio é recomendado para pacientes com diagnóstico de pré-eclâmpsia com hipertensão grave e qualquer lesão de órgão-alvo.

Lesão Renal Aguda Induzida por Drogas

Criado em: 06 de Junho de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Medicamentos são uma das principais causas de lesão renal aguda, podendo corresponder de 14 a 26% de todas as causas, a depender da coorte. Uma revisão traz as principais drogas, divididas em 3 principais mecanismos: Lesão Tubular, Nefritite Intersticial e Nefropatia por Cristais [1]. Vamos ver os pontos principais:

Lesão Tubular Aguda

Ajustes para função renal e a interrupção do medicamento assim que possível na suspeita de que ele está causando lesão renal aguda são medidas essenciais para evitar ou diminuir a nefrotoxicidade.

Tenofovir - Conhecido por fazer lesão tubular, simulando uma síndrome de Fanconi, o Tenofovir também pode evoluir para lesão renal aguda. Porém, o Tenofovir alafenamide (diferente do padrão que é tenofovir disproxil) causa menos lesão tubular já que sua conversão em droga ativa ocorre dentro de linfócitos, diminuindo sua concentração plasmática.

Aminoglicosídeo - relacionado a tempo de exposição, outros nefrotóxicos e comorbidade do paciente:

  • A lesão renal aguda associada a aminoglicosídeos é geralmente não oligúrica, com níveis variados de poliúria, podendo se associar a hipomagnesemia.
  • Além de lesão renal aguda, essa classe pode fazer clínica semelhante à síndrome de Fanconi e síndrome de Bartter.
  • Dose única pode reduzir o risco de lesão renal aguda.

Vancomicina:

  • Formulações modernas causam menos nefrotoxicidade, porém algumas associações ainda podem ser perigosas, como a que ocorre com Piperacilina+Tazobactam (PT).
  • Existem meta-análises que mostraram maior lesão renal aguda dessa combinação quando comparado com o Vancomicina e outros beta-lactâmicos. Ainda não se tem certeza se isso não é devido a elevação falsa de creatinina provocado pela PT, mas alguns trabalhos com outros marcadores apontam para uma lesão renal verdadeira.
  • O nível de vancocinemia no nível terapêutico (15 a 20), pode estar relacionado a menor taxa de lesão renal aguda, porém os estudos são observacionais, levantando a dúvida se a lesão renal aguda pode ser por outro motivo, e a queda da filtração aumentou os níveis séricos de vancomicina.

Ainda completam a lista quimioterápicos como Cisplatina e Ifosfamida; bifosfonatos como ácido zoledrônico e pamidronato; anfotericina B e AINE.

Nefrite Intersticial Aguda (NIA)

Mais de 120 medicamentos estão relacionados com NIA, porém os mais comuns são inibidores de bomba de próton, antibiótico, AINE e inibidores de Checkpoint.

As manifestações de alergia como rash, febre e eosinofilia são incomuns e essa ausência dificulta o diagnóstico de NIA. Esse fenômeno de poucos sintomas alérgicos é visto na NIA secundária a AINE.

Inibidores de checkpoint (IC) são medicamentos novos que estão aumentando sua prevalência de maneira gradual no tratamento oncológico, e o grande desafio é saber se esse medicamento pode retornar após a NIA se resolver, pois até 16% dos pacientes com NIA secundária aos ICs podem ter recorrência.

O risco de dano permanente é maior na NIA do que em outros tipos de lesão renal, podendo evoluir para Doença Renal Crônica em até 50% dos casos em alguns estudos.

O tratamento padrão de NIA é descontinuar a droga, mas o grande momento de discussão é o momento de iniciar o corticóide. Não é o consenso o início precoce de corticoide mas quando indicado, a dose de 1mg/kg de prednisona oral foi tão boa quanto doses superiores intravenosas.

Nefropatia por Cristais

Menos comum que lesão tubular e nefrite intersticial, a nefropatia por cristais é uma causa estabelecida de lesão renal aguda associada à medicação. A presença de cristais na urina pode já sinalizar essa como a causa da lesão renal aguda, podendo até evitar biópsia.

Tabela 1
Nefropatia por Cristais Induzida por Drogas
Nefropatia por Cristais Induzida por Drogas

É possível evitar a lesão renal aguda modificando o pH urinário em alguns medicamentos, já que alguns cristais se precipitam com maior facilidade em meios ácidos ou alcalinos. Desidratação e doença renal prévia também são fatores que influenciam na formação de nefropatia por cristais. Alguns exemplos de medicamentos que podem causar nefropatia por cristas estão na tabela 1.