Rastreio de Câncer de Próstata

Criado em: 08 de Maio de 2023 Autor: Raphael Coelho

Um assunto muito debatido na literatura urológica é o rastreio de câncer de próstata. Neste tópico, trazemos o estudo GÖTEBORG-2 que avaliou o uso da ressonância magnética para selecionar a indicação de biópsias de próstata. Aproveitamos e revisamos o tema [1].

Quem poderia se beneficiar do rastreio de câncer de próstata?

O câncer de próstata é a segunda maior causa de morte por câncer entre homens no Brasil. Apesar de ser um câncer muito prevalente, a letalidade não é alta em comparação com outras neoplasias [2].

Estudos de autópsia indicam que até 30% dos homens com 50 anos e 70% dos homens com 70 anos têm câncer de próstata. Na maior parte das vezes, essas neoplasias não haviam sido identificadas em vida. Esses dados sugerem que o risco de sobrediagnóstico é alto [3].

Uma revisão da Cochrane de 2018 investigou o rastreio do câncer de próstata [4]. Incluindo 5 ensaios clínicos randomizados com mais de 720 mil homens, o estudo encontrou que o rastreio se associa a um maior número de diagnósticos de câncer e detecção de doenças menos avançadas, mas sem benefício de sobrevida.

Tabela 1
Acompanhamento do estudo ERSPC de rastreio de câncer de próstata
Acompanhamento do estudo ERSPC de rastreio de câncer de próstata

O estudo ERSPC incluiu mais de 180 mil homens e viu uma diferença significativa de mortalidade por câncer devido ao rastreio a cada 2 a 4 anos [5]. O protocolo incluiu homens de 50 a 74 anos e indicava biópsia de próstata caso o PSA fosse maior do que 3 ou 4 ng/mL (o valor de corte dependia do centro). Os pacientes deste estudo seguem sendo acompanhados e o NNT está caindo ao longo do tempo, indicando que o benefício se amplia de acordo com a sobrevida dos pacientes, conforme indica a tabela 1. Segundo os dados deste estudo, o rastreio sistemático pode reduzir a mortalidade, mas com sobrediagnóstico.

Tabela 2
Recomendações sobre populações alvo no rastreio de câncer de próstata
Recomendações sobre populações alvo no rastreio de câncer de próstata

A USPSTF considera que o tratamento do câncer em estágio inicial detectado por rastreio provavelmente diminui a chance de progressão clínica e de doença metastática e talvez reduza a mortalidade. A tabela 2 traz recomendações sobre as populações alvo que poderiam se beneficiar com o rastreio do câncer de próstata [6-8, 9].

Como conversar com o seu paciente sobre o rastreio?

Tabela 3
Sugestão do INCA para discussão sobre rastreio do câncer de próstata
Sugestão do INCA para discussão sobre rastreio do câncer de próstata

A Cartilha do INCA simplifica a discussão em 2 tópicos sobre benefícios e 2 sobre os riscos do rastreio de câncer de próstata (tabela 3) [10]. Outra maneira de conversar sobre o rastreio é trazendo dados dos grandes estudos, como na tabela 4, traduzida do documento da USPSTF.

Tabela 4
Dados para auxílio na tomada de decisão no rastreio do câncer de próstata
Dados para auxílio na tomada de decisão no rastreio do câncer de próstata

Como fazer o rastreio?

O rastreio deve ser feito com a dosagem de PSA. A USPSTF não recomenda o toque retal, considerando que a maior parte dos trabalhos excluiu esse exame e não existe evidência de benefício [6]. Já a diretriz europeia de urologia recomenda PSA e toque retal, pois acredita que a baixa acurácia nos diagnósticos ocorre na atenção primária provavelmente por inexperiência dos examinadores [11].

Quanto maior o valor do PSA, maior é o risco de câncer de próstata e de cânceres mais agressivos. Nos Estados Unidos, PSA > 4 ng/mL é indicação de biópsia. Já na Europa, quando PSA > 3 ng/mL indica-se a biópsia.

O maior problema do rastreio é o diagnóstico de cânceres de baixo risco e as complicações relacionadas ao tratamento. Isso ocorre pela alta prevalência de cânceres de próstata indolentes, de crescimento lento ou que não progridem [6].

Quatro estratégias podem diminuir os malefícios relacionados ao rastreio:

  • Identificar pacientes de grupos de risco
  • Individualizar o intervalo de um novo teste - Pacientes com PSA < 1 ng/mL e 40 anos de idade ou < 2 ng/mL e 60 anos de idade podem adiar a repetição do PSA em até 8 anos.
  • Melhorar as indicações da biópsia usando calculadoras de risco ou ressonância magnética (RM) - As calculadoras de risco devem ser adequadas à população estudada. A coorte ERSPC gerou a seguinte calculadora e na coorte PCPT foi utilizada esta segunda ferramenta.
  • Biópsias guiadas e aplicação de vigilância ativa para doenças de baixo risco.

O que o estudo pode mudar no rastreio?

O estudo GÖTEBORG-2 utilizou a ressonância magnética para tentar melhorar as indicações de biópsia e para guiar o procedimento da biópsia.

Dezoito mil homens de 50 a 60 anos foram randomizados em dois grupos. Todos os participantes faziam rastreio com PSA e realizavam RM se PSA > 3 ng/mL. O grupo intervenção ia para biópsia guiada apenas se houvesse uma lesão PI-RADS 3 ou mais ( escala radiológica que vai de 1 a 5 que indica o grau de suspeição da lesão). O grupo de referência realizava biópsia independente dos achados da RM. Todos os pacientes com PSA acima de 10 ng/mL eram biopsiados, independentemente dos resultados da RM.

Menos pacientes do grupo intervenção tiveram diagnóstico de câncer de próstata clinicamente insignificante, em comparação com o grupo de referência. A incidência de câncer de próstata clinicamente insignificante foi de 0.6% no grupo da biópsia guiada e 1.2% no grupo da biópsia sistemática, uma diferença de -0.7% (95% IC -1,0 a -0.4; risco relativo, 0.46; 95% IC, 0.33 a 0.64; P < 0.001). Não houve diferença significativa no diagnóstico de câncer clinicamente significativo.

O critério de câncer clinicamente insignificante foi a escala de Gleason 3+3 ou ISUP 1. Dez pacientes foram diagnosticados com cânceres clinicamente significativos que não foram vistos na RM. Seis desses pacientes fizeram vigilância ativa (não houve intervenção).

Introduzir a RM antes da biópsia em pacientes com PSA entre 3 e 10 poderia reduzir pela metade o risco de detecção de cânceres insignificantes. Essa estratégia pode reduzir o número de biópsias e suas complicações, com um custo de perder um número pequeno de cânceres clinicamente significativos.

Fluxograma 1
Fluxograma para rastreio de câncer de próstata
Fluxograma para rastreio de câncer de próstata

O fluxograma 1 traz uma sugestão de como fazer o rastreio do câncer de próstata.

Diretriz de 2023 de Prognóstico Neurológico Pós Parada Cardiorrespiratória

Criado em: 08 de Maio de 2023 Autor: João Urbano

O prognóstico neurológico pós parada cardiorrespiratória (PCR) é um desafio comum na terapia intensiva. Em março de 2023, a Neurocritical Care Society publicou uma diretriz de recomendações para a avaliação do prognóstico neurológico em pacientes que permanecem comatosos após PCR [1]. Revisamos este tema neste tópico.

Qual é a importância de prognosticar pacientes pós PCR?

De acordo com dados dos EUA, poucos pacientes com uma PCR abortada têm alta hospitalar - cerca de 9% das PCR extra-hospitalares e 27% das PCR intra-hospitalares. No entanto, 80% dos que tiveram alta apresentaram bom prognóstico neurológico após pelo menos 3 meses de acompanhamento. A definição de bons desfechos é medida na maioria dos estudos pela escala Cerebral Performance Category (CPC) (veja a tabela 1).

Tabela 1
Escala Cerebral Performance Category (CPC)
Escala Cerebral Performance Category (CPC)

A diretriz é focada em estabelecer critérios de pior prognóstico neurológico. Isso ocorre devido ao desenho dos estudos. Além disso, estabelecer com maior confiança um pior prognóstico tem valia no alinhamento de expectativas com a família e de condutas condizentes com os valores do paciente.

O documento estratifica os preditores em confiáveis, moderadamente confiáveis e não confiáveis. Essa classificação se baseia na certeza das evidências e na acurácia do preditor, baseado especialmente nos falsos positivos. Falsos positivos que indicam mau prognóstico no suporte pós-PCR podem levar a consequências graves, como retirar o suporte de alguém que teria boa recuperação.

A retirada de medidas de suporte é a principal causa de morte em pacientes pós-PCR. O estabelecimento de critérios de mau prognóstico neurológico serve para que a decisão de limitar o suporte seja tomada da maneira mais acurada possível.

Boas práticas recomendadas

  1. A avaliação deve ser realizada naqueles que permanecem em coma após 72 horas do retorno à circulação espontânea (RCE) ou 72 horas após o reaquecimento nos que foram submetidos à hipotermia terapêutica. A maioria dos pacientes estudados acordou dentro das primeiras 72 horas do RCE ou do reaquecimento. Apesar disso, o tempo do coma maior que 72 horas isoladamente não é um preditor de mau prognóstico. Na maioria dos estudos, a definição utilizada para o despertar foi de um componente motor da escala de coma de Glasgow de 6 - obedecer comandos motores.
  2. Pacientes devem ser mantidos sem sedação e sem outros confundidores. Sedativos atrasam o despertar e influenciam outras ferramentas da avaliação, como eletroencefalograma e reflexos de tronco quando em doses elevadas.
  3. Comorbidades limitantes, baixa funcionalidade prévia e baixa expectativa de vida devem ser consideradas no momento da avaliação. Prognóstico neurológico é diferente de prognóstico geral. A predição de funcionalidade em 3 meses ou mais pode não ser o parâmetro mais importante naqueles com maior risco de morte em curto prazo.
  4. A avaliação neurológica multimodal (clínica, imagem e eletrodiagnóstico) é essencial. O avaliador não deve se basear em apenas uma modalidade.
  5. Na ausência de preditores específicos, a recuperação é incerta. O período de observação nesses casos pode ser prolongado de acordo com os valores do paciente. A duração do período de observação é variável. Muitos pacientes acordam nas primeiras 72 horas após o RCE ou o reaquecimento e a imensa maioria tem o despertar nas primeiras duas semanas. O período de coma maior que 72 horas isoladamente não é um preditor de mau prognóstico. É razoável acessar os valores do paciente em relação a ser submetido a um período mais prolongado de suporte invasivo.

Exame neurológico

Os principais pontos do exame neurológico nesse cenário são:

  • Responsividade a estímulos externos
  • Presença de posturas patológicas
  • Reflexos de tronco
  • Presença de movimentos involuntários.

Idade do paciente, ritmo da PCR e tempo até o RCE não são preditores confiáveis de mau prognóstico. Por conta do prolongamento da hipoperfusão cerebral, deve existir um tempo até o RCE que implique em pior prognóstico. Contudo, esse tempo ainda não está estabelecido e depende da etiologia da PCR, portanto não deve ser considerado isoladamente.

A tabela 2 resume a valorização de achados patológicos do exame neurológico.

Tabela 2
Preditores clínicos de mau prognóstico após parada cardiorrespiratória
Preditores clínicos de mau prognóstico após parada cardiorrespiratória

Para mais detalhes do exame do paciente em coma, escute o Episódio 142: Morte Encefálica.

Neuroimagem

A lesão hipóxico-isquêmica sofrida pelo cérebro após a PCR se reflete em achados de neuroimagem.

Tomografia de crânio sem contraste: edema difuso de padrão citotóxico, com perda de diferenciação córtico-subcortical e diminuição dos sulcos em imagem realizada pelo menos 48 horas após RCE (veja figura 1).

Ressonância magnética: Padrão de restrição à difusão disseminado em imagem realizada entre 2 e 7 dias do RCE (veja figura 1).

Figura 1
Achados de imagem preditores moderadamente confiáveis de mau prognóstico após parada cardiorrespiratória
Achados de imagem preditores moderadamente confiáveis de mau prognóstico após parada cardiorrespiratória

Os achados de imagem foram definidos como preditores moderadamente confiáveis de mau prognóstico.

Outros exames complementares

Eletroncefalograma: É válido quando realizado em pacientes após 72 horas de RCE ou do reaquecimento na ausência de sedativos. Padrão de supressão ou surto-supressão é considerado preditor moderadamente confiável de mau prognóstico.

Potencial evocado somato-sensitivo: É um exame eletrofisiológico que avalia a resposta cortical a um estímulo sensitivo. A ausência bilateral do achado da onda N20 é considerado um preditor confiável de mau prognóstico.

Fluxograma 1
Prognóstico neurológico em adultos comatosos após para cardiorrespiratória (PCR)
Prognóstico neurológico em adultos comatosos após para cardiorrespiratória (PCR)

Veja o algoritmo de avaliação de prognóstico neurológico após PCR no fluxograma 1.

Vacina para Vírus Sincicial Respiratório

Criado em: 08 de Maio de 2023 Autor: Frederico Amorim Marcelino

O vírus sincicial respiratório (VSR) é uma causa importante de morte e morbidade entre as infecções respiratórias. Em abril de 2023, foi publicado no New England Journal of Medicine a análise interina de um ensaio clínico de uma nova vacina para VSR em idosos [1]. Aproveitamos para revisar o tema e trazer a nova evidência neste tópico.

O que é o vírus sincicial respiratório?

O VSR é uma das causas mais comuns de infecções respiratórias junto com o SARS-CoV-2 e o vírus da influenza [2]. É uma etiologia importante de mortalidade em crianças, mas pode causar casos graves em adultos imunossuprimidos e idosos.

O vírus pode causar infecção de vias aéreas superiores (IVAS) e não há característica clínica que o diferencie de outros vírus respiratórios. Em quadros mais graves pode acometer as vias aéreas inferiores em adultos, especialmente idosos, pessoas com comorbidades e imunossuprimidos. Em um estudo de 2013 que analisou 607 pacientes internados por VSR, a média de idade era de 75 anos, 87% dos pacientes tinha alguma comorbidade e 12% tinham coinfecção bacteriana [3].

A importância do VSR

As medidas de restrição da pandemia de COVID-19 causaram redução dos casos de VSR. Com a diminuição das medidas de restrição, houve uma aumento de casos nos Estados Unidos e o vírus circulou com mais intensidade do que em anos anteriores [4].

De janeiro a abril de 2023, houve um aumento de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) causada por VSR no Brasil. Até o início de abril foram reportados 37.057 casos de SRAG segundo o Infogripe - iniciativa para monitorar e apresentar níveis de alerta para casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) [5]. Dentre esses casos, 13.666 tiveram resultado positivo para algum vírus respiratório, com a seguinte distribuição:

  • Influenza A: 2,7%
  • Influenza B: 3,2%
  • COVID-19: 49,9%
  • VSR: 32,1% (a maior parte em crianças)

O diagnóstico de VSR pode ser feito por antígeno e RT-PCR de secreção nasal. O exame é pouco disponível para adultos e costuma fazer parte de painéis de vírus respiratórios.

Nova corrida vacinal

Atualmente existem cinco vacinas contra VSR com estudos de fase três [6]. Este tópico discute a vacina da Pfizer, uma vacina proteica bivalente ativa contra VSR A e B. Esta vacina teve duas análises interinas publicadas em abril de 2023 no New England Journal of Medicine [1, 7].

O estudo MATISSE avalia se a vacina em gestantes pode diminuir a infecção do VSR em recém-nascidos e crianças. Já o estudo RENOIR avalia se a vacina em idosos pode diminuir a infecção nessa população.

Em fevereiro de 2023 foi publicada na mesma revista a análise interina de outros estudos de fase três das vacinas da GlaxoSmithKline e a da Janssen [8, 9]. Os resultados das vacinas da Moderna e da Bavarian Nordic ainda não foram publicados [10, 11].

O estudo

O estudo RENOIR randomizou 34 mil pacientes maiores de 60 anos para avaliar a eficácia de uma dose da vacina RSVpreF contra infecção por VSR [1].

A idade média foi de 67 anos e o desfecho primário foi prevenção de infecção de trato respiratório inferior pelo VSR . A infecção do trato respiratório inferior foi definida como a presença de pelo menos dois sintomas (tosse, sibilos, escarro produtivo, dispneia ou taquipneia) e confirmação por RT-PCR para VSR.

Nessa análise interina, quando a infecção foi definida por dois sintomas respiratórios, a eficácia foi de 66%. Quando a infecção foi definida por três sintomas, a eficácia foi de 85%. A taxa de efeitos adversos locais foi 12% com a vacina contra 7% com o placebo, mas os efeitos sistêmicos foram semelhantes, 27% e 26% respectivamente.

O estudo ocorreu durante uma temporada de infecções por VSR, ficando em aberto o questionamento sobre a duração da proteção. Pacientes imunossuprimidos são um grupo de interesse e foram excluídos do trabalho. Apesar das dúvidas restantes, a disponibilidade de uma vacina para VSR parece uma questão de tempo.