Trombectomia Mecânica no AVC

Criado em: 15 de Maio de 2023 Autor: João Urbano

A trombectomia mecânica foi um grande avanço no tratamento do AVC. Dois estudos recentes, ANGEL-ASPECT e SELECT2, investigaram essa terapia em AVC com grande área de infarto [1, 2]. Neste tópico, revisamos a trombectomia mecânica e trazemos as informações desses dois estudos.

O que é a trombectomia mecânica?

A trombectomia mecânica é uma terapia de reperfusão aguda para um AVC causado por oclusão de grandes vasos . O procedimento consiste na retirada do trombo por via endovascular.

Figura 1
Trombectomia mecânica
Trombectomia mecânica

Os vasos da circulação anterior acessíveis a trombectomia são artéria carótida interna (ACI) e porções proximais da artéria cerebral média (ACM) (veja a figura 1). Na circulação posterior, a trombectomia é uma opção para tratamento de oclusão de artéria basilar.

O que é a escala ASPECTS?

É uma escala de gravidade radiológica que padroniza a extensão de um AVC no território da ACM. A escala divide o território da ACM em dez regiões avaliadas pela tomografia computadorizada (TC). Cada região é avaliada individualmente e subtrai-se um ponto de dez se aquela região tiver sinais de isquemia na TC (hipodensidade ou edema focal). Uma TC normal tem ASPECTS de dez, enquanto que uma TC isquemia em todo o território da ACM tem ASPECTS de zero.

Figura 2
Escala ASPECTS
Escala ASPECTS

As regiões da ACM são avaliadas em dois níveis da TC de crânio (figura 2):

  • Nível dos gânglios da base com sete regiões: caudado (C), cápsula interna (CI), núcleo lentiforme (NL), ínsula (I), córtex anterior (M1), córtex lateral (M2) e córtex posterior (M3).
  • Nível da coroa radiada com três regiões: córtex anterior (M4), córtex lateral (M5) e córtex posterior (M6).

Quais são as indicações de trombectomia mecânica consolidadas?

A primeira etapa é avaliar se há oclusão de grandes vasos. O método mais disponível é a angioTC. Hospitais com trombectomia ou com possibilidade de transferência para centros que realizam o procedimento podem ter a angioTC como parte do atendimento inicial do paciente com AVC.

A indicação de trombólise não interfere na indicação de trombectomia (veja este vídeo sobre trombólise no AVCi). Mesmo que um paciente seja submetido a trombólise, ele ainda pode ser submetido a trombectomia.

Pacientes que são candidatos a ambas as terapias devem receber trombólise seguida de trombectomia. Não deve-se atrasar o início ou esperar a resposta da trombólise para encaminhar o paciente a um centro com trombectomia.

Estudos recentes têm buscado responder se há diferença de desfechos entre os pacientes submetidos à trombólise seguida de trombectomia comparado com trombectomia isolada. Não há ainda evidência definitiva sobre o assunto [3].

Na tabela 1 estão compilados os critérios de inclusão para trombectomia com até seis horas do início do déficit de acordo com a atualização de 2019 da diretriz de AVC isquêmico da American Heart Association (AHA) [4].

Tabela 1
Critérios de indicação de trombectomia mecânica até 6h do ictus
Critérios de indicação de trombectomia mecânica até 6h do ictus

Os pacientes podem se beneficiar de trombectomia mesmo após seis horas do início do déficit. Para isso, devem preencher os critérios de inclusão dos estudos e serem submetidos a neuroimagem avançada com TC com estudo de perfusão - protocolo do estudo DEFUSE3 com até 16 horas do déficit - ou ressonância magnética com difusão - protocolo do estudo DAWN com até 24 horas do déficit [5, 6].

O que os novos trabalhos acrescentaram?

O papel da trombectomia em AVC com grandes volumes de infarto não está definido. Essa população foi excluída dos primeiros estudos. Ambos os trabalhos ANGEL-ASPECT e SELECT2 avaliaram desfechos funcionais pela escala de Rankin modificada (mRs) em 90 dias. A população dos estudos e algumas características relevantes estão na tabela 2.

Tabela 2
Características dos estudos SELECT2 e ANGEL-ASPECT
Características dos estudos SELECT2 e ANGEL-ASPECT

Os dois estudos foram interrompidos precocemente por demonstração de benefício funcional. Não houve diferença estatisticamente significativa de sangramentos intracerebrais sintomáticos, embora sangramentos tenham sido mais comuns no grupo trombectomia. Além disso, houve maior taxa de complicações relacionadas ao procedimento e piora neurológica no curto prazo atribuído a síndrome de reperfusão no grupo trombectomia.

As novas evidências apoiam a expansão da indicação da trombectomia em pacientes com volumes maiores de infarto. Espera-se que os novos estudos sejam incorporados às próximas diretrizes.

Anticoagulação no Perioperatório

Criado em: 15 de Maio de 2023 Autor: Joanne Alves Moreira

O manejo de anticoagulantes no perioperatório gera muitas dúvidas. Em abril de 2023, o American College of Physicians publicou uma revisão sobre o tema [1]. Vamos aproveitar para revisitar algumas recomendações importantes.

Entendendo o contexto

Os anticoagulantes orais diretos (DOAC), que incluem um inibidor direto de trombina (dabigatrana) e inibidores de fator Xa (rivaroxabana, apixabana e edoxabana), são cada vez mais comuns. Contudo, os antagonistas da vitamina K (AVK), mais comumente a varfarina, continuam a ser o anticoagulante mais prevalente nos Estados Unidos [2, 3].

Fluxograma 1
Etapas na avaliação de anticoagulação perioperatória
Etapas na avaliação de anticoagulação perioperatória

As etapas-chave na avaliação da anticoagulação perioperatória estão disponíveis na figura 1.

Avaliação do risco de sangramento do procedimento

O primeiro passo é definir o risco de sangramento do procedimento (ver tabela 1). Não há necessidade de suspensão do anticoagulante em procedimentos com mínimo risco de sangramento. Exemplos de procedimentos dessa categoria são endoscopia ou colonoscopia sem biópsia.

Tabela 1
Risco de sangramento associado ao procedimento segundo Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Europeia de Cardiologia e American College of Physicians
Risco de sangramento associado ao procedimento segundo Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Europeia de Cardiologia e American College of Physicians

Os procedimentos de baixo a moderado risco e os de alto risco necessitam de suspensão da anticoagulação. Baixo a moderado risco de sangramento é definido como risco de sangramento maior de até 2% em 30 dias. Exemplos dessa categoria são cirurgias intra-abdominais. Alto risco é definido como risco maior que 2%, como cirurgias vasculares.

Avaliação do risco de tromboembolismo do paciente

O segundo passo é definir o risco de tromboembolismo no paciente que necessita suspender a anticoagulação.

Com a intenção de reduzir o risco de um evento tromboembólico durante a suspensão da anticoagulação, desenvolveu-se a estratégia de ponte de anticoagulação. A ponte de anticoagulação é o uso de anticoagulantes de curta ação, em geral heparina não fracionada (HNF) ou heparina de baixo peso molecular (HBPM), durante a suspensão da anticoagulação oral com AVK. A ponte pode ser iniciada antes e/ou após o procedimento. A ideia é que ao minimizar o tempo que o paciente fica sem anticoagulação o risco de um evento tromboembólico diminua.

Apesar de fazer sentido teórico, a maior parte dos estudos não é favorável à ponte. As evidências sugerem que a ponte de anticoagulação está associada com aumento do risco de sangramento sem redução significativa de TEV, exceto no grupo de alto risco para TEV [4].

Tabela 2
Estratificação de risco de tromboembolismo arterial associado a valva mecânica
Estratificação de risco de tromboembolismo arterial associado a valva mecânica

Em pacientes com valva mecânica, o risco de tromboembolismo arterial depende de três fatores: tipo, posição e tempo de implante da valva (ver tabela 2). A diretriz de 2022 da CHEST sugere a ponte de anticoagulação somente nos seguintes pacientes, considerados de alto risco de tromboembolismo [5]:

  • Valva de geração mais antiga
  • Valva em posição mitral e ≥ 1 fator de risco
  • Evento tromboembólico recente (menor que três meses)
  • Tromboembolismo perioperatório prévio.

A presença de fibrilação atrial (FA) aumenta o risco de AVC tromboembólico e esse risco pode ser estimado pelo escore CHA2DS2-VASc. Baseado nesse escore, o consenso da American College of Cardiology de 2017 sugere as seguintes condutas [6]:

  • CHA2DS2-VASc ≥ 7 (risco anual estimado de tromboembolismo arterial maior que 10%): devem ser considerados de alto risco para trombose durante a interrupção da anticoagulação perioperatória. A ponte de anticoagulação deve ser considerada.
  • CHA2DS2-VASc de 4 a 6 (risco anual estimado de tromboembolismo arterial entre 5% e 10%): são considerados como risco moderado. A indicação de ponte deve ser individualizada.
  • CHA2DS2-VASc ≤ 3 (risco anual estimado de tromboembolismo arterial menor que 5%): são considerados de baixo risco e não devem receber ponte.
Tabela 3
Estratificação de risco para tromboembolismo venoso (TEV) recorrente
Estratificação de risco para tromboembolismo venoso (TEV) recorrente

Nos pacientes com tromboembolismo venoso (TEV) recorrente, a estratificação de risco considera o intervalo de tempo do último evento, fatores de risco para o evento inicial e a presença de condições protrombóticas (veja a tabela 3). A diretriz da CHEST e a American Society of Hematology (ASH) sugerem que a ponte seja considerada apenas para os pacientes que têm alto risco para TEV recorrente [5, 7].

Tabela 4
Estratificação de risco e recomendação de ponte de anticoagulação para tromboembolismo venoso e arterial perioperatório
Estratificação de risco e recomendação de ponte de anticoagulação para tromboembolismo venoso e arterial perioperatório

O resumo das recomendações estão disponíveis na tabela 4.

Como fazer a ponte de anticoagulação?

Quando a ponte de anticoagulação está indicada, a medicação de primeira escolha é a HBPM. A dose recomendada de enoxaparina é 1mg/kg a cada 12 horas ou dalteparina 100U/Kg a cada 12 horas. A dose deve ser ajustada para a taxa de filtração glomerular (TFG) e a dosagem de rotina de anti-Xa não é recomendada [8].

Em pacientes com TFG ≥ 50 mL/min, deve-se suspender a varfarina 5 dias antes do procedimento e dosar o INR. Quando o INR estiver entre 2 e 3, introduz-se a HBPM. A HBPM então é suspensa 24 horas antes do procedimento. A HBPM é reiniciada em associação com a varfarina após o procedimento e a HBPM deve ser mantida até o INR atingir o alvo terapêutico (veja tabela 5).

Tabela 5
Recomendação de manejo perioperatório de antagonista de vitamina K (AVK)
Recomendação de manejo perioperatório de antagonista de vitamina K (AVK)

Em pacientes com TFG < 30 mL/min, a HNF subcutânea ou endovenosa pode ser utilizada. O uso de HNF é associado a aumento em três vezes do risco de trombocitopenia associada à heparina (HIT) e também aumento da mortalidade.

O que fazer com os DOACs?

Tabela 6
Recomendação de manejo perioperatório de anticoagulantes orais diretos (DOACs)
Recomendação de manejo perioperatório de anticoagulantes orais diretos (DOACs)

O tempo de interrupção dos DOACs é baseado na estimativa do risco de sangramento, na própria medicação e na função renal. Confira na tabela 6 as orientações.

Manejo da Agitação na Demência: Consenso da Associação Internacional de Psicogeriatria

Criado em: 15 de Maio de 2023 Autor: Raphael Coelho

Alterações comportamentais são comuns nos pacientes com doenças neurocognitivas. Esses sintomas são conhecidos pela sigla BPSD (behavioral and psychological symptoms of dementia). Neste tópico, vamos trazer o consenso de março de 2023 da Associação Internacional de Psicogeriatria (IPA, em inglês) sobre o manejo de um dos BPSD mais importantes do dia a dia do clínico: a agitação [1].

O que são os BPSD?

São sintomas neuropsiquiátricos decorrentes de quadros demenciais. Entre os mais importantes estão: agitação, ansiedade, apatia, depressão, desinibição, perambulação e alterações do sono. A agitação é um dos sintomas mais comuns nas demências e ocorre em qualquer momento da doença, mas principalmente em quem tem comprometimento cognitivo grave.

Tabela 1
Definição de agitação nas doenças neurocognitivas da Associação Internacional de Psicogeriatria (2015)
Definição de agitação nas doenças neurocognitivas da Associação Internacional de Psicogeriatria (2015)

Em 2015, a IPA publicou a definição de agitação nas demências, com a intenção de padronizá-la para aplicação em pesquisas (tabela 1) [2]. Em 2023, a mesma associação traz um algoritmo de avaliação e tratamento dessa síndrome.

Como é a abordagem geral do BPSD?

Existem algumas abordagens sistemáticas para o manejo dos BPSD, como a TREA, DICE e TIME [3-5]. Todas levam em consideração que os sintomas neuropsiquiátricos na demência são resultado de interações complexas de causas internas e externas ao paciente. Deve ser feita análise interdisciplinar que avalie necessidades não atendidas, o contexto do aparecimento dos sintomas, os gatilhos e antecedentes do paciente. Causas orgânicas como infecções, falências orgânicas e sintomas como dor devem ser pesquisadas e tratadas. O impacto do ambiente e dos cuidadores nos sintomas também deve ser avaliado.

As intervenções não farmacológicas são consideradas as mais importantes. Há heterogeneidade dos estudos e pouca evidência sobre as melhores estratégias, pois cada indivíduo recebe intervenções individualizadas. Incluem-se atividade física, participação em eventos prazerosos, musicoterapia, discussão de experiências passadas, atividades em grupos, massagem, treinamento cognitivo e distração [4].

Quais medicamentos devemos fazer na agitação?

Existem poucos estudos sobre farmacoterapia para agitação em pacientes com doenças neurocognitivas.

No fluxograma 1, trouxemos o algoritmo de manejo da IPA para controle de agitação no paciente com demência.

Fluxograma 1
Fluxograma de tratamento de agitação em pacientes com demência (IPA 2023)
Fluxograma de tratamento de agitação em pacientes com demência (IPA 2023)

O primeiro passo seria iniciar ou otimizar as doses dos anticolinesterásicos centrais e da memantina. Esses medicamentos podem reduzir agitação e psicose, principalmente nos pacientes com doença de Alzheimer e doença dos corpúsculos de Lewy.

A IPA sugere condutas diferentes em quatro tipos de agitação:

  • Com piora à noite
  • Com alterações do humor
  • Agitação moderada a grave que não precisa de tratamento em pronto-socorro
  • Agitação extrema com perigo para o paciente ou cuidadores

A agitação com piora noturna ou que tem padrão circadiano pode ser tratada com trazodona, um antidepressivo com efeito hipnótico. Aqui está incluída a síndrome do pôr do sol que é a agitação no entardecer. Antagonistas da orexina, como suvorexanto e lemborexanto, são sugeridos como segunda opção, mas não estão disponíveis no Brasil. A opção seguinte é um antipsicótico. É orientado evitar o uso de benzodiazepínicos pelo aumento do risco de quedas, sedação e fraturas.

Quando a agitação está acompanhada de alterações do humor, sugere-se o uso de citalopram. Esse antidepressivo inibidor seletivo da recaptação de serotonina é o mais estudado para esse cenário e reduz a agitação no Alzheimer em doses de 30 mg/dia. Outros antidepressivos também podem ser tentados. Antipsicóticos ficam como opção nos casos que não respondem aos antidepressivos.

Na agitação moderada a grave, os antipsicóticos são a primeira opção de tratamento. Nos casos em que não é necessário o atendimento em pronto-socorro, podem ser usados risperidona, olanzapina, aripiprazol e brexpiprazol. Esses medicamentos reduziram agitação em ensaios clínicos randomizados controlados e cegados. Quetiapina é usada frequentemente, mas há evidências contraditórias quanto a sua eficácia. Para casos de doença de Parkinson ou parkinsonismo que pioram com antipsicóticos, a pimavanserina é a melhor opção por não causar sintomas extrapiramidais, porém a medicação não está disponível no Brasil.

Outras terapias de segunda linha são os anticonvulsivantes com efeito estabilizador de humor como carbamazepina, gabapentina e ácido valpróico. O antagonista alpha-1 prazosin e canabinóides como nabilona também são opções. Esses agentes podem ser usados sequencialmente ou em combinação.

Nos casos de agitação grave com perigo para o paciente, o melhor local para tratamento é um pronto atendimento e o uso de antipsicóticos por via intramuscular é a primeira opção. Benzodiazepínicos de ação rápida também podem ser utilizados.

O documento ainda cita canabinóides como o tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol. O THC é citado como opção para controle de ansiedade, comportamentos relacionados a medo e pensamentos de morte. Já o canabidiol parece ter efeito sobre ansiedade, apetite, sono, percepção da dor e náuseas.