Novos Critérios de Duke para o Diagnóstico de Endocardite Infecciosa

Criado em: 22 de Maio de 2023 Autor: Frederico Amorim Marcelino

A endocardite infecciosa é uma doença de difícil diagnóstico, com alta taxa de mortalidade. Em 2023, foi divulgada no Congresso Europeu de Infectologia (ECCMID) a atualização dos critérios de Duke para o diagnóstico de endocardite, publicados posteriormente no Clinical Infectious Diseases [1]. Este tópico revisa os novos critérios e as implicações para o diagnóstico de endocardite infecciosa.

O que são os critérios de Duke?

Os critérios de Duke são um conjunto abrangente de achados clínicos, microbiológicos, patológicos e radiológicos para diagnosticar endocardite infecciosa. Estes critérios foram propostos pela primeira vez em 1994 por pesquisadores da Universidade de Duke, o que originou o seu nome [2]. Os critérios foram atualizados em 2000 e modificados pela European Society of Cardiology em 2015 (ESC 2015) [3, 4].

Várias mudanças na epidemiologia da endocardite ocorreram, com destaque para quatro pontos:

  • Reconhecimento de novos microrganismos considerados típicos de endocardite
  • Novos métodos de identificação de microrganismos
  • Maior uso de dispositivos intracardíacos implantáveis, como desfibrilador intracardíaco e marcapasso
  • Uso de métodos de medicina nuclear para o diagnóstico como PET/CT

Para abranger as novas descobertas e tecnologias, a International Society for Cardiovascular Infectious Diseases organizou em 2021 um grupo de trabalho para atualizar os critérios, sendo finalmente publicados em 2023 (Duke 2023).

Tabela 1
Critérios maiores conforme atualização dos critérios de Duke de 2023
Critérios maiores conforme atualização dos critérios de Duke de 2023

Os critérios são divididos em maiores (tabela 1) e menores (tabela 2). Os dois pontos fundamentais no diagnóstico são a demonstração de alteração valvar causada por endocardite e a identificação de um microorganismo compatível com o diagnóstico. Esses pontos são a base para os critérios maiores.

Tabela 2
Critérios menores conforme atualização dos critérios de Duke de 2023
Critérios menores conforme atualização dos critérios de Duke de 2023

Nessa atualização foi adicionado um novo critério maior: a identificação de sinais de endocardite por inspeção direta durante a cirurgia. Já os critérios menores podem ser divididos em fatores predisponentes, manifestações extra-cardíacas como fenômenos imunológicos, vasculares e febre; critérios radiológicos e microbiológicos menores e alteração de exame físico.

Critérios microbiológicos

As mudanças nos critérios microbiológicos envolvem o aumento no número de bactérias classificadas como 'típicas' e a introdução de novas maneiras de identificá-las. Embora as bactérias 'típicas' de endocardite não sejam necessariamente as causadoras mais frequentes desta condição, a sua detecção é fortemente vinculada à doença.

A lista expandida agora inclui:

  • Todos os Streptococcus, exceto Streptococcus pyogenes e pneumoniae [5]
  • Staphylococcus lugdunensis, a única espécie coagulase-negativa nesta categoria [6]
  • Enterococcus faecalis [7]

Além disso, adicionaram-se bactérias similares aos Streptococcus, como Abiotrophia, Granulicatella e Gemella, que são menos conhecidas e muitas vezes confundidas com contaminantes [8].

Quando o paciente possui dispositivos intracardíacos implantáveis, microrganismos adicionais podem provocar endocardite [9]. Nesse sentido, o Duke 2023 estabelece uma categoria de bactérias 'típicas' quando há suspeita de endocardite associada a um desses dispositivos. Aqui, Staphylococcus coagulase-negativo, Pseudomonas e até micobactérias não tuberculosas podem ser consideradas 'típicas' [10-12]. Uma listagem completa dos microrganismos 'típicos' pode ser encontrada na tabela 3.

Tabela 3
Microrganismos típicos para endocardite infecciosa
Microrganismos típicos para endocardite infecciosa

Agora, além da cultura tradicional, técnicas como PCR (reação em cadeia da polimerase), amplicon e metagenômica são utilizados para identificar bactérias de crescimento lento ou difícil, como Coxiella burnetti, Bartonella spp e Tropheryma whipplei [13, 14].

Critérios radiológicos

A ecocardiografia ainda é o exame de imagem de primeira linha para detecção de endocardite, permanecendo como critério maior no Duke 2023. A presença de vegetação é o sinal mais evidente na ecocardiografia, mas outras complicações em folhetos valvares e estruturas para-valvares como abscessos e aneurismas podem ser igualmente indicativas de endocardite. A ecocardiografia transesofágica é normalmente necessária em casos suspeitos, principalmente quando existem próteses valvares, dispositivos cardíacos ou suspeita de complicações.

Mesmo com a alta acurácia da ecocardiografia transesofágica, existem situações desafiadoras em que o exame não consegue confirmar ou descartar o diagnóstico. Nesse cenário, a tomografia computadorizada cardíaca (TCC) pode ser utilizada como investigação adicional, fato já mencionado nos critérios de 2015. Embora a capacidade da TCC de detectar vegetações seja inferior à da ecocardiografia, ela apresenta maior sensibilidade para a detecção de lesões para-valvares graças à sua maior resolução espacial [15]. A combinação de TCC e ecocardiografia oferece sensibilidade superior para o diagnóstico de todas as lesões valvares e para-valvares em comparação com qualquer uma das modalidades isoladamente [16]. Por essa razão seu uso foi destacado nos novos critérios.

A tomografia computadorizada por emissão de pósitrons com fluordesoxiglucose-18F ([18F]FDG PET/CT) foi incluída como modalidade de imagem no ESC 2015. Ela supera as limitações diagnósticas da ecocardiografia ao avaliar materiais protéticos, permitindo a reclassificação de um grande número de casos suspeitos de endocardite valvar protética de "possível" para "definitiva" [17, 18]. O papel deste exame é particularmente evidente no diagnóstico de infecção cardíaca em pacientes com implantes cardíacos complexos, como várias válvulas protéticas, válvulas aórticas combinadas com enxertos e doença cardíaca congênita. A indicação atual de [18F]FDG PET/CT é para pacientes com alta suspeita clínica de endocardite de valva protética, mas ecocardiografia não diagnóstica.

Outras modalidades como a cintilografia com leucócitos marcados (mencionada no ESC2015), assim como a ressonância magnética e angiografia via tomografia acopladas a eletrocardiograma não foram incluídas [19].

Como usar os critérios diagnósticos?

Foram definidos três cenários a partir dos critérios diagnósticos:

Endocardite confirmada:

  • 2 critérios maiores
  • 1 critério maior e 3 critérios menores
  • 5 critérios menores
  • Confirmação patológica (tabela 4)
Tabela 4
Critérios de confirmação patológica para endocardite infecciosa
Critérios de confirmação patológica para endocardite infecciosa

Endocardite possível:

  • 1 critério maior e 1 critério menor
  • 3 critérios menores

Endocardite rejeitada:

  • Não preenche critérios para endocardite possível
  • Diagnóstico alternativo forte que explica os sintomas/sinais
  • Falta de recorrência após antibioticoterapia por menos de 4 dias
  • Ausência de sinais macroscópicos e/ou patológicos de endocardite infecciosa em cirurgia ou autópsia após uso de antibioticoterapia por menos de 4 dias

Esses critérios ainda não foram validados. O critério modificado em 2000 apresentava sensibilidade de 60 a 80% e especificidade de 80%. Com a modificação proposta em 2015 pela European Society of Cardiology, a sensibilidade aumentou para 85% e a especificidade para 98%. Se considerarmos endocardite associada a próteses há uma queda de sensibilidade e especificidade para 57% e 83%, respectivamente, com os critérios de 2000. Já com os critérios de 2015 há um aumento da sensibilidade para 95% e uma diminuição da especificidade para 71% [20]. Nos próximos anos teremos a validação dos critérios atuais para avaliar se há superioridade com relação aos critérios antigos.

Baixe aqui uma comparação dos critérios diagnósticos de endocardite infecciosa ESC 2015 e Duke 2023 que montamos para você assinante do Guia.

Tempestade Tireotóxica

Criado em: 22 de Maio de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

A tempestade tireotóxica é uma urgência endocrinológica. Uma parte essencial do tratamento são as tionamidas, medicamentos antitireoidianos. Em abril de 2023, o JAMA Open publicou um estudo comparando duas tionamidas (propiltiouracil e metimazol) na crise tireotóxica. Este tópico revisa o tratamento dessa condição e traz os achados do artigo [1].

O que é tempestade tireotóxica?

Tireotoxicose é a síndrome clínica que ocorre por exposição a altas doses de hormônios tireoidianos. Esse excesso de hormônios pode ocorrer por várias causas, algumas com aumento do funcionamento da tireoide, outras não. Tempestade tireotóxica significa tireotoxicose em sua forma grave, ocasionando disfunção orgânica e risco à vida.

O diagnóstico habitual de tempestade tireotóxica é clínico, porém existem escalas como a de Burch-Wartofsky (tabela 1) para auxiliar na caracterização do quadro. Essa escala avalia parâmetros como sinais vitais e disfunção cardíaca, gastrointestinal e neurológica. Valores acima de 45 pontos na escala sugerem que o paciente esteja em uma tempestade tireotóxica. Pontuações entre 25 e 45 devem ser individualizadas e abaixo de 25 o diagnóstico de é improvável.

Tabela 1
Escala de Burch–Wartofsky
Escala de Burch–Wartofsky

As diretrizes da Associação de Tireoide Americana de 2016, da Associação de Tireoide Europeia de 2018 e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia de 2013 sugerem a aplicação da escala de Burch-Wartofsky em pacientes com tireotoxicose para averiguar a existência de tempestade tireotóxica [2-4].

Como tratar pacientes com tempestade tireotóxica?

Pacientes com tempestade tireotóxica devem ser internados em UTI, pois a mortalidade é de 10 a 25%. O tratamento envolve três pontos: tratar a causa da tireotoxicose, tratar os sintomas e terapia de suporte. O foco desse tópico é o tratamento sintomático, que envolve principalmente betabloqueadores, corticoide e as tionamidas.

Os betabloqueadores são utilizados em pacientes com tempestade tireotóxica. Essa classe de medicações ajuda a controlar a frequência cardíaca, a pressão arterial e os tremores ao reduzirem a atividade adrenérgica. O propranolol em altas doses (> 160 mg/dia) é capaz de reduzir a concentração de T3 ao inibir a 5'-monodeiodinase, enzima que converte T4 em T3 [5]. Alguns autores colocam o propranolol como preferencial por conta desse efeito. Também podem ser utilizados atenolol, metoprolol ou infusão de esmolol. Insuficiência cardíaca é comum durante a tireotoxicose e é necessário cuidado no uso de betabloqueadores nesses pacientes, pois podem agravar a cardiomiopatia.

Os corticoides inibem a conversão de T4 para T3 e ajudam a controlar condições autoimunes como doença de Graves. Além disso, podem prevenir um estado de insuficiência adrenal relativa que ocorre na tireotoxicose [6]. São comumente utilizados em tempestade tireotóxica, baseando-se principalmente em opinião de especialistas. Opções possíveis são hidrocortisona 300 mg em dose inicial seguido de 100 mg a cada 8 horas ou dexametasona 2 mg a cada 6 horas.

As tionamidas inibem a produção de novos hormônios tireoidianos, sendo representadas principalmente pelo propiltiouracil e o metimazol. O propiltiouracil é colocado como preferencial na tempestade tireotóxica por muitos autores, pois também inibe a transformação periférica de T4 em T3. A diretriz da associação americana de tireoide recomenda uma dose de ataque de 500 a 1000 mg seguida de 250 mg de 4/4 horas [2].

Soluções contendo iodo podem ser utilizadas, pois agudamente bloqueiam a secreção hormonal pela tireoide e diminuem a biossíntese de novos hormônios (efeito Wolff-Chaikoff). Contudo, só devem ser administradas no mínimo uma hora após a primeira dose de tionamida, para prevenir que o iodo seja utilizado na síntese de novos hormônios (efeito Jod-Basedow).

Outras modalidades de tratamento podem ser utilizados em casos graves ou refratários, como colestiramina, plasmaférese e tireoidectomia de urgência.

O que o estudo encontrou?

Essa coorte multicêntrica dos Estados Unidos estudou pacientes acima de 18 anos que internaram com o diagnóstico de tempestade tireotóxica. Os pesquisadores selecionaram apenas pacientes que utilizaram corticoide, com o intuito de diferenciar a tempestade tireotóxica de tireotoxicose grave.

O desfecho primário foi um composto de mortalidade ou alta para uma unidade de cuidados paliativos, comparando os que utilizaram propiltiouracil versus metimazol. Com 1383 pacientes, o estudo não encontrou diferença estatística entre metimazol e propiltiouracil em relação ao desfecho primário. A mortalidade total do estudo foi de 7,4%.

Avaliou-se também a diferença de custos da internação em relação às duas drogas. Não houve diferença entre os grupos. Eventos adversos como insuficiência hepática, agranulocitose, pancreatite ou necessidade de tireoidectomia tiveram baixa incidência.

Os resultados questionam a preferência pelo propiltiouracil no contexto de tempestade tireotóxica. Essa linha é adotada pela diretriz japonesa, que argumenta com dados locais mostrando resultados similares com as duas drogas [7].

Hidroclorotiazida na Prevenção de Cálculos Renais

Criado em: 22 de Maio de 2023 Autor: Luisa Sousa

Cálculos renais têm uma prevalência de 7 a 20%, sendo mais frequentes em homens [1]. O cálcio é o componente principal dos cálculos e a hipercalciúria é a alteração metabólica mais comum nos pacientes com nefrolitíase [2, 3]. Diuréticos tiazídicos reduzem a excreção urinária de cálcio e podem ajudar a reduzir a incidência de cálculos renais. Em março de 2023, o New England Journal of Medicine publicou o estudo NOSTONE que avalia o uso da hidroclorotiazida na prevenção da nefrolitíase [4]. Este tópico revisa a prevenção de nefrolitíase e traz os resultados do estudo.

Prevenção de cálculos renais

As medidas preventivas de nefrolitíase incluem mudanças no estilo de vida e terapia medicamentosa. Algumas intervenções reduzem a formação de todos os tipos de cálculos, outras são aplicáveis apenas para alguns tipos específicos de litíase.

As seguintes orientações são recomendadas para reduzir todos os tipos de cálculos:

  • Ingerir líquidos para produzir pelo menos dois litros de urina por dia
  • Reduzir a ingesta de sódio
  • Aumentar a ingestão de frutas e vegetais
  • Perder peso

Em relação aos cálculos de oxalato de cálcio (os mais comuns), não é recomendado uma dieta restrita em cálcio. A redução do cálcio dietético reduz o cálcio livre no intestino, potencialmente aumentando a absorção intestinal de oxalato. Além disso, uma estratégia dietética com pouco cálcio já foi testada clinicamente e não teve bons resultados [5]. Reduzir a quantidade de proteína animal e limitar a ingestão de comidas com alto teor de oxalato, sacarose e frutose são intervenções dietéticas sugeridas para reduzir cálculos de oxalato.

As intervenções farmacológicas variam conforme a anormalidade metabólica que predispõe à nefrolitíase. Em geral, podem ser resumidas da seguinte maneira:

  • Hipercalciúria: diuréticos tiazídicos
  • Hipocitratúria (redução da quantidade de citrato na urina): citrato de potássio
  • Hiperuricosúria: alopurinol
  • Hiperoxalúria: depende da causa. Na hiperoxalúria entérica, suplementação com cálcio ou citrato auxilia a reduzir o oxalato livre no intestino. Suplementos de vitamina C devem ser suspensos, pois aumentam a oxalúria. A hiperoxalúria primária é um conjunto de erros inatos do metabolismo e possuem intervenções específicas.

Tiazídicos e o efeito hipocalciúrico

Os diuréticos tiazídicos inibem a reabsorção de sódio no túbulo contorcido distal. Nessa região, esses medicamentos aumentam a absorção de cálcio facilitando a entrada do eletrólito na célula tubular e sua extrusão pela membrana basolateral. Outro mecanismo hipocalciúrico é o aumento da reabsorção proximal de cálcio. Isso ocorre pelo estado de hipovolemia, que aumenta a reabsorção proximal de sódio e água e de maneira passiva aumenta a absorção de cálcio [6].

O efeito hipocalciúrico dos tiazídicos é a explicação teórica para o uso na prevenção de cálculos de cálcio. Além do raciocínio fisiológico, alguns estudos mostraram redução efetiva na formação de novos cálculos [7, 8].

O estudo “NOSTONE”

O “NOSTONE” avaliou diferentes doses dos tiazídicos na prevenção de cálculos de cálcio em um estudo duplo-cego, randomizado, controlado por placebo, realizado com pacientes de 12 centros da Suíça.

Os pacientes incluídos tinham pelo menos dois episódios de nefrolitíase nos últimos 10 anos. Os cálculos eram compostos de pelo menos 50% de oxalato de cálcio, fosfato de cálcio ou uma mistura de ambos. Todos receberam recomendações dietéticas para prevenção de nefrolitíase.

Os participantes foram randomizados para tomar hidroclorotiazida nas doses de 12,5 mg, 25 mg ou 50 mg/dia ou placebo. Uma tomografia para avaliação de nefrolitíase era realizada no início do estudo e outra no final do acompanhamento de 3 anos. O desfecho avaliado foi recorrência clínica ou radiológica de nefrolitíase.

Foram incluídos 416 pacientes com mediana de duração de seguimento de 2,9 anos. Não foi encontrada relação estatisticamente significativa entre a dose de hidroclorotiazida e a recorrência da nefrolitíase. Na análise isolada da recorrência radiológica, a recorrência foi menor nos grupos em uso de 25 e 50 mg/dia de hidroclorotiazida.

A ocorrência de eventos adversos graves não diferiu entre os grupos. Contudo, a incidência de hipocalemia, alergia cutânea, elevação da creatinina basal, diabetes e gota foi maior nos grupos com hidroclorotiazida.

Os resultados questionam a força dos tiazídicos na prevenção de cálculos. Fica a dúvida se ocorreria benefício clínico com um acompanhamento mais longo, já que houve diferença em recorrência radiológica. De todo modo, existe um espaço para opções mais efetivas.