Novos Critérios de Duke para o Diagnóstico de Endocardite Infecciosa
A endocardite infecciosa é uma doença de difícil diagnóstico, com alta taxa de mortalidade. Em 2023, foi divulgada no Congresso Europeu de Infectologia (ECCMID) a atualização dos critérios de Duke para o diagnóstico de endocardite, publicados posteriormente no Clinical Infectious Diseases [1]. Este tópico revisa os novos critérios e as implicações para o diagnóstico de endocardite infecciosa.
O que são os critérios de Duke?
Os critérios de Duke são um conjunto abrangente de achados clínicos, microbiológicos, patológicos e radiológicos para diagnosticar endocardite infecciosa. Estes critérios foram propostos pela primeira vez em 1994 por pesquisadores da Universidade de Duke, o que originou o seu nome [2]. Os critérios foram atualizados em 2000 e modificados pela European Society of Cardiology em 2015 (ESC 2015) [3, 4].
Várias mudanças na epidemiologia da endocardite ocorreram, com destaque para quatro pontos:
- Reconhecimento de novos microrganismos considerados típicos de endocardite
- Novos métodos de identificação de microrganismos
- Maior uso de dispositivos intracardíacos implantáveis, como desfibrilador intracardíaco e marcapasso
- Uso de métodos de medicina nuclear para o diagnóstico como PET/CT
Para abranger as novas descobertas e tecnologias, a International Society for Cardiovascular Infectious Diseases organizou em 2021 um grupo de trabalho para atualizar os critérios, sendo finalmente publicados em 2023 (Duke 2023).
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Os critérios são divididos em maiores (tabela 1) e menores (tabela 2). Os dois pontos fundamentais no diagnóstico são a demonstração de alteração valvar causada por endocardite e a identificação de um microorganismo compatível com o diagnóstico. Esses pontos são a base para os critérios maiores.
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Nessa atualização foi adicionado um novo critério maior: a identificação de sinais de endocardite por inspeção direta durante a cirurgia. Já os critérios menores podem ser divididos em fatores predisponentes, manifestações extra-cardíacas como fenômenos imunológicos, vasculares e febre; critérios radiológicos e microbiológicos menores e alteração de exame físico.
Critérios microbiológicos
As mudanças nos critérios microbiológicos envolvem o aumento no número de bactérias classificadas como 'típicas' e a introdução de novas maneiras de identificá-las. Embora as bactérias 'típicas' de endocardite não sejam necessariamente as causadoras mais frequentes desta condição, a sua detecção é fortemente vinculada à doença.
A lista expandida agora inclui:
- Todos os Streptococcus, exceto Streptococcus pyogenes e pneumoniae [5]
- Staphylococcus lugdunensis, a única espécie coagulase-negativa nesta categoria [6]
- Enterococcus faecalis [7]
Além disso, adicionaram-se bactérias similares aos Streptococcus, como Abiotrophia, Granulicatella e Gemella, que são menos conhecidas e muitas vezes confundidas com contaminantes [8].
Quando o paciente possui dispositivos intracardíacos implantáveis, microrganismos adicionais podem provocar endocardite [9]. Nesse sentido, o Duke 2023 estabelece uma categoria de bactérias 'típicas' quando há suspeita de endocardite associada a um desses dispositivos. Aqui, Staphylococcus coagulase-negativo, Pseudomonas e até micobactérias não tuberculosas podem ser consideradas 'típicas' [10-12]. Uma listagem completa dos microrganismos 'típicos' pode ser encontrada na tabela 3.
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Agora, além da cultura tradicional, técnicas como PCR (reação em cadeia da polimerase), amplicon e metagenômica são utilizados para identificar bactérias de crescimento lento ou difícil, como Coxiella burnetti, Bartonella spp e Tropheryma whipplei [13, 14].
Critérios radiológicos
A ecocardiografia ainda é o exame de imagem de primeira linha para detecção de endocardite, permanecendo como critério maior no Duke 2023. A presença de vegetação é o sinal mais evidente na ecocardiografia, mas outras complicações em folhetos valvares e estruturas para-valvares como abscessos e aneurismas podem ser igualmente indicativas de endocardite. A ecocardiografia transesofágica é normalmente necessária em casos suspeitos, principalmente quando existem próteses valvares, dispositivos cardíacos ou suspeita de complicações.
Mesmo com a alta acurácia da ecocardiografia transesofágica, existem situações desafiadoras em que o exame não consegue confirmar ou descartar o diagnóstico. Nesse cenário, a tomografia computadorizada cardíaca (TCC) pode ser utilizada como investigação adicional, fato já mencionado nos critérios de 2015. Embora a capacidade da TCC de detectar vegetações seja inferior à da ecocardiografia, ela apresenta maior sensibilidade para a detecção de lesões para-valvares graças à sua maior resolução espacial [15]. A combinação de TCC e ecocardiografia oferece sensibilidade superior para o diagnóstico de todas as lesões valvares e para-valvares em comparação com qualquer uma das modalidades isoladamente [16]. Por essa razão seu uso foi destacado nos novos critérios.
A tomografia computadorizada por emissão de pósitrons com fluordesoxiglucose-18F ([18F]FDG PET/CT) foi incluída como modalidade de imagem no ESC 2015. Ela supera as limitações diagnósticas da ecocardiografia ao avaliar materiais protéticos, permitindo a reclassificação de um grande número de casos suspeitos de endocardite valvar protética de "possível" para "definitiva" [17, 18]. O papel deste exame é particularmente evidente no diagnóstico de infecção cardíaca em pacientes com implantes cardíacos complexos, como várias válvulas protéticas, válvulas aórticas combinadas com enxertos e doença cardíaca congênita. A indicação atual de [18F]FDG PET/CT é para pacientes com alta suspeita clínica de endocardite de valva protética, mas ecocardiografia não diagnóstica.
Outras modalidades como a cintilografia com leucócitos marcados (mencionada no ESC2015), assim como a ressonância magnética e angiografia via tomografia acopladas a eletrocardiograma não foram incluídas [19].
Como usar os critérios diagnósticos?
Foram definidos três cenários a partir dos critérios diagnósticos:
Endocardite confirmada:
- 2 critérios maiores
- 1 critério maior e 3 critérios menores
- 5 critérios menores
- Confirmação patológica (tabela 4)
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Endocardite possível:
- 1 critério maior e 1 critério menor
- 3 critérios menores
Endocardite rejeitada:
- Não preenche critérios para endocardite possível
- Diagnóstico alternativo forte que explica os sintomas/sinais
- Falta de recorrência após antibioticoterapia por menos de 4 dias
- Ausência de sinais macroscópicos e/ou patológicos de endocardite infecciosa em cirurgia ou autópsia após uso de antibioticoterapia por menos de 4 dias
Esses critérios ainda não foram validados. O critério modificado em 2000 apresentava sensibilidade de 60 a 80% e especificidade de 80%. Com a modificação proposta em 2015 pela European Society of Cardiology, a sensibilidade aumentou para 85% e a especificidade para 98%. Se considerarmos endocardite associada a próteses há uma queda de sensibilidade e especificidade para 57% e 83%, respectivamente, com os critérios de 2000. Já com os critérios de 2015 há um aumento da sensibilidade para 95% e uma diminuição da especificidade para 71% [20]. Nos próximos anos teremos a validação dos critérios atuais para avaliar se há superioridade com relação aos critérios antigos.
Baixe aqui uma comparação dos critérios diagnósticos de endocardite infecciosa ESC 2015 e Duke 2023 que montamos para você assinante do Guia.