Etomidato na Intubação de Sequência Rápida

Criado em: 05 de Junho de 2023 Autor: Kaue Malpighi

O etomidato é um dos sedativos mais utilizados na intubação por ter uma ação rápida e relativa estabilidade hemodinâmica. Em abril de 2023, foi publicada no Journal of Critical Care uma meta-análise comparando o etomidato contra outros sedativos em intubação de pacientes críticos [1]. Este tópico revisa o uso de etomidato na intubação e traz os resultados do novo estudo.

Agentes sedativos na intubação de sequência rápida

Em pacientes críticos, todos os agentes sedativos para intubação podem causar hipotensão.

A instabilidade hemodinâmica ocorre em até 42% dos pacientes críticos que precisam ser intubados. Cerca de 90% dos pacientes com essa complicação precisam iniciar ou aumentar a dose de vasopressores durante o procedimento. A ocorrência de instabilidade hemodinâmica está associada à mortalidade [2].

Os agentes sedativos devem ter um início de ação rápido (em até 60 segundos), induzindo inconsciência. Os medicamentos mais disponíveis para sedação são etomidato, quetamina, propofol e midazolam (veja tabela 1). Esses sedativos são altamente lipofílicos, cruzando a barreira hematoencefálica rapidamente e agindo em segundos.

Tabela 1
Agentes sedativos para intubação de sequência rápida
Agentes sedativos para intubação de sequência rápida

Houve uma redução significativa no uso do midazolam nas últimas décadas, atualmente considerado como opção apenas quando outros agentes não estão disponíveis. O midazolam é comumente subdosado na intubação de emergência e pode causar hipotensão significativa em doses habituais (0,2 a 0,3 mg/kg) [3]. Para evitar esse efeito colateral, muitas vezes doses menores são feitas, o que pode lentificar o início de ação e reduzir a profundidade da sedação.

De acordo com os registros NEAR, o etomidato é o medicamento mais utilizado atualmente. Sua ação rápida e relativa estabilidade hemodinâmica em comparação com os outros agentes explicam essa tendência.

Uso do etomidato na intubação de sequência rápida

O etomidato é um derivado imidazólico que possui efeito hipnótico, mas sem efeito analgésico. Sua ação ocorre através da potencialização da atividade do neurotransmissor GABA.

O etomidato é visto como o sedativo mais estável do ponto de vista cardiovascular entre as opções disponíveis [4-6]. Também é considerado uma boa escolha na intubação de pacientes com hipertensão intracraniana. O medicamento atenua o aumento da pressão intracraniana e preserva a estabilidade hemodinâmica durante o procedimento.

A dose usual é de 0,3 mg/kg. Em pacientes instáveis, uma dose de 0,15 mg/kg pode ser suficiente para gerar hipnose adequada enquanto tenta-se manter a estabilidade.

O etomidato causa inibição reversível da produção de cortisol através do bloqueio da enzima 11-beta-hidroxilase. Esse efeito é mais intenso durante a infusão contínua, modo de administração em que não é mais indicado [7]. Por conta desse mecanismo, seu uso no paciente crítico é debatido, especialmente na sepse. As evidências atuais não são definitivas sobre essa questão, com poucos estudos randomizados com baixo risco de viés sobre o assunto [8, 9]. Uma meta-análise de ensaios clínicos com pacientes críticos gerais, não apenas sépticos, não evidenciou aumento de mortalidade com o uso da droga [10].

Um dos ensaios clínicos randomizados mais recentes foi o EvK de 2022 [11]. Esse estudo foi realizado em um centro único dos Estados Unidos comparando etomidato com quetamina em pacientes críticos. Os resultados mostraram maior sobrevida em sete dias com a quetamina, um benefício que não se manteve com 28 dias. O poder do estudo foi adequado, mas é difícil generalizar os resultados pelo alto risco de viés:

  • O time responsável pela via aérea poderia ter excluído pacientes que não foram excluídos pelo protocolo.
  • Os clínicos assistentes não estavam cegados, o que significa que sabiam qual tratamento estava sendo administrado. Os pacientes do grupo quetamina receberam mais vasopressores, o que pode ter influenciado na taxa de mortalidade precoce em sete dias.
  • A avaliação dos desfechos também não foi cegada, ou seja, os avaliadores sabiam qual tratamento cada paciente recebeu.

O que a nova meta-análise evidenciou?

A revisão sistemática e meta-análise em questão incluiu onze ensaios clínicos, entre eles o estudo EvK de 2022. A intervenção avaliada foi uso de etomidato contra qualquer outra droga sedativa na intubação de doentes críticos adultos. O desfecho primário avaliado foi mortalidade.

A meta-análise encontrou um aumento de mortalidade com o uso de etomidato (23% vs. 20%; RR 1,16; IC 95% 1,01 - 1,33). Quando comparado exclusivamente à quetamina, o resultado se manteve.

Dos onze ensaios clínicos incluídos, três contribuíram com a maior parcela da população avaliada. O estudo EvK teve um peso de 21%, sendo o estudo que mais impactou no resultado evidenciado pela meta-análise. Ainda assim, o intervalo de confiança ficou bem próximo de 1.

Esta não é uma evidência definitiva contra o uso de etomidato, mas levanta uma preocupação. O etomidato continua sendo uma opção na intubação de sequência rápida, principalmente em pacientes hipotensos quando as outras opções são propofol e midazolam. A quetamina é uma boa escolha neste contexto de dúvida na literatura, especialmente em pacientes com choque séptico.

Síndromes e Cenários

Síndrome de Stevens-Johnson e Necrólise Epidérmica Tóxica

Criado em: 05 de Junho de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

O Guia inaugura nesta edição o segmento Síndromes e Cenários, em que trazemos situações clínicas que merecem destaque. A estréia do segmento traz uma síndrome dermatológica conhecida por sua gravidade: Síndrome de Stevens-Johnson/Necrólise Epidérmica Tóxica. Este tópico aborda definição, diagnóstico e tratamento.

O que é Síndrome de Stevens-Johnson e Necrólise Epidérmica Tóxica?

Síndrome de Stevens Johnson/Necrólise Epidérmica Tóxica (SSJ/NET) são reações adversas graves a medicamentos. Ambas causam lesões mucocutâneas, descolamento epidérmico e necrose. A mortalidade pode chegar a 50%. Há também uma carga de morbidade por redução da acuidade visual por sequelas oculares, piora da saúde mental e qualidade de vida.

As duas condições fazem parte de um espectro de doença, com a distinção sendo feita pela extensão do acometimento da superfície corpórea. SSJ é definida pelo acometimento de menos que 10% da pele, já NET é caracterizada pelo acometimento de mais de 30%. Caso o paciente tenha entre 10 a 30% da superfície corpórea acometida, chama-se de SSJ/NET.

Os principais precipitantes de SSJ e NET são medicamentos. Os sintomas geralmente se iniciam entre 4 a 28 dias após a exposição. Os principais medicamentos envolvidos são alopurinol, anticonvulsivantes, antibióticos e anti-inflamatórios não esteroidais. Agentes infecciosos também são possíveis precipitantes, como Mycoplasma pneumoniae. Em alguns casos não é possível encontrar fator causal.

Uma metanálise de fevereiro de 2023, agrupando 2917 pacientes adultos e crianças de mais de 20 países, encontrou que em 86% dos casos havia uma droga culpada pelo reação cutânea. Os outros 14% englobavam causas infecciosas, desconhecidas ou quando havia mais de uma droga potencialmente causadora [1]. As sulfonamidas, como o sulfametoxazol/trimetoprim, foram as drogas mais implicadas em SSJ e NET, seguidas pelas penicilinas, cefalosporinas e quinolonas. Os macrolídeos foram os menos envolvidos com essa complicação.

Como fazer o diagnóstico?

O diagnóstico clínico de SSJ e NET é feito através do reconhecimento de lesões cutâneas compatíveis com o quadro. As lesões prodrômicas parecem um alvo com centro escurecido, evoluindo para vesículas e bolhas (figura 1).

Figura 1
Necrólise epidérmica tóxica
Necrólise epidérmica tóxica

A principal diferenciação é com eritema multiforme, que também pode fazer lesões em alvo. O eritema multiforme costuma causar bordas elevadas por placas ou pústulas, ter centro eritematoso, tende a não fazer bolhas e acometimento mucoso. Em muitos casos a distinção é difícil [2]. Diferente de SSJ e NET, o eritema multiforme está relacionado à infecção por herpes simples em 90% dos casos e raramente é causado por drogas.

O sinal de Nikolsky é sugestivo de SSJ e NET e consiste no descolamento de pele após a aplicação de pressão em uma área perilesional aparentemente não envolvida. Outro achado com lógica similar é o sinal de Asboe-Hansen, representado pela extensão de uma lesão bolhosa após aplicação de pressão lateral.

O acometimento mucoso ocorre em mais de 90% dos pacientes e pode afetar boca, olhos e uretra. Uma das complicações das lesões em mucosas são as sequelas cicatriciais. Febre também pode ocorrer.

A biópsia de pele não é obrigatória, mas pode ajudar nos casos duvidosos. O achado típico é necrose de queratinócitos, podendo ter acometimento necrótico parcial ou total da epiderme.

Como é o tratamento?

O tratamento passa pela retirada imediata da droga e suporte clínico.

As opções terapêuticas para o tratamento de SSJ/NET são limitadas. Ensaios clínicos são infrequentes, com poucos pacientes e a doença tem um perfil autolimitado, tendendo a se resolver em oito dias. As intervenções mais estudadas são os imunossupressores e imunomoduladores como corticoides, etanercepte, imunoglobulina e ciclosporina. Uma revisão da Cochrane coloca o etanercepte como a terapia mais promissora, apesar do resultado ser influenciado por um único estudo [3].

Pacientes com SSJ e NET exigem um cuidado próximo de estomaterapeutas. Muitas vezes são internados em unidades de cuidados de pacientes queimados, por conta da capacidade desses setores de lidarem com casos similares. A dermatologia também deve estar envolvida no cuidado.

A pesquisa clínica atual procura identificar pacientes de alto risco para o desenvolvimento de SSJ/NET através de mapeamento genético. Um dos exemplos é a identificação do HLA-B 15:02 antes de iniciar carbamazepina, já que indivíduos com esse alelo têm maior risco de SSJ e NET quando iniciam a droga [4, 5].

Vonoprazana para Helicobacter pylori

Criado em: 05 de Junho de 2023 Autor: Frederico Amorim Marcelino

A vonoprazana pertence a uma nova categoria de medicações anti-ulcerosas disponíveis recentemente. Em junho de 2022, um estudo publicado no Gastroenterology avaliou o uso de vonoprazana no tratamento de Helicobacter pylori [1]. Em outubro de 2022, a mesma revista também publicou um artigo que avaliou o uso de vonoprazana no tratamento de esofagite erosiva [2]. Este tópico revisa o mecanismo de ação e os usos dessa nova medicação.

Bloqueadores de ácido competitivos com potássio

A acidose gástrica é um fator comum em doenças gastrointestinais como doença ulcerosa péptica, doença do refluxo gastroesofágico, infecção por Helicobacter pylori e síndrome de Zollinger-Ellison [3-5]. O tratamento dessas doenças frequentemente envolve a supressão da produção de ácido gástrico por meio de inibidores da bomba de prótons (IBP) ou bloqueadores do receptor histamínico H2.

Os bloqueadores de ácido competitivos com potássio (P-CAB) têm como alvo a mesma bomba de prótons (H+/K+ ATPase) que os IBP, mas atuam de forma diferente, competindo com a ligação de potássio. Em estudos in vitro, os P-CAB reduziram a acidez gástrica de forma mais intensa e prolongada que os IBP, independentemente do pH [6].

Os efeitos adversos mais comuns dos P-CABs são náuseas, diarreia e rash cutâneo. Mais estudos e experiência com a medicação são necessários para avaliar seus riscos a médio e longo prazo.

No Brasil, a medicação vonoprazana foi aprovada pela Anvisa em 2020 e está disponível com o nome comercial de Inzelm nas doses de 10 e 20 mg.

Tratamento de esofagite erosiva

Em junho de 2022, foi publicado no Gastroenterology um ensaio clínico duplo-cego, randomizado com 1024 pacientes que comparou vonoprazana com lansoprazol para tratamento de esofagite erosiva [2]. O estudo teve duas fases: a fase de cura, com duração de 8 semanas; e a fase de manutenção, com 24 semanas.

Na primeira fase, o desfecho estudado foi cura da esofagite, avaliada por endoscopia após 8 semanas de tratamento com vonoprazana 20 mg ou lansoprazol 30 mg. Na fase de manutenção, o desfecho primário foi cura mantida da esofagite, também avaliada por endoscopia, após o tratamento com vonoprazana 20 mg, vonoprazana 10 mg ou Lansoprazol 30 mg.

Em ambos os cenários, a vonoprazana foi superior ao lansoprazol, com taxa de cura em 8 semanas de 92,9% e 84,6%, respectivamente. A manutenção de cura em 24 semanas ocorreu em 80,7% dos indivíduos em uso de Vonoprazana 20 mg, 79,2% com vonoprazana 10 mg e 72% com lansoprazol 30 mg. A taxa de eventos adversos foi semelhante entre os medicamentos.

Tratamento de Helicobacter pylori

Outro estudo publicado em junho de 2022 na Gastroenterology foi um ensaio clínico duplo-cego, randomizado com 1046 pacientes para avaliação de tratamento de infecção por Helicobacter pylori [1]. Três tratamentos foram comparados:

  • Vonoprazana e amoxicilina (dupla terapia com vonoprazana) por 14 dias;
  • Vonoprazana, amoxicilina e claritromicina (tripla terapia com vonoprazana) por 14 dias;
  • Lansoprazol, amoxicilina e claritromicina (tripla terapia com lansoprazol) por 14 dias.

O desfecho primário foi taxa de erradicação na 6a semana, 4 semanas após a última dose do tratamento. A tripla terapia com vonoprazana foi superior à tripla terapia com lansoprazol para erradicação de Helicobacter pylori. Já a dupla terapia com vonoprazana foi não inferior à tripla terapia com lansoprazol.

O que esses estudos trazem?

As diretrizes americanas de tratamento de doença do refluxo gastroesofágico de 2022 e de tratamento de Helicobacter pylori de 2017, bem como o IV Consenso Brasileiro sobre a infecção do Helicobacter pylori de 2018 não incluem o uso dos P-CAB [7-9]. Isso se deve em parte ao fato de que a maioria das evidências iniciais para o uso dessas medicações foi baseada em estudos realizados em populações asiáticas, especialmente no Japão [10-13].

No entanto, o consenso chinês de doença do refluxo gastroesofágico de 2020 e a diretriz de doença do refluxo gastroesofágico da Japanese Society of Gastroenterology de 2021 recomendam o uso de P-CAB no tratamento da doença [14-15]. A sexta edição do consenso de Maastricht/Florence de 2021 sobre o tratamento de Helicobacter pylori, publicado no GUT em 2022, já coloca os P-CAB como superiores aos IBP no tratamento da doença [16].

Os dois estudos discutidos aqui foram realizados em populações dos Estados Unidos e da Europa, solidificando o papel dessas medicações no tratamento da DRGE e na infecção por H. pylori, bem como a superioridade dos P-CAB em relação aos IBP. Espera-se que as futuras diretrizes contemplem as novas evidências.