Tomografia de Crânio no Delirium

Criado em: 12 de Junho de 2023 Autor: Raphael Coelho

Delirium é uma síndrome com várias causas e manifestações. Os exames complementares que fazem parte da investigação do delirium não são consensuais. O Journal of the American Geriatric Society publicou um trabalho que tenta responder como a tomografia de crânio pode ajudar no esclarecimento das causas de alteração do estado mental ou delirium [1]. Este tópico revisa o diagnóstico e a investigação de delirium e traz os resultados do estudo.

O que é e quais são as causas de delirium?

Delirium é um conjunto de sinais e sintomas que indicam um estado confusional agudo. A evolução é aguda e flutuante e as principais manifestações são alteração na atenção e no nível de consciência [2].

A definição dos quadros de alteração mental não é clara, o que dificulta a interpretação dos resultados de estudos e o diagnóstico de delirium. Atualmente, os critérios diagnósticos de delirium mais utilizados são os do Confusion Assessment Method (CAM) e do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição (DSM-V), detalhados na tabela 1 [3]. A padronização da definição de delirium permite que esse grupo de pacientes seja identificado de maneira mais homogênea.

Tabela 1
Critérios diagnósticos de delirium
Critérios diagnósticos de delirium

A determinação da causa do delirium é necessária para o tratamento adequado. A investigação pode partir da identificação dos fatores de risco. Um paciente com delirium pode apresentar fatores predisponentes (fatores de risco crônicos) e fatores precipitantes (fatores de risco novos).

Em janeiro de 2023 o Journal of the American Medical Association (JAMA) publicou uma revisão sistemática com mais de 300 estudos em pacientes com delirium para identificar fatores predisponentes e precipitantes [4]. Foram encontrados 33 fatores predisponentes e 112 precipitantes. É possível que alguns fatores citados não tenham papel na causa do delirium, mas ocorram apenas em associação a delirium e sejam consequências de fatores causais verdadeiros.

Os fatores predisponentes mais comuns incluem idade avançada, demência ou alterações cognitivas. Os fatores precipitantes foram agrupados em 8 categorias:

  • Fatores cirúrgicos;
  • Farmacológicos;
  • Iatrogênicos e ambientais;
  • Trauma;
  • Doenças sistêmicas;
  • Alterações metabólicas;
  • Alterações de biomarcadores;
  • Alterações de neurotransmissores séricos ou liquóricos.
Tabela 2
Mnemônico DELIRIUM para fatores associados ao delirium a serem pesquisadas
Mnemônico DELIRIUM para fatores associados ao delirium a serem pesquisadas

O mnemônico DELIRIUM ajuda a organizar a lista de causas (tabela 2).

Quais exames laboratoriais devem ser solicitados na investigação de delirium?

Não há estudos que claramente indiquem quando e quais exames devem ser solicitados para pacientes com delirium. Uma das explicações para essa indefinição é a existência de muitos fatores causais possíveis, frequentemente atuando em conjunto para precipitação do quadro.

Outra dificuldade é a diversidade de apresentações. Muitas vezes o paciente em delirium não é capaz de expressar seus sintomas e o exame físico é dificultado pela alteração do nível de consciência. Dessa forma, os exames laboratoriais são solicitados na ausência de hipóteses clínicas, embasados exclusivamente em dados epidemiológicos - considerando características como a idade, comorbidades e o ambiente em que o paciente está (unidade de terapia intensiva, pós operatório, domicílio). Esta estratégia diminui a acurácia dos testes complementares.

O laboratório básico da investigação do delirium costuma incluir hemograma, marcadores inflamatórios como VHS e PCR, eletrólitos, especialmente o sódio, glicemia, análise de urina e funções renal e hepática.

Outros exames podem ser indicados, como função tireoidiana e toxicológico. Gasometria arterial pode ajudar quando há indícios de sepse ou acidose metabólica. Nos casos de suspeita de infecção, exames de urina e imagem do tórax podem ser solicitados.

A punção lombar (PL) é recomendada nos pacientes em que há suspeita de meningite ou hemorragia subaracnoide. Um estudo retrospectivo identificou que, em idosos hospitalizados com alteração do estado mental e febre, apenas 1 de 81 pacientes puncionados tinha meningite bacteriana [5]. Em casos de delirium persistente ou inesperado (em pacientes jovens), a PL ganha importância [2].

O eletroencefalograma (EEG) deve ser reservado para os casos de delirium que não melhoram ou que não têm a causa identificada após os primeiros exames. Um EEG sem alterações torna o diagnóstico de delirium altamente improvável. Para investigação da causa, é útil no diagnóstico de quadros epilépticos. Cerca de 20% dos pacientes com delirium têm potenciais epilépticos, mas não é claro o papel desses eventos na doença. A frequência do estado epiléptico não convulsivo chega a 14-28% em alguns estudos [6].

É importante solicitar tomografia de crânio para pacientes com delirium?

A revisão sistemática publicada no Journal of the American Geriatric Society tentou definir o rendimento de tomografias de crânio (TC) no delirium [1]. Foram incluídos 46 estudos observacionais de pacientes com delirium ou alteração do estado mental, excluindo pacientes com trauma ou quedas. Apenas quatro trabalhos tinham pacientes diagnosticados com delirium, enquanto os outros envolviam pacientes com quadros heterogêneos incluindo alteração do estado mental, déficits não focais, convulsões, síncope, cefaleia, vertigem e déficits neurológicos focais. Os diagnósticos de delirium e estado mental alterado foram feitos na maioria das vezes sem uma ferramenta padronizada. Oitenta por cento dos estudos foram em pronto-socorro/internação e o restante em UTI.

Foi considerado positivo o achado tomográfico de alterações agudas ou subagudas que justificassem o quadro neurológico. O estudo identificou que o rendimento da TC foi de 12,9% para pacientes do pronto-socorro/internados (intervalo de confiança 95%: 10,2% - 15,9%) e 17,4% em UTI (intervalo de confiança 95%: 10% - 26,3%). Houve bastante heterogeneidade nos achados. Na amostra de pacientes com delirium ou alteração do estado mental, 1 a cada 5 tomografias foi positiva no pronto-socorro/internação e 1 a cada 8 foi positiva na UTI.

A revisão apontou queda do rendimento nas solicitações das tomografias nos estudos após os anos 2000. Uma explicação sugerida para esse achado é a solicitação de TC em excesso, especialmente para pacientes com menor probabilidade pré teste de alterações.

O trabalho sugere que a principal característica que aumenta o rendimento da solicitação de tomografia nesses pacientes é a presença de sinal neurológico focal. Foram excluídas alterações crônicas na tomografia, como as sugestivas de quadros demenciais, que poderiam ter algum valor para explicar a clínica dos pacientes. Os autores concluem que são necessários trabalhos para criação e validação de ferramentas de predição clínica para otimizar as solicitações de TC nesse contexto.

Diretriz sobre Tratamento para Fase Aguda de Transtorno Depressivo Maior

Criado em: 12 de Junho de 2023 Autor: Joanne Alves Moreira

Em fevereiro de 2023, o American College of Physicians (ACP) publicou recomendações sobre tratamentos não farmacológicos e farmacológicos na fase aguda de um transtorno depressivo maior [1]. Este tópico traz as recomendações e revisa o tema.

Introdução

O transtorno depressivo maior (TDM) é comum e causa uma grande carga de incapacidade, com custos para os indivíduos, sociedade e sistemas de saúde [2]. Em 2020, estima-se que 21 milhões de adultos nos Estados Unidos tiveram pelo menos um episódio de TDM, representando 8,4% de todos os adultos daquele país. Na américa latina, o Brasil é o país com maior prevalência dessa condição.

O TDM é a presença de humor deprimido ou perda de interesse ou prazer em atividades associada a pelo menos mais quatro critérios diagnósticos ou sintomas da tabela 1. O quadro deve durar por pelo menos duas semanas e causar sofrimento significativo ou prejuízo em áreas sociais, profissionais ou outras áreas importantes da vida. Sempre deve-se descartar que o episódio não é secundário ao uso de substâncias ou a outra condição médica.

Tabela 1
Critérios diagnósticos de transtorno depressivo maior
Critérios diagnósticos de transtorno depressivo maior

O tratamento do TDM tem três fases: aguda (6 a 12 semanas), continuação (4 a 9 meses) e manutenção (≥ 1 ano). Durante a fase aguda, os sintomas são tratados até a remissão. Remissão e resposta ao tratamento podem ser quantificadas por meio de ferramentas como o Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) ou a Hamilton Depression Rating Scale (HAM-D ou HDRS). Pela escala HAM-D, resposta ao tratamento é definida como redução de 50% ou mais na gravidade da depressão e remissão como é definida como pontuação menor ou igual a 7 [3].

Tratamento inicial

O tratamento inicial tem dois componentes: não farmacológico e farmacológico.

O tratamento não farmacológico consiste em psicoterapia (terapia cognitivo-comportamental, humanística, etc), uso de medicina alternativa (por exemplo, acupuntura) e atividade física regular.

Quanto ao tratamento farmacológico, o uso de antidepressivos de segunda geração (AD2) é comum devido a disponibilidade, posologia e efetividade. Uma metanálise de 2011 não encontrou diferenças significativas entre os AD2 em relação aos benefícios clínicos [4].

Tabela 2
Antidepressivos de segunda geração: dose usual para adultos e eventos adversos mais comuns
Antidepressivos de segunda geração: dose usual para adultos e eventos adversos mais comuns

As diferenças entre os AD2 estão nos perfis de efeitos adversos comuns, contraindicações, precauções e nos custos (veja as tabela 2 e tabela 3). Os principais efeitos adversos incluem constipação, diarreia, náusea, insônia, sonolência e disfunção sexual.

Tabela 3
Antidepressivos de segunda geração: cuidados e contraindicações
Antidepressivos de segunda geração: cuidados e contraindicações

Na fase aguda do TDM leve, a diretriz sugere monoterapia com terapia cognitivo-comportamental (TCC) como tratamento inicial (recomendação fraca; qualidade da evidência baixa). Já na fase aguda de TDM moderado a grave, a recomendação é de monoterapia com TCC ou um AD2 como tratamento inicial (recomendação forte; qualidade da evidência moderada).

A terapia combinada é uma possibilidade. A decisão deve ser individualizada e baseada nas comorbidades e preferências do paciente. Não há evidência de benefício adicional em resposta ou remissão de sintomas com terapia combinada quando comparada à monoterapia com AD2 após 12 a 26 semanas [5].

O tratamento deve ser iniciado com dose baixa para reduzir a ocorrência de eventos adversos e aumentar a aderência. Deve-se monitorar os sintomas após uma a duas semanas do início da medicação e otimizar a dose progressivamente até obter bom controle de sintomas ou remissão. Não é necessário atingir a dose máxima da medicação se o paciente obteve a resposta/remissão com a dose inferior à máxima.

Segunda linha de tratamento

Até 70% dos pacientes com TDM não atingem a remissão após o tratamento farmacológico inicial com um AD2 [5].

Quando a resposta clinicamente satisfatória ou remissão não for obtida com a monoterapia inicial com AD2 em dose otimizada, a diretriz recomenda duas estratégias:

  • Mudar para um segundo AD2 ou associar um segundo tratamento farmacológico (recomendação fraca; evidência de baixa qualidade)
  • Mudar para psicoterapia ou associar a TCC ao AD2 (recomendação fraca; qualidade da evidência baixa).

A mudança para outro AD2 provavelmente resultará numa taxa de resposta e remissão semelhante segundo a diretriz. Contudo, a falha com uma medicação não prediz a ausência de resposta a outro AD2.

Uso de Cateter Nasal de Alto Fluxo (CNAF) na Insuficiência Respiratória Aguda

Criado em: 12 de Junho de 2023 Autor: Kaue Malpighi

A pandemia de COVID-19 causou um aumento no uso do cateter nasal de alto fluxo (CNAF) na insuficiência respiratória aguda. Apesar disso, a disponibilidade desse recurso ainda é reduzida. Em 2023, duas revisões sobre uso do CNAF foram publicadas na Intensive Care Medicine e aproveitamos para revisar o tema neste tópico [1, 2].

Como funciona o cateter nasal de alto fluxo (CNAF)?

Pacientes com desconforto respiratório geram fluxos de ar maiores do que capacidade das cânulas de oxigênio habituais. Apenas aumentar a fração inspirada de oxigênio (FiO2) não é suficiente para manter uma boa oxigenação nesses casos. Se o paciente tiver um fluxo de ar maior que o aparelho, ele vai puxar parte do ar inspirado do ambiente, diluindo a FiO2.

O CNAF fornece fluxos de até 50 a 60 L/min, estabilizando a entrega de FiO2, evitando a diluição com ar do ambiente. Em comparação com máscaras de Venturi, o CNAF otimiza a relação PaO2/FiO2, a pressão arterial de CO2 e a frequência respiratória [3, 4].

Além do mecanismo de oferta constante de FiO2, o CNAF tem outros benefícios potenciais:

  • Redução do espaço morto, por otimizar a lavagem de CO2 da via aérea alta, principalmente nasofaringe [5]
  • Redução do trabalho respiratório [3]
  • Aumento da pressão de via aérea com oclusão oral em até 6 cmH2O a depender do fluxo estabelecido [4]
  • Redução da lesão pulmonar auto-infligida pelo paciente (patient self inflicted lung injury, conhecida pela sigla em inglês P-SILI) quando comparado à dispositivos de baixo fluxo

CNAF na insuficiência respiratória (IRp) hipoxêmica

Em pacientes com IRp aguda hipoxêmica, a diretriz da European Respiratory Society (ERS) e da European Society of Intensive Care Medicine (ESICM) recomenda o uso do CNAF no lugar da terapia convencional de baixo fluxo [6, 7].

Esta recomendação é baseada principalmente no estudo FLORALI de 2015 [8]. Este trabalho avaliou pacientes com IRp hipoxêmica (relação pO2/FiO2 ≤ 300 com uso de oxigênio ≥ 10 L/min), sendo pneumonia a causa mais comum da IRp. Os pacientes foram randomizados para uso de terapia de baixo fluxo, CNAF ou VNI e o desfecho primário foi necessidade de intubação em 28 dias. Não houve diferença entre os três grupos. Em uma análise de subgrupo dos pacientes com relação pO2/FiO2 ≤ 200, o CNAF reduziu a necessidade de intubação orotraqueal.

Pacientes com hipercapnia e edema agudo pulmonar cardiogênico foram excluídos deste estudo, pois sabidamente tem benefício com o uso de VNI (veja a o tópico "Ventilação Não Invasiva (VNI)").

A diretriz da ERS indica o uso de CNAF no lugar da VNI em pacientes com IRp hipoxêmica, excluídos aqueles com edema pulmonar cardiogênico. A qualidade das evidências da comparação VNI e CNAF é baixa. Embora alguns estudos encontrem benefício de mortalidade com o CNAF, os parâmetros de uso da VNI são heterogêneos entre os estudos. Mesmo no FLORALI, os pacientes passavam pouco tempo na VNI, utilizavam níveis baixos de PEEP e muitas vezes com volumes altos, o que pode ter favorecido o resultado em favor do CNAF.

Em uma análise de subgrupo do FLORALI apenas com imunossuprimidos, a VNI se relacionou com aumento de mortalidade. Contudo, esse grupo foi sub-representado no estudo. Em 2022 foi publicado o FLORALI-IM, que randomizou pacientes imunossuprimidos com IRp hipoxêmica para CNAF ou VNI. Não houve diferença no desfecho primário de mortalidade e no secundário de intubação orotraqueal [9].

Pacientes em uso de CNAF devem ser reavaliados frequentemente. Atraso na detecção de falha da terapia está relacionado a piores desfechos [10]. Uma ferramenta auxiliar na detecção de falha precoce é o índice de ROX, calculado da seguinte maneira: SpO2/FiO2/FR, com FiO2 expressa em porcentagem. Validado em pacientes com pneumonia antes da pandemia de COVID-19, deve ser avaliado com 2, 6 e 12 horas do início do CNAF. Um índice < 4,88 em conjunto com o julgamento clínico tem alta acurácia para predizer necessidade de VM, devendo-se considerar a intubação [11].

O índice ROX não apresenta validação adequada em pacientes imunocomprometidos e com COVID-19.

Uso em outras situações

O CNAF pode ser utilizado para prevenir falha de extubação. Nesse contexto, os pacientes são divididos em cirúrgicos e não-cirúrgicos.

Pacientes não-cirúrgicos

Nesse grupo estão pacientes que foram intubados por IRp aguda ou que apresentaram intercorrências respiratórias durante a intubação.

Os pacientes são classificados como de baixo e de alto risco de falha de extubação. Pacientes de alto risco são os que desenvolvem hipercapnia durante o teste de respiração espontânea, com doenças cardíacas e respiratórias crônicas, com idade avançada e com problemas de permeabilidade das vias aéreas. Os de baixo risco são os que não possuem essas características.

  • Pacientes de baixo risco: a diretriz da ERS recomenda o uso do CNAF no lugar da terapia convencional de oxigênio após a extubação. O uso de CNAF neste contexto pode reduzir a necessidade de reintubação quando comparado à terapia convencional [12]. Há dúvidas se esta medida é custo efetiva, apesar de um estudo britânico de custo-efetividade ter encontrado benefício do uso do CNAF [13].
  • Pacientes de alto risco: a diretriz da ERS recomenda o uso da VNI no lugar do CNAF nestes pacientes. O uso do CNAF pode estar associado a maior risco de reintubação. O uso do CNAF entre os períodos de VNI deve ser considerado. Em pacientes intolerantes à VNI, o CNAF pode ser usado por ser mais confortável [14, 15].

Pacientes cirúrgicos

  • Pacientes de baixo risco: não há recomendação sobre a preferências de terapia utilizada nestes pacientes.
  • Pacientes de alto risco: recomenda-se uso da VNI ou do CNAF nestes pacientes. Nestes casos a VNI é mais estudada, com poucos estudos comparativos entre VNI e CNAF [16]. Em casos de cirurgias esofágicas ou gástricas, em que o risco de ruptura de anastomose é alto com o uso de VNI, o CNAF pode ser a preferência.

Para mais detalhes sobre extubação e testes de respiração espontânea, veja o tópico "Desmame de Ventilação Mecânica e Testes de Respiração Espontânea".