Benzodiazepínicos, Drogas-Z e Quedas

Criado em: 19 de Junho de 2023 Autor: Marcela Belleza

Benzodiazepínicos e agonistas de seus receptores - as "drogas Z" - são medicações para manejo de condições como insônia e ansiedade. Possuem efeitos adversos graves, incluindo dependência, quedas e fraturas. Uma revisão sobre o risco de quedas com o uso dessas drogas foi publicada pelo Jornal da European Geriatric Medicine em dezembro de 2022 e aproveitamos para trazer detalhes a respeito do assunto [1].

Quedas provocadas por benzodiazepínicos e drogas-Z

Quedas são eventos frequentes, especialmente em pessoas acima de 65 anos. Estima-se uma queda por ano em um terço desta população. Dentre as diversas consequências das quedas, destacam-se internações, fraturas e mortalidade - implicando em cerca de 600 mil mortes por este mecanismo. Um dos fatores de risco de quedas mais frequente e modificável é o uso de medicações psicotrópicas. Diversos estudos já demonstraram que benzodiazepínicos e drogas-Z (zolpidem e zopiclona) aumentam a incidência de quedas [2-4].

Os mecanismos que aumentam o risco de quedas relacionado aos benzodiazepínicos e drogas-Z incluem a própria sedação pelas medicações, mas também a ocorrência de delirium, hipotensão ortostática, transtornos do movimento (fraqueza e sintomas extrapiramidais) e alterações visuais [1, 3].

Nos idosos, os efeitos adversos com essas medicações são mais comuns. Isso ocorre por [1-3, 5]:

  • Alteração da farmacocinética devido à mudança da composição corporal
  • Interação medicamentosa em uma população com maior prevalência de polifarmácia
  • Coexistência de outras condições que também aumentam o risco de quedas (transtornos do movimento, déficits sensoriais, etc)

Quais são as alternativas para benzodiazepínicos e drogas-Z?

Benzodiazepínicos e as drogas-Z são frequentemente prescritos para o manejo de insônia e ansiedade. No entanto, seu benefício se sustenta, em média, por 4 semanas. Após esse período, a eficácia no controle dessas condições diminui, enquanto os efeitos adversos permanecem [1, 2].

Manejo adequado de insônia crônica

O manejo de pacientes com insônia primária crônica tem como base a terapia não farmacológica. Terapia cognitivo comportamental, associada a estratégias como higiene do sono, são a primeira linha de tratamento [1, 2].

Pacientes com insônia crônica devem ter uma avaliação minuciosa de fatores que perpetuam a condição - averiguando especialmente as medicações. Entre essas, merecem destaque os alfa e beta bloqueadores, corticoesteroides e inibidores de acetilcolinesterase [1].

Casos específicos podem necessitar de terapia farmacológica, como melatonina [3]. As opções terapêuticas foram melhor detalhadas no episódio de insônia.

Manejo adequado do transtorno de ansiedade

No contexto do transtorno de ansiedade generalizada (TAG), os benzodiazepínicos têm ainda menor evidência. Devem ser reservados para casos graves ou refratários.

A primeira linha para o manejo é sempre não farmacológica - com destaque novamente para a terapia cognitivo-comportamental. Estratégias farmacológicas também podem ser usadas, sendo a escolha os inibidores de recaptação de serotonina ou inibidores de recaptação duais (serotonina e noradrenalina) [1, 3].

Como desprescrever benzodiazepínicos e drogas-Z?

Desprescrição é o processo sistemático de descontinuação ou redução gradual de medicamentos inadequados [6]. A desprescrição de benzodiazepínicos e drogas-Z deve ser lenta, com o objetivo de evitar síndrome de retirada da medicação ou abstinência e piora de sintomas previamente controlados, como ansiedade [2].

O fluxograma 1 detalha as características de pacientes que se beneficiam da desprescrição dos benzodiazepínicos e drogas-Z. Alguns protocolos de desprescrição já foram criados para facilitar o controle do processo. A maioria deles recomenda redução em 25% da dose a cada 2 semanas, como discutido no episódio TdC em bolus - como desmamar benzodiazepínico [2, 7].

Fluxograma 1
Avaliação de desprescrição de benzodiazepínico/Droga-Z em paciente com quedas
Avaliação de desprescrição de benzodiazepínico/Droga-Z em paciente com quedas

Durante a desprescrição, deve-se atentar a sintomas como irritabilidade, sudorese, cefaleia, delirium e convulsões. O paciente deve ser informado quanto a esses efeitos e os benefícios da descontinuação da medicação sempre devem ser enfatizados [1].

Peptídeos Natriuréticos

Criado em: 19 de Junho de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Peptídeos natriuréticos são exames que podem auxiliar no diagnóstico e manejo da insuficiência cardíaca. Em maio de 2023, as sociedades de cardiologia da Europa, Estados Unidos e Japão publicaram em conjunto um documento sobre esse assunto [1]. Este tópico revisa o tema.

O que são os peptídeos natriuréticos?

Peptídeos natriuréticos são substâncias com ação hormonal sobre vários órgãos e sistemas. Os principais peptídeos são:

  • ANP - peptídeo natriurético do tipo A ou atrial
  • BNP - peptídeo natriurético do tipo B ou cerebral (de brain, no inglês)
  • CNP - peptídeo natriurético do tipo C

BNP e ANP possuem ação de diurese, vasodilatação, inibição da secreção de aldosterona, inibição da hipertrofia e fibrose miocárdica. O CNP possui função no sistema nervoso central e nos ossos.

Na insuficiência cardíaca (IC) inicial, peptídeos natriuréticos têm efeito relevante, pois agem como contraponto ao sistema angiotensina aldosterona. Na doença avançada, a ação dos peptídeos natriuréticos é menor. Nessa fase, há redução da produção dos peptídeos, aumento da velocidade de remoção da circulação e da degradação enzimática pela neprilisina.

O peptídeo natriurético do tipo B pode ser dosado na sua forma ativa (BNP) e na sua forma inativa (NT-pro-BNP), ambos degradados do proBNP. Já o peptídeo natriurético do tipo A pode ser quantificado através da dosagem do MR-proANP.

Dosagem na insuficiência cardíaca

A dosagem dos peptídeos natriuréticos deve sempre ser realizada na suspeita de IC aguda ou crônica agudizada. O valor preditivo negativo do BNP é de 94 a 97% - o que reforça seu papel na exclusão do diagnóstico. Os valores de corte para a hipótese de IC aguda ou crônica agudizada estão detalhados na tabela 1.

Tabela 1
Corte dos peptídeos natriuréticos no contexto de insuficiência cardíaca (IC) aguda
Corte dos peptídeos natriuréticos no contexto de insuficiência cardíaca (IC) aguda

No contexto de IC crônica, a dosagem do BNP tem menor relevância. Nessa situação, a concentração tende a ser menor e sofrer mais influência de outros fatores. Nesse cenário do paciente ambulatorial, os cortes recomendados pela diretriz da ESC de 2021 são BNP acima de 35 pg/ml e NT-proBNP acima de 125 pg/mL [2].

O BNP não é confiável no paciente com IC crônica em uso de inibidores do receptor da angiotensina/neprilisina (ARNI) - sacubitril/valsartana. A neprilisina degrada os peptídeos natriuréticos e a sua inibição pode aumentar os níveis de BNP. Nesses casos, recomenda-se usar a dosagem de NT-pro-BNP para avaliar congestão. O estudo PROVE-HF demonstrou que o NT-pro-BNP teve relação com mudanças no volume do átrio e ventrículo esquerdo em pacientes em uso de ARNI [3].

Tabela 2
Exemplos de causas que podem interferir com o BNP
Exemplos de causas que podem interferir com o BNP

Existem outros fatores que podem alterar o resultado da dosagem do BNP. Eles estão descritos na tabela 2.

Curva de peptídeo

A variação do BNP durante uma internação por descompensação de IC tem papel prognóstico. A revisão considera uma queda relevante quando acima de 30% entre a admissão e o momento de euvolemia [1]. No estudo PRIMA II, a queda de BNP em menos de 30% durante a internação refletiu pior prognóstico, independentemente da terapia escolhida [4].

Outro uso do peptídeo natriurético no contexto da IC aguda é no momento da desospitalização. Manutenção de congestão - estimada pelos valores do BNP - implica em pior prognóstico. Há trabalhos mostrando melhor prognóstico em pacientes que recebem alta com valores de BNP menores.

O valor do BNP não deve ser usado isoladamente para impedir a desospitalização. Porém, pacientes que mantiveram concentrações altas de BNP ou que não apresentaram queda relevante durante a internação, podem se beneficiar de acompanhamento ambulatorial mais precoce.

Você pode ouvir mais sobre o uso de BNP em TdC em Bolus - quando usar o BNP.

Terapia com Células CAR-T

Criado em: 19 de Junho de 2023 Autor: Raphael Coelho

A Nature Reviews publicou uma revisão recente sobre resultados da inovadora terapia com células CAR-T, acrônimo para chimeric antigen receptor (receptor quimérico de antígeno, CAR) e T de linfócitos T [1]. Esse tópico explica o que é esse tratamento e para quais doenças está sendo utilizado.

O que é a terapia com células CAR-T?

As células CAR-T são linfócitos modificados através de engenharia genética. O processo começa com a retirada de sangue do paciente e isolamento de seus linfócitos T em laboratório. Uma vez isolados, um novo segmento de DNA é introduzido nas células T através de um vetor viral. Esse novo segmento codifica uma proteína que funcionará como receptor na superfície celular. Esse receptor tem duas partes com origens diferentes: uma extracelular, com alta afinidade para reconhecer um antígeno do tumor; uma intracelular, capaz de ativar o linfócito se houver reconhecimento do antígeno. Por esse novo receptor ser uma proteína formada pela junção de genes que codificam proteínas distintas, ele é chamado de quimérico ou proteína de fusão.

Esse procedimento dá a capacidade de destruição de células que expressam os alvos antigênicos escolhidos. Quando são infundidos de volta ao paciente, os linfócitos passam a atacar as células do tumor. Esse vídeo do Instituto Butantan explica o procedimento. Nas semanas anteriores à terapia, o paciente precisa receber quimioterapia para depletar os linfócitos e permitir que as células CAR-T consigam se proliferar no organismo. A quimioterapia mais efetiva e a dose ainda são desconhecidas, mas o esquema mais usado é fludarabina associada a ciclofosfamida.

Quais doenças podem ser tratadas com a terapia CAR-T?

Atualmente, há quatro terapias CAR-T direcionadas para CD19 e duas para o antígeno BCMA aprovadas pelo Food and Drug Administration (FDA, órgão dos EUA de controle dos medicamentos).

A terapia com células CAR-T direcionadas ao CD19, expressado por células B malignas, demonstrou bons resultados para pacientes com neoplasias malignas de células B refratárias ou recidivadas. Mais recentemente, a terapia CAR-T direcionada para o BCMA teve resultados favoráveis para pacientes com mieloma múltiplo. As terapias CAR-T aprovadas pelo FDA estão na tabela 1.

Tabela 1
Terapias CAR T aprovadas pelo FDA e indicações
Terapias CAR T aprovadas pelo FDA e indicações

Para os linfomas de células B, a resposta geral é de 44 a 91% dos pacientes e a resposta completa ocorre entre 28 a 68% após dois anos da terapia. Todos os estudos mostram que alguns pacientes mantêm resposta mesmo após dois anos do tratamento sem tratamentos de consolidação associados. As taxas de remissão completa de longo prazo são em torno de 76% para quem teve resposta completa inicialmente [2]. Outro estudo indica remissão de 60% após cinco anos da terapia, entre os que atingiram remissão completa inicialmente [3]. Esses resultados indicam que alguns pacientes com linfoma de células B refratários ou recidivados possivelmente estão curados da doença.

Para mieloma múltiplo há menos dados por ser uma indicação mais nova. Os dados até o momento indicam que esses pacientes podem ter remissões prolongadas mas seguem com risco de progressão da doença ao longo do tempo.

Tabela 2
Fatores associados a remissões duráveis com a terapia CAR T
Fatores associados a remissões duráveis com a terapia CAR T

Colocamos alguns fatores associados a remissões duráveis na tabela 2.

Quais são os efeitos colaterais do tratamento CAR-T?

A terapia CAR-T pode levar a eventos adversos agudos ou de longo prazo. Entre os eventos agudos estão a síndrome de liberação de citocinas, neurotoxicidade, citopenias e infecções. Em relação aos efeitos de longo prazo, destacam-se a aplasia medular por depleção de linfócitos B, hipogamaglobulinemia e infecções.

A terapia CAR-T causa uma potente resposta imune, responsável pelo sucesso no tratamento das neoplasias. Essa mesma resposta pode levar a liberação intensa de citocinas e inflamação sistêmica com risco de vida, situação conhecida como síndrome de liberação de citocinas [4]. Febre, mialgia e fadiga são os sintomas mais comuns. Choque por extravasamento capilar, hipóxia e disfunções orgânicas ocorrem nos casos graves. A graduação de gravidade dos quadros está na tabela 3 [5]. O tratamento padrão para quadros graves é a imunossupressão com tocilizumabe com ou sem a adição de corticoides.

Tabela 3
Graduação de gravidade ASTCT - Síndrome de liberação de citocinas
Graduação de gravidade ASTCT - Síndrome de liberação de citocinas

Anemia, trombocitopenia e neutropenia são toxicidades agudas comuns e podem permanecer por mais de três meses após a infusão. O risco de infecção aumenta em quem recebe CAR-T, principalmente no primeiro mês da infusão, mas menos do que o esperado com outras terapias com múltiplas linhas de quimioterapia.

O CD19 também é expressado em células B que não são malignas e o BCMA em plasmócitos não malignos. Isso significa que a longo prazo pode ocorrer depleção dessas células, mesmo anos após a infusão. A depleção da imunoglobulinas é uma consequência disso e pode persistir por anos em pacientes que recebem terapia direcionada ao CD19. Isso também ocorre na terapia com alvo no BCMA. Os pacientes que desenvolvem hipogamaglobulinemia recebem reposição de imunoglobulinas, apesar de não existirem dados que indiquem se isso deve ser feito para todos os pacientes ou não.

Atualmente, não há evidências que indiquem que a terapia CAR-T possa aumentar o risco de malignidades secundárias.