Reposição de Vitamina B12

Criado em: 17 de Julho de 2023 Autor: Joanne Alves Moreira

A American Family Physician fez uma publicação comparando a reposição de vitamina B12 oral e intramuscular [1]. Esse tópico aproveita a publicação e discute a via, indicações, dose e monitorização da reposição.

Princípios do tratamento

A deficiência de vitamina B12 deve ser sempre tratada, apesar da maioria dos pacientes serem assintomáticos ou terem sintomas leves. Algumas condições que aumentam o risco de deficiência de vitamina B12 estão agrupadas na tabela 1.

Tabela 1
Causas de deficiência de vitamina B12
Causas de deficiência de vitamina B12

Existem três situações em que a reposição é mais urgente:

  • Anemia sintomática, especialmente Hb < 8 g/dL
  • Sintomas neurológicos ou neuropsiquiátricos
  • Gestação

A reposição pode ser feita por via oral ou parenteral. A via endovenosa não deve ser usada pelo risco de anafilaxia.

A diretriz de 2014 publicada no British Journal of Haematology indica a reposição parenteral de vitamina B12 para todos os pacientes sintomáticos [2].

Uma revisão de literatura recente da American Family Physician comparou a suplementação oral versus intramuscular [1]. Dentre os trabalhos, destaca-se um estudo publicado no British Medical Journal comparando a reposição oral com a intramuscular por 52 semanas [3]. O desfecho primário foi sucesso no tratamento, definido como concentração de vitamina B12 > 211 pg/mL nas semanas 8, 26 e 52. O estudo encontrou que a via oral foi não inferior à via intramuscular.

As vias intranasal e sublingual já foram testadas. A via intranasal não sofre efeito de passagem pelo trato gastrointestinal, porém não é facilmente disponível e pode causar alergias e rinite. A via sublingual é um opção considerada principalmente em crianças, idosos e pessoas que usam medicações que reduzem a absorção da vitamina, porém ainda são necessários mais estudos para comprovar a eficácia dessa via [4].

Tabela 2
Apresentações de vitamina B12 disponíveis no Brasil
Apresentações de vitamina B12 disponíveis no Brasil

A hidroxocobalamina tem administração intramuscular e geralmente é bem tolerada. Os efeitos colaterais incluem prurido, exantema e mais raramente anafilaxia. As apresentações disponíveis no Brasil estão na tabela 2.

Dose de reposição

O tempo de reposição dependerá da causa de base. Pessoas com condições não reversíveis - por exemplo cirurgia bariátrica, anemia perniciosa - receberão reposição durante toda a vida.

A dose indicada para reposição em adultos com sintomas neurológicos ou anemia sintomática é 1000 mcg de cianocobalamina ou hidroxicobalamina por via intramuscular diariamente ou uma a três vezes por semana na primeira semana. Em seguida, recomenda-se mais 1000 mcg uma vez por semana por mais quatro semanas. Após esse período, o tratamento de manutenção é com cianocobalamina 1000 mcg/mês ou hidroxocobalamina 1000 mcg a cada dois meses. Outra opção de manutenção é a reposição por via oral com 1000 a 2000 mcg/dia.

A dose indicada em adultos sem sintomas graves é de 1000 mcg intramuscular uma vez por semana por quatro semanas. Em seguida, a manutenção é feita com cianocobalamina uma vez ao mês ou hidroxocobalamina a cada dois meses. Outra opção é a suplementação oral desde o início do tratamento com 1000 mcg uma vez ao dia, pois é tão eficaz quanto a intramuscular em pacientes sem alteração de absorção.

Em indivíduos com absorção prejudicada de vitamina B12 por gastrite atrófica, a reposição de cobalamina oral em altas doses (por exemplo, 2000 mcg/dia) proporciona a absorção por um mecanismo independente de fator intrínseco no íleo terminal em funcionamento. É uma alternativa razoável como manutenção em pacientes que não toleram a via intramuscular.

Em pessoas vegetarianas e veganas, alterações na dieta ou suplementação oral podem ser consideradas de acordo com a situação clínica, especialmente durante a gravidez e a amamentação.

Monitorização

A frequência da monitorização dependerá da gravidade do quadro. O seguimento deve ser mais frequente em casos de anemia sintomática, sintomas neuropsiquiátricos e gravidez.

Reticulocitose deve ser evidente em sete a dez dias após a reposição, desde que o paciente tenha níveis adequados de ferro e folato. Após esse período, deve-se repetir o hemograma semestralmente no primeiro ano e anualmente após esse intervalo [2].

Em pacientes sem sintomas graves, deve-se repetir hemograma e dosagem sérica de vitamina B12 após 4 a 8 semanas da reposição. Passado esse período, dosa-se com 6 meses e então anualmente.

Ausência de resposta

Em casos de ausência de resposta, deve-se revisitar o diagnóstico inicial e dosar novamente a vitamina B12.

Se o nível sérico de vitamina B12 está adequado, uma resposta abaixo do ideal pode indicar a presença de outra anemia coexistente (por exemplo, deficiência de ferro e/ou folato). Se o nível de vitamina B12 está baixo, deve-se verificar a adesão ao tratamento e a possibilidade de mudança de via (mudar da via oral para parenteral), além da dose utilizada.

Para saber mais sobre essa reposição, escute o episódio 129 - 7 armadilhas sobre vitamina B12.

Manobras para Tratamento de Vertigem Posicional Paroxística Benigna

Criado em: 17 de Julho de 2023 Autor: João Urbano

A vertigem posicional paroxística benigna (VPPB) é o distúrbio vestibular periférico mais comum. O tratamento é feito com manobras de reposicionamento. Em junho de 2023, um estudo do Journal of the American Medical Association - Neurology (JAMA Neurology) comparou duas manobras para o tratamento da doença [1]. Este tópico revisa a doença e traz detalhes do estudo.

Como reconhecer a VPPB?

Figura 1
Representação do labirinto - labirinto estático (sáculo e utrículo) e dinâmico (canais semicirculares)
Representação do labirinto - labirinto estático (sáculo e utrículo) e dinâmico (canais semicirculares)

A vertigem transitória provocada por mudanças posicionais da cabeça é típica de VPPB. O sintoma dura segundos. O deslocamento de otólitos do utrículo para os canais semicirculares do labirinto estimula as cúpulas e é a causa da doença. O canal posterior é acometido em 85 a 90% das vezes (figura 1).

A manobra diagnóstica mais conhecida é a de Dix-Hallpike (veja o vídeo abaixo). Nela, rotaciona-se a cabeça do paciente em 45º para a direção testada e deita-se o paciente de maneira rápida, deixando sua cabeça pendente em 30º.

A manobra diagnóstica de Semont é uma alternativa (veja o vídeo abaixo). A cabeça do paciente é rotacionada em 45º para o lado contrário ao testado e o paciente é deitado de maneira rápida para o lado contralateral.

As manobras são positivas quando provocam vertigem e nistagmo típico. Os critérios diagnósticos de VPPB de canal posterior e nistagmo típico estão detalhados na tabela 1.

Tabela 1
Critérios diagnósticos de VPPB de canal posterior
Critérios diagnósticos de VPPB de canal posterior

Como realizar o tratamento da VPPB?

O tratamento da VPPB é feito com manobras de reposicionamento. O objetivo das manobras é devolver os otólitos ao utrículo e evitar estímulos inapropriados das cúpulas dos canais semicirculares.

As manobras de Epley e de Semont são as mais usadas para reposicionamento da VPPB de canal posterior. Os vídeos abaixo exemplificam a realização das manobras de Epley e Semont para reposicionamento.

A manobra de Epley é mais fácil de ser realizada em pessoas obesas, enquanto a manobra de Semont é mais apropriada para pacientes com problemas de mobilidade de ombro e pescoço.

Medicações sintomáticas podem ser usadas enquanto o reposicionamento dos otólitos não é realizado. Devem ser prescritas por um período curto, para reduzir náuseas e vômitos. A escolha nesse cenário são os anti-histamínicos como o dimenidrinato.

O que o artigo traz de novo?

A manobra de Semont-Plus foi desenvolvida para aumentar a movimentação dos otólitos. A modificação ocorre na primeira etapa do processo, quando o paciente se deita em um ângulo de 150º. Ou seja, a cabeça deve ficar pendente em 60º (veja vídeo abaixo). Essa adaptação teve melhor desempenho em comparação à manobra de Semont tradicional no tratamento da VPPB do canal posterior [2].

A manobra de Semont-Plus foi comparada à manobra de Epley no estudo publicado pelo JAMA Neurology [1]. Foram incluídos 195 pacientes com diagnóstico de VPPB de canal posterior, randomizados para uma das manobras de reposicionamento. O desfecho primário foi medido em número de dias até resolução do quadro, definida como não haver vertigem induzida por manobra.

No início do tratamento, o paciente era submetido a uma das manobras e recebia orientações verbais para realizá-la em casa nove vezes ao dia - três vezes de manhã, de tarde e de noite.

O tempo para recuperação do quadro de vertigem foi menor no grupo submetido à manobra de Semont-Plus em comparação à manobra de Epley (mediana de 2 vs. 3,3 dias). Reforçando os benefícios da manobra de Semont-Plus no tratamento da VPPB, o estudo traz a necessidade de incorporar essa manobra na prática clínica.

Diretriz de Insuficiência Hepática Aguda e Crônica Agudizada

Criado em: 17 de Julho de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

A Society of Critical Care Medicine (Sociedade de Medicina Intensiva, em tradução livre) publicou uma nova diretriz de cuidados do paciente com insuficiência hepática crônica descompensada e insuficiência hepática aguda [1]. Este tópico revisa as principais recomendações da diretriz.

Sobre a diretriz e conceitos

A sociedade de medicina intensiva (SCCM) atualizou as diretrizes de cuidado do paciente com insuficiência hepática e as dividiu em duas partes. A primeira parte foi publicada em 2020 e foca em alterações cardiovasculares, pulmonares, hematológicas e renais da insuficiência hepática [2]. A segunda parte foi publicada esse ano e é direcionada para doenças infecciosas, alterações gastrointestinais, neurológicas e cuidados relacionados a transplantes do paciente com insuficiência hepática.

O painel de especialistas avaliou 31 perguntas sobre o tema e graduou as respostas em recomendação forte ou fraca - as recomendações fracas podem ser lidas como sugestões. Das 31 respostas, cinco foram classificadas como recomendações fortes, 21 como recomendações fracas e cinco como sem resposta devido à ausência de evidência.

Três conceitos são necessários para o entendimento das recomendações:

  • Cirrose (insuficiência hepática crônica) descompensada: desenvolvimento agudo de ascite, sangramento varicoso ou encefalopatia hepática em um paciente com cirrose.
  • Insuficiência hepática crônica agudizada (ACLF, sigla para acute on chronic liver failure): cirrose descompensada com disfunção orgânica. Esses pacientes têm elevada mortalidade a curto prazo. A diferença de ACLF para cirrose descompensada é a presença de disfunção orgânica.
  • Insuficiência hepática aguda (IHA): surgimento de encefalopatia e sinais de disfunção hepática em menos de 26 semanas desde o primeiro sinal de doença hepática, sem evidência de doença crônica. A disfunção hepática é identificada pelo aumento do tempo de protrombina ou RNI.

Hemorragia digestiva alta

A diretriz recomenda que pacientes com insuficiência hepática crônica recebam antibioticoterapia profilática se apresentarem qualquer tipo de sangramento gastrointestinal alto. Hemorragia digestiva alta é um fator de risco significativo para infecção bacteriana nesses pacientes. Após um episódio de sangramento, 45 a 66% dos pacientes desenvolvem infecções nos sete dias seguintes.

A profilaxia com antibiótico está associada a redução de mortalidade, infecções bacterianas, bacteremia e novos sangramentos [3]. O antibiótico de escolha é uma cefalosporina de terceira geração, como a ceftriaxona. A dose da profilaxia da ceftriaxona é 1 g intravenoso uma vez ao dia.

É recomendado que pacientes com sangramento gastrointestinal alto recebam inibidor de bomba de prótons (IBP). A evidência de benefício é maior para sangramento não varicoso. Contudo, em pacientes com sangramento por varizes os IBP podem reduzir a chance de novos episódios, apesar de não terem demonstrado efeito em redução de mortalidade. A diretriz recomenda o uso de IBPs em qualquer hemorragia digestiva alta em pacientes com cirrose. A diretriz não cita o tempo de uso do IBP e a dose ideal. As metanálises citadas selecionaram estudos que utilizaram dose de omeprazol ou equivalente de 20 mg a 40mg uma vez ao dia.

Também é recomendado o uso de octreotide ou somatostatina em pacientes graves que apresentam sangramento digestivo por hipertensão portal. Não é feita recomendação sobre terlipressina, pois esse medicamento não é disponível nos Estados Unidos.

A diretriz faz um posicionamento orientando que pacientes com cirrose que apresentam sangramento varicoso (confirmado ou suspeito) e estão graves devem realizar a endoscopia em até 12 horas do início dos sintomas. Esse posicionamento não caracteriza uma recomendação por não possuir evidência e ser baseado em opinião de especialistas. Uma metanálise recente não viu diferença entre fazer antes ou depois de 12 horas, porém a diretriz pontua um alto risco de viés de seleção desse estudo [4].

Peritonite bacteriana espontânea

Peritonite bacteriana espontânea (PBE) é diagnosticada quando a contagem de polimorfonucleados no líquido ascítico é ≥ 250 células/mm3, a cultura vem positiva e o paciente não apresenta sinais de peritonite secundária. Os sintomas podem envolver febre, dor abdominal e alteração do nível de consciência, porém a clínica não é confiável. A paracentese deve ser realizada sempre que um paciente com cirrose procura assistência hospitalar, mesmo naqueles com baixa suspeita de PBE.

A diretriz recomenda que pacientes com ACLF e peritonite bacteriana espontânea recebam albumina. Essa intervenção reduz o risco de lesão renal aguda e mortalidade [5]. Isso deve ser realizado assim que o diagnóstico de PBE for feito, mesmo se o paciente não apresentar sinais de hipovolemia ou má perfusão. A dose da albumina 1.5 g/kg de peso corporal no primeiro dia e 1 g/kg de peso corporal no terceiro dia (ambas as doses não ultrapassando 100 g) [6].

A escolha do antibiótico para tratar PBE deve levar em conta dados epidemiológicos locais. A diretriz alerta para o aumento de casos de bactérias multirresistentes, como Staphylococcus aureus resistente a meticilina (MRSA), Enterococcus resistente a vancomicina (VRE) e gram negativos com betalactamases de espectro estendido (ESBL). Os autores recomendam antibioticoterapia de amplo espectro em pacientes com infecções graves ou nosocomiais, levando em conta epidemiologia local.

Outras sugestões da diretriz

Também há perguntas relacionadas a alterações neurológicas e peritransplantes em pacientes com ACLF e ALF. Nenhuma das respostas relacionadas a esses temas foram classificadas como recomendação forte.

A diretriz sugere o uso de lactulona, rifaximina ou LOLA (L-ornitina L-aspartato) para o tratamento de encefalopatia hepática, apenas em pacientes com cirrose. Em pacientes com insuficiência hepática aguda, não há evidência do uso desses medicamentos que permita fazer uma recomendação ou sugestão. A diretriz sugere que pacientes com ALF e com hiperamonemia podem ser tratados com plasmaferese.

Tabela 1
Recomendações da diretriz para o tratamento de insuficiência hepática da Society of Critical Care Medicine (SCCM)
Recomendações da diretriz para o tratamento de insuficiência hepática da Society of Critical Care Medicine (SCCM)

As outras sugestões você pode ver na tabela 1.