Febre de Origem Indeterminada

Criado em: 13 de Junho de 2022 Autor: Kaue Malpighi

Febre de origem indeterminada (FOI) é reconhecida há mais de um século. Ao longo dos anos sua definição já foi revisitada algumas vezes. Independente dessas definições, FOI deve ser considerada quando um paciente apresenta febre sem uma causa clara, mesmo com investigação hospitalar ou ambulatorial adequada, por um período de tempo suficiente para excluir febre autolimitada. Em fevereiro de 2022, foi lançada uma revisão no New England Journal of Medicine sobre o tema e trazemos os principais pontos aqui [1]:

Como definir FOI?

FOI é uma síndrome febril sem etiologia esclarecida, com definição ainda em evolução ao longo dos anos, sendo as principais:

  • Febre > 38.3ºC por 3 semanas sem diagnóstico, apesar de uma semana de investigação hospitalar (1961, Petersdorf and Beeson);
  • Febre sem diagnóstico, apesar de 3 dias de investigação hospitalar ou ao menos 3 visitas ambulatoriais (1991, Durack and Street’s).

Porém, como não há consenso sobre sua definição e pela dificuldade de unificar um critério universal, devemos pensar em flexibilizar critérios rígidos temporais e considerar uma investigação mínima e individualizada, direcionada para clínica e epidemiologia de cada paciente.

Qual a investigação mínima antes de definir FOI?

Na anamnese e exame físico, alguns pontos chave podem ser esquecidos na hora de avaliar um paciente com febre sem uma etiologia clara. É importante sempre procurar:

  • Exame físico de linfonodos, pele (incluindo plantas, visto o melanoma acral poder causar febre) e articulação.
  • Uso de medicamentos diários.
  • Histórico de viagem.
  • Dieta (ex.: consumo de leite não pasteurizado).
  • Exposição animal.

Dos exames laboratoriais, uma investigação inicial mínima pode incluir:

  • Hemograma, proteína C reativa, velocidade de hemossedimentação.
  • Sorologias para HIV, HCV, HBV e sífilis.
  • Culturas conforme hipótese diagnóstica.
  • Imagem baseada nos sintomas e exame físico.

Uma investigação mais avançada pode ser necessária conforme sinais, sintomas e exposições de cada paciente (ex.: painel de autoimunidade, função tireoidiana, sorologias específicas, etc.).

Fluxograma 1
Fluxograma para Investigação de FOI
Fluxograma para Investigação de FOI

Veja um manejo investigativo possível no fluxograma 1.

Quais as principais etiologias?

Para elencar as principais etiologias, dividimos FOI em: clássica, nosocomial, associada à imunodeficiência e associada à viagem.

Tabela 1
Medicamentos associados à FOI
Medicamentos associados à FOI

As principais etiologias de FOI clássica são:

  • Infecção bacteriana - principalmente tuberculose, infecções por salmonella, endocardite infecciosa, abscessos profundos e prostatite.
  • Infecção viral - principalmente CMV, EBV, HHV-6 e 7.
  • Infecção fúngica - as micoses endêmicas (histoplasmose, blastomicose, paracoccidioidomicose) podem ocorrer tanto no paciente imunocompetente quanto no imunocomprometido.
  • Infecções transmitidas por vetores - rickettsioses, leishmaniose, leptospirose, etc.
  • Neoplasias - principalmente linfomas, carcinoma de células renais, hepatocarcinoma, câncer ovariano e mixoma atrial.
  • Doenças auto-inflamatórias e autoimunes - lembrar de Still do adulto, arterite de células gigantes (principalmente em maiores de 65 anos) e polimialgia reumática.
  • Medicamentos (tabela 1).
  • Miscelânias - tireoidite subaguda, tireotoxicose.

Pacientes com infecção aguda pelo HIV podem manifestar febre, uma síndrome similar a mononucleose e exantema aproximadamente duas semanas após a infecção.

Em pessoas que vivem com HIV sem uso de terapia antirretroviral (TARV), as principais etiologias de FOI são infecções oportunistas (principalmente micobactérias e CMV) e neoplasias (em especial linfomas). Nos que fazem uso regular de TARV, devemos pensar nas causas de FOI clássica e em linfomas. Se início recente de TARV, febre pode ocorrer por síndrome da reconstituição imune.

No grupo de pacientes com transplante de órgão, algumas etiologias devem ser consideradas: doença linfoproliferativa associada ao EBV, HHV-6, HHV-8, síndrome de hiperinfecção por Strongyloides stercoralis e doença do enxerto-versus-hospedeiro. Citomegalovírus também é um etiologia importante, mas em redução com o uso de terapias antivirais preventivas.

Em pacientes hospitalizados, dispositivos são uma causa importante de FOI, principalmente infecções de dispositivos com culturas negativas. Além disso, temos um aumento das etiologias medicamentosas, sendo 3 a 7% das febres em pacientes hospitalizados causadas por drogas.

Um subgrupo importante de FOI no hospital é a febre no pós-operatório. As principais causas incluem fístulas, hematomas, eventos tromboembólicos e manipulação neurocirúrgica. Ao contrário do que se acreditava, não há uma clara associação entre atelectasia e febre.

Tabela 2
Zoonoses e Infecções por Vetores que Podem Causar FOI
Zoonoses e Infecções por Vetores que Podem Causar FOI

Investigação de febre no viajante deve ser voltada para as principais etiologias infecciosas de cada destino, ao exemplo de malária em viajantes do norte do Brasil, doença de Lyme em viajantes do nordeste norte-americano (Maine, Vermont, Nova Hampshire, etc.) e febre tifoide em viajantes da Índia e proximidades. Outras zoonoses possíveis estão listadas na tabela 2.

Em pacientes com investigação negativa, o que mais podemos fazer?

Uma investigação extensa, sem critério e baseada unicamente em algoritmos deve ser desencorajada em paciente com FOI, visto não ser custo-efetiva e apresentar risco de falso-positivo, principalmente quando a probabilidade pré-teste de cada doença for baixa.

Em situações de piora clínica e imunossupressão, antibióticos ou corticóides empíricos são condutas possíveis a depender do cenário [2]. Caso o paciente não tenha imunossupressão grave e não esteja em piora do estado clínico, o foco deve ser voltado para atingir o diagnóstico em primeiro lugar.

Em pacientes com FOI após uma investigação avançada, o prognóstico é bom (mortalidade de 3.2% em 5 anos) e pode ocorrer até remissão espontânea.

Um teste que vale mencionar é a combinação de tomografia computadorizada com tomografia por emissão de pósitrons marcados com 18F-fluorodeoxyglucose (FDG PET-CT). Algumas meta-análises mostraram desempenho variável, mas com resultado diagnóstico em mais de 50% dos casos. A performance parece ser melhor em pacientes com infecções e neoplasias causadoras de FOI. A principal desvantagem é o custo e a limitação de disponibilidade.

Tromboembolismo no Paciente com Câncer

Criado em: 13 de Junho de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Em 2021 a American Society of Hematology publicou uma diretriz sobre tromboembolismo venoso (TEV) em pacientes com câncer [1]. Um tema comum na prática hospitalar e ambulatorial. Vamos checar as principais recomendações.

Profilaxia primária no paciente internado

Os autores sugerem que todo paciente internado com neoplasia deve realizar profilaxia para TEV. Nesse cenário, a heparina de baixo peso molecular é uma escolha melhor que a heparina não fracionada.

A discussão maior está no método da profilaxia. Uma das recomendações cita que, em pacientes com alto risco de trombose, a profilaxia medicamentosa (heparina) deve ser feita junto com a profilaxia mecânica (dispositivo de compressão pneumática). As evidências sinalizam que pode haver benefício em menor formação de trombose venosa periférica (TVP) e tromboembolismo pulmonar (TEP). Em relação à mortalidade, o benefício é pequeno ou inexistente.

A evidência para a recomendação de profilaxia combinada é escassa. Ainda faltam informações sobre a duração da profilaxia combinada e uma padronização da definição de alto risco para trombose em pacientes hospitalizados.

Em pacientes com alto risco de sangramento, a profilaxia mecânica isolada é a recomendação padrão.

Manutenção da profilaxia após a alta

O documento também sugere profilaxia primária para TEV após a alta para aqueles que realizaram procedimentos cirúrgicos abdominais ou pélvicos. Esses pacientes somam fatores de risco para TEV. Manter anticoagulação profilática por até quatro semanas pode ser benéfico quando comparado com uma anticoagulação apenas durante o tempo de internação.

A maioria dos estudos utilizou heparina de baixo peso molecular para manter a profilaxia, o que dificulta a aplicação desta conduta.

De qualquer forma, as evidências não são contundentes e o nível de incerteza dessa recomendação é alto.

Pacientes com neoplasia e TEV confirmado

Os anticoagulantes de escolha nesse cenário são os anticoagulantes orais diretos (DOAC) ou heparina de baixo peso molecular (HBPM). Ambos são melhores que a varfarina, pois possuem menor taxa de sangramento. Essa recomendação é coerente com o que já é orientado pela European Society of Cardiology (ESC) na diretriz de 2019 [2].

A maior ressalva aos DOAC são os pacientes com neoplasia gastrointestinal, já que podem ter maior risco de sangramento.

TEP incidental ou subsegmentar

Em pacientes com neoplasia, existe recomendação de tratar TEP mesmo que seja subsegmentar ou incidental. Essa conduta também está de acordo com a diretriz da ESC de 2019, onde eles sugerem tratar TEP subsegmentar nos seguintes cenários:

  • Neoplasia ativa
  • Múltiplos TEP
  • Pacientes hospitalizados
  • Presença de TVP associado.

Pela ESC, pacientes com TEP incidental devem ser sempre tratados. A exceção são os casos de TEP subsegmentar, que devem ser tratados se entrarem em algum critério acima. Essas recomendações do ESC podem ser encontradas no material suplementar do guideline.

Profilaxia primária no ambulatório

O painel recomenda a busca ativa de pacientes ambulatoriais com neoplasia em tratamento que possuam alto risco para trombose. Esse grupo pode se beneficiar de profilaxia primária com os DOAC. Os únicos estudados nesse contexto foram apixabana e rivaroxabana. O método para definir se o risco de trombose é elevado em pacientes ambulatoriais pode ser o escore de Khorana (tabela 1).

Tabela 1
Escore de Khorana
Escore de Khorana

O Khorana é um dos mais famosos modelos preditores de risco de tromboembolismo venoso, identificando pacientes de alto risco quando a pontuação é ≥ 2. Um dos problemas desse escore é que no estudo de validação inicial, os pacientes com neoplasia renal e neoplasia de sistema nervoso central foram sub-representados. Por isso, apesar de ser estabelecido que essas neoplasias possuem maior risco de tromboembolismo venoso, elas não entraram no escore original.

Antes de aplicar essa conduta, é importante ponderar se há alto risco de sangramento. De maneira geral, o uso da varfarina não é recomendado nesse cenário. Há maior taxa de sangramento com esse medicamento, o que desequilibra o risco/benefício.

Hiperuricemia Assintomática e Alopurinol

Criado em: 13 de Junho de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

Alopurinol para controle de ácido úrico em pacientes com gota é bem estabelecido. A controvérsia começa no controle da hiperuricemia em pacientes assintomáticos. Pegando carona em um estudo recente sobre o tema, vamos revisar as evidências sobre esse tópico [1].

O que é hiperuricemia assintomática?

De maneira geral, a hiperuricemia assintomática (HA) é definida por níveis de ácido úrico maiores que 7 mg/dL, na ausência de gota ou doença renal por ácido úrico. HA está associada com doenças renais, cardiovasculares e metabólicas. Apesar da associação, não é possível afirmar com certeza que o ácido úrico causa ou agrava essas condições.

Tabela 1
Causas de aumento de ácido úrico
Causas de aumento de ácido úrico

Há também uma possível relação inversa entre hiperuricemia e doenças neurológicas degenerativas (doença de Parkinson e Alzheimer).

Causas de hiperuricemia podem ser vistas na tabela 1.

Como fazer a Investigação?

Dosagem de ácido úrico não deve ser feita de rotina como rastreio populacional. Contudo, é frequente encontrar pacientes com ácido úrico elevado na prática ambulatorial. O primeiro passo é realizar uma nova dosagem com intervalo de pelo menos uma semana para confirmar a alteração.

História e exame físico devem procurar manifestações de doenças por urato (gota e nefropatia) e causas de hiperuricemia. A maioria dos pacientes tem um dos fatores da tabela 1. Doenças linfoproliferativas podem elevar a uricemia. É importante atentar para essa possibilidade em níveis bastante elevados sem uma clara explicação.

Em homens com menos de 25 anos e mulheres antes da menopausa com níveis elevados sem uma explicação clara, a investigação pode prosseguir. A determinação da fração de excreção de ácido úrico na urina (FEur) auxilia na determinação do mecanismo da elevação. FEur alta (> 10%) sugere excesso de produção, já FEur baixa (< 6%) indica redução da excreção.

Como é o Manejo?

Todos os pacientes com hiperuricemia devem ser informados sobre medidas não farmacológicas que reduzem os níveis de ácido úrico. As medidas são:

  • Redução do índice de massa corporal
  • Redução da ingestão de álcool
  • Evitar bebidas adoçadas artificialmente
  • Realizar exercícios regulares

Ao escolher anti-hipertensivos, levar em consideração os que reduzem a uricemia. Anti-hipertensivos que reduzem a uricemia são losartana e bloqueadores dos canais de cálcio. Outros bloqueadores do receptor de angiotensina II, excetuando a losartana, não reduzem a uricemia.

De maneira geral, terapia hipouricemiante com alopurinol não é recomendada para pessoas com HA. Um estudo de 2017 não encontrou benefício de terapia hipouricemiante no manejo da pressão arterial. Na mesma linha, dois ensaios clínicos publicados no New England Journal of Medicine em 2020 foram negativos. Os estudos CKD-FIX e PERL utilizaram alopurinol em pacientes com doença renal crônica (DRC) e não conseguiram reduzir a progressão da DRC [2, 3].

Particularidades do alopurinol

O alopurinol é a droga mais utilizada para manejo dos níveis de ácido úrico. A medicação reduz a produção de AU inibindo a enzima xantina oxidase. Apesar de não ser recomendada para pessoas com HA, é comum encontrar pacientes em uso da medicação sem uma indicação clara. Assim, é importante conhecer algumas peculiaridades da medicação.

Alopurinol deve ser iniciado em baixa dosagem (100 mg), com incrementos ao longo das semanas. Em pacientes com DRC, a dose inicial deve ser menor.

Efeitos colaterais graves são descritos com alopurinol, apesar de incomuns. Lesões cutâneas, trombocitopenia, leucopenia e diarréia ocorrem em 3 a 5% dos pacientes. Reações cutâneas graves, incluindo a síndrome DRESS (rash por droga, eosinofilia e sintomas sistêmicos), ocorrem com mais frequência em pessoas com o alelo HLA B*58:01. Pacientes chineses, tailandeses, coreanos e negros americanos tem maior chance de possuírem esse alelo. Várias sociedades recomendam rastrear esses pacientes para a presença do alelo antes de iniciar a medicação. Diuréticos e DRC também são fatores de risco para lesões cutâneas graves.

Alopurinol intensifica o efeito imunossupressor de azatioprina e aumenta a chance de lesão cutânea por ampicilina.