Insulina de Ação Semanal

Criado em: 24 de Julho de 2023 Autor: Raphael Coelho

A insulina icodeca tem duração de uma semana e é a primeira insulina considerada ultra longa. Este tópico traz os quatro ensaios clínicos sobre a icodeca publicados em junho de 2023 e revisa as insulinas basais e suas indicações no diabetes tipo 2.

Insulinas basais: o que são e quais as diferenças entre elas?

Insulinas basais têm objetivo de controle glicêmico durante períodos longos do dia, independentemente das refeições. Atualmente, há quatro opções: NPH, detemir, glargina e degludeca (tabela 1).

Tabela 1
Insulinas basais e suas características
Insulinas basais e suas características

A NPH é a insulina mais disponível no SUS e é classificada como de ação intermediária, com um efeito de aproximadamente 12 horas. Deve ser administrada pelo menos duas vezes ao dia, caso o objetivo seja a cobertura durante todas as 24 horas. Uma vantagem da NPH é que pode ser aplicada junto da insulina regular que é uma insulina prandial. As insulinas prandiais têm ação curta e são aplicadas antes das refeições com o objetivo de controle do pico glicêmico pós prandial. As insulinas prandiais não serão abordadas neste tópico.

A detemir tem ação que pode chegar a 24 horas, caso seja feita em doses acima de 0,8 unidades por quilo. As insulinas glargina e degludeca não fazem pico de dose e são as insulinas com maior meia-vida, chegando a mais de 24h de tempo de ação.

A glargina diminui o número de hipoglicemias em comparação com a NPH, sendo uma opção nos pacientes de maior risco desse evento adverso [1]. Esse benefício com a glargina ocorre por conta de uma ação melhor distribuída ao longo do tempo. A glargina concentrada (U-300) está disponível no Brasil, tem duração maior do que 24 horas e tem efeitos semelhantes a fórmula tradicional (U-100).

A degludeca tem duração de ação de mais de 40 horas e atinge níveis estáveis após 3 a 5 dias de uso. Em comparação à glargina, tem resultados semelhantes quanto a desfechos cardiovasculares e causa menos hipoglicemia.

Os principais efeitos colaterais das insulinas são hipoglicemia e ganho de peso [2]. Não há diferença significativa entre eficácia de controle glicêmico entre as insulinas basais [3].

Quando e como prescrever insulinas no diabetes tipo 2?

O diabetes mellitus do tipo 2 (DM2) deve ser tratado com antidiabéticos orais na maior parte dos casos. As insulinas não são melhores do que outros antidiabéticos com relação a desfechos cardiovasculares, desde que o controle glicêmico seja atingido [2]. A meta de hemoglobina glicada (HbA1C) é abaixo de 7% na maioria dos adultos saudáveis.

A insulina está indicada quando há hiperglicemia grave - HbA1C > 10% ou glicemias aleatórias acima de 300 mg/dL - ou sintomática - perda de peso, polidipsia, polifagia ou poliúria [3]. É possível que o controle glicêmico otimize a função das células beta pancreáticas e melhore a sensibilidade à insulina. Em alguns casos, os pacientes conseguem substituir a insulina por antidiabéticos orais [4].

Os antidiabéticos orais são discutidos mais a fundo no episódio 15: Segunda Droga em Diabetes.

O esquema de insulina inicial recomendado no DM2 é o de insulina basal. Não há diferenças em relação a desfechos cardiovasculares na comparação entre insulinas basais e prandiais. O uso inicial de basal é associado a maior satisfação dos pacientes e menos hipoglicemias [5, 6].

A Associação Americana de Diabetes (ADA) recomenda a dose inicial de insulina de 0,1 - 0,2 UI/kg/dia. Caso a insulina basal seja a NPH, essa dose deve ser feita preferencialmente antes de dormir. O uso de esquemas complexos em que se combina insulinas basais e prandiais é o método de escolha no diabetes mellitus tipo 1 (DM1) e pode ser utilizado em casos de difícil controle no diabetes tipo 2.

Após o início da insulina, é sugerida a suspensão de sulfonilureias e glinidas para redução do risco de hipoglicemias.

Fluxograma 1
Início e manutenção de insulinoterapia no diabetes mellitus tipo 2
Início e manutenção de insulinoterapia no diabetes mellitus tipo 2

O fluxograma 1 traz sugestões de como deve ser manejado o esquema de insulina no DM2. Detalhes sobre esse esquema estão no episódio 131: Insulinoterapia no DM2.

Icodeca - a insulina de duração semanal

Publicados no New England Journal of Medicine, Journal of the American Medical Association (JAMA) e Lancet, os ensaios clínicos ONWARDS 1, 2, 3 e 4 foram estudos de fase 3 que testaram a insulina icodeca [7-10]. Esse tipo de insulina tem duração de uma semana. A medicação foi desenvolvida pela Novo Nordisk e todos os trabalhos foram desenhados e patrocinados pela empresa.

Todos os quatro estudos foram multicêntricos, com mais de 500 pacientes e avaliaram a aplicação de icodeca em pacientes com DM2 e HbA1C >7% que precisavam intensificar o tratamento. O desfecho primário foi a diferença no controle de HbA1C antes e após a intervenção.

A icodeca foi superior a glargina e degludeca no controle de HbA1C nos pacientes com DM2 que não utilizavam insulina previamente. A diferença foi pequena e o impacto clínico discutível. As doses iniciais foram 70 unidades por semana com ajustes de 20 unidades por semana após aferição por 3 dias consecutivos previamente ao dia da aplicação. Icodeca foi superior à degludeca e não inferior à glargina no controle de HBA1C, nos pacientes com DM2 que utilizavam esquema basal e prandial (basal-bolus).

A icodeca levou a mais episódios de hipoglicemias em todos os trabalhos, mas que foram considerados raros e dentro do esperado para insulinas basais. Os eventos em sua maioria eram de hipoglicemia nível 1 (70 a 54 mg/dL) ou 2 (< 54 mg/dL sem sintomas cognitivos com necessidade de assistência).

O desfecho de alvo glicêmico é um desfecho importante e está relacionado a complicações da diabetes. Esses estudos não avaliaram diretamente as complicações da diabetes, até porque a duração de acompanhamento não seria suficiente para chegar a conclusões.

Tabela 2
Estudos fase 3 da Insulina Icodeca - ONWARDS
Estudos fase 3 da Insulina Icodeca - ONWARDS

A diferença de eficácia em relação às outras insulinas lentas parece ser pequena, porém essa nova insulina precisa de menos aplicações, o que pode facilitar a aderência. É preciso vigilância em relação a hipoglicemias, especialmente fora de um contexto supervisionado como um ensaio clínico.

Manejo de Pancreatite Aguda Grave

Criado em: 24 de Julho de 2023 Autor: Kaue Malpighi

Pacientes com pancreatite aguda evoluem com sinais de gravidade em 15 a 25% dos casos. A mortalidade da pancreatite grave é de até 50%. Em junho de 2023, foi lançado um artigo na Intensive Care Medicine com dez dicas práticas sobre o manejo da pancreatite grave [1]. Este tópico revisa os principais pontos da publicação.

Como avaliar a gravidade na pancreatite aguda?

A gravidade da pancreatite aguda é definida pelos critérios de Atlanta revisados (veja tabela 1). A presença e a persistência de disfunções orgânicas definem a pancreatite em leve, moderadamente grave e grave. A avaliação de disfunções orgânicas pode ser feita pelo escore de Marshall modificado, que considera disfunção respiratória, cardiovascular e renal.

Tabela 1
Critério de Atlanta revisado
Critério de Atlanta revisado

A identificação precoce de paciente sob risco de desenvolver pancreatite grave pode ser feita por escores como APACHE II, SIRS (systemic inflammatory response syndrome), BISAP (bedside index of severity of acute pancreatitis) e Ranson. O BISAP é um escore aplicável nas primeiras 24 horas de doença, à beira leito. Neste escore são avaliados os critérios de SIRS e outras quatro características - idade, alteração neurológica, ureia e derrame pleural (veja tabela 2). Uma pontuação maior ou igual a três está associada a aumento de mortalidade.

Tabela 2
BISAP (bedside index of severity of acute pancreatitis)
BISAP (bedside index of severity of acute pancreatitis)

Hematócrito maior que 44% é fator de risco independente para desenvolver necrose pancreática [2]. A presença de necrose, principalmente infectada, é um marcador de pior prognóstico.

Pacientes com qualquer disfunção orgânica devem receber monitorização contínua, conforme recomendação da diretriz da World Society of Emergency Surgery de 2019 [3]. Indivíduos com choque, insuficiência respiratória ou outra disfunção persistente por mais de 48 horas devem ser internados em UTI.

Hidratação

Hidratação venosa é recomendada como tratamento inicial na pancreatite aguda, com atenção para ocorrência de sobrecarga volêmica. A orientação atual é de hidratação com 10 mL/Kg em bolus, seguido de 1,5 mL/kg/h por 24 a 48 horas.

Algumas metas de ressuscitação também são recomendadas. Dentre elas, estão [4]:

  • Estabilização hemodinâmica - frequência cardíaca menor que 120 bpm e pressão arterial média maior que 65 mmHg.
  • Resolução da hemoconcentração - hematócrito menor que 44%.
  • Melhora da função renal - débito urinário maior que 0,5 mL/kg/h.

A estratégia de ressuscitação volêmica agressiva (20 mL/kg em bolus seguido de 3 mL/kg/h) está associada a maior risco de congestão e deve ser evitada [5]. Veja mais sobre o assunto no tópico sobre fluidos na pancreatite aguda.

Analgesia

Dor abdominal é um sintoma frequente na pancreatite aguda. Geralmente é necessária a associação de opióides fortes (morfina e fentanil transdérmico ou endovenoso) a outros analgésicos (dipirona, paracetamol e anti-inflamatórios).

O uso precoce de opioides fortes garante melhor controle da dor e evita o escalonamento da terapia analgésica [6]. Apesar de estudos mostrarem espasmo do esfíncter de Oddi com o uso de morfina, não há evidências de desfecho clínico desfavorável com uso de qualquer opióide [7].

Quando iniciar dieta?

Dieta via oral pode ser iniciada nas primeiras 24 horas para pacientes com pancreatite grave que não apresentam sinais de íleo paralítico (náuseas, vômitos e distensão abdominal). Recomenda-se dieta leve hipogordurosa e progressão conforme tolerância.

A analgesia deve ser otimizada após introdução da dieta, se necessário. O aumento isolado de enzimas pancreáticas não deve impedir a progressão da dieta.

Fluxograma 1
Avaliação e manejo de nutrição em pacientes com pancreatite aguda grave
Avaliação e manejo de nutrição em pacientes com pancreatite aguda grave

Em pacientes que não toleram a dieta oral, a dieta enteral é preferível ao uso da dieta parenteral. A dieta enteral reduziu risco de mortalidade, infecção hospitalar e tempo de internação, comparada à parenteral [8]. Não há preferência entre sonda gástrica ou pós-pilórica [9]. Veja o fluxograma 1 com um manejo prático de suporte nutricional na pancreatite aguda.

Como manejar necrose pancreática?

Todo paciente com pancreatite aguda grave deve fazer tomografia computadorizada de abdome com contraste ou ressonância magnética com 72 a 96 horas após o início dos sintomas [3]. A tomografia permite avaliar a gravidade usando o escore de Balthazar e detectar complicações.

Tabela 3
Escore de Balthazar
Escore de Balthazar

Necrose pancreática pode ocorrer em até 20% dos pacientes com pancreatite aguda. Inicialmente, o conteúdo necrótico é estéril, mas pode infectar. Não há indicação de antibioticoterapia profilática na presença de necrose sem infecção [10]. A infecção do tecido necrótico costuma ser grave e tende a ocorrer mais tardiamente, por volta de dez dias após o início dos sintomas de pancreatite.

O diagnóstico de necrose infectada é clínico e suspeitado quando há piora no curso da doença. A tomografia pode auxiliar no diagnóstico quando há presença de gás na coleção necrótica pancreática ou peripancreática. Este achado está presente somente em metade dos casos.

Na suspeita de necrose infectada, há indicação de antibioticoterapia empírica com cefalosporina de terceira geração associada a metronidazol, quinolonas ou carbapenêmicos.

A diretriz da American Gastroenterological Association não recomenda drenagem rotineira da coleção para cultura. O procedimento deve ser reservado para pacientes com resposta inadequada à terapia antimicrobiana [11, 12]. Em casos de sepse, deve ser considerada drenagem para controle de foco.

Bulário

Eritropoetina

Criado em: 24 de Julho de 2023 Autor: Luisa Sousa

A eritropoetina (EPO) é um hormônio estimulador da produção de hemácias (eritropoiese) produzido no córtex renal. A eritropoetina humana recombinante (rhEPO) é um agente estimulador da eritropoiese exógeno. Este tópico revisa as indicações, doses e efeitos adversos da rhEPO, especialmente no contexto de doença renal crônica [1].

Indicações de eritropoetina

O objetivo do uso de eritropoetina exógena é a correção dos níveis de hemoglobina e desfechos como necessidade de transfusão e controle de sintomas. As quatro principais indicações para uso de rhEPO estão listadas abaixo:

  • Manejo da anemia na doença renal crônica (DRC), principalmente quando a taxa de filtração glomerular (TFG) é menor que 60 ml/min [1, 2].
  • Tratamento da anemia em consequência de quimioterapia em pacientes com neoplasias não mieloides [3]
  • Correção da anemia causada pela zidovudina (AZT) [4]
  • Redução da necessidade de transfusão de hemácias em pacientes submetidos à cirurgia eletiva (exceto cardíaca e vascular), com hemoglobina entre 10 e 13 g/dL no perioperatório e alto risco de sangramento [5, 6].

Como manejar a anemia na DRC?

Anemia é uma complicação da DRC que deve ser rastreada. Recomenda-se dosagem de hemoglobina anual em pacientes com taxa de filtração glomerular (TFG) estimada entre 30 e 60 ml/min e semestral em pacientes com TFG estimada menor que 30 ml/min.

Caso se confirme a anemia, o próximo passo é a análise do perfil de ferro. A deficiência absoluta de ferro no paciente com DRC é definida por [7]:

  • Índice de saturação de transferrina (IST) < 20% e ferritina < 100 μg/l em pacientes que não estão em terapia de hemodiálise (HD)
  • IST < 20% e ferritina < 200 μg/l em pacientes em HD

Nos pacientes com deficiência absoluta de ferro, o ferro deve ser reposto antes de considerar prescrever eritropoietina. A escolha sobre a via de reposição de ferro depende do tipo de terapia renal. A reposição com ferro via oral é recomendada aos pacientes que não realizam HD, incluindo aqueles em tratamento conservador ou diálise peritoneal. Nos pacientes em HD, o ferro intravenoso (IV) é preferido. A administração pode ser realizada na sessão de diálise, garantindo melhor absorção [1].

A tabela 1 detalha os esquemas de reposição de ferro nessas situações. Mais informações sobre a reposição intravenosa de ferro foram revisadas no tópico Reposição Intravenosa de Ferro.

Tabela 1
Esquemas de reposição de ferro no paciente com doença renal crônica
Esquemas de reposição de ferro no paciente com doença renal crônica

Os estoques de ferro devem ser reavaliados a cada três meses nos pacientes em uso de ferro oral e após o esquema de reposição IV. Níveis adequados de estoques de ferro são:

  • Em pacientes que não estão em HD: IST entre 20 e 50%; ferritina entre 100 e 500 μg/L.
  • Em pacientes em HD: IST entre 20 e 50%; ferritina entre 200 e 500 μg/L.

Como prescrever eritropoetina na DRC?

Os agentes estimuladores da eritropoiese (AEE) devem ser reservados para pacientes com DRC que mantêm hemoglobina menor que 10 g/dl apesar da correção de estoques de ferro. A alfaepoetina é o AEE mais utilizado e está disponível na apresentação de frasco-ampola com 1.000 UI, 2.000 UI, 3.000 UI, 4.000 UI ou 10.000 UI. A administração intravenosa é mais prática em pacientes em HD, porém a via subcutânea é mais eficiente. A darbepoetina é outra opção, usada com menor frequência. As doses recomendadas para início da terapia com alfaepoetina e darbepoetina estão descritas na tabela 2 [8, 9].

Tabela 2
Agentes estimuladores da eritropoiese (AEE) e doses sugeridas
Agentes estimuladores da eritropoiese (AEE) e doses sugeridas

O objetivo do tratamento com AEE é aumentar os níveis de hemoglobina em 1 g/dL ao fim do primeiro mês. Recomenda-se dosar a hemoglobina semanalmente. Caso ocorra elevação em 1 g/dL nas primeiras duas semanas, a dose do AEE deve ser reduzida em 25 a 50%. Caso a elevação esperada não ocorra ao fim do primeiro mês, a dose deve ser aumentada em 25 a 50%. A hipertensão é um dos efeitos colaterais mais comuns com uso de AEE e deve ser monitorada [1].

O alvo de hemoglobina na DRC é de até 12 g/dL. Níveis superiores a 13 g/dL têm comprovada associação com AVC e complicações tromboembólicas [1].

Uso da eritropoetina no câncer

O uso do AEE em pacientes com câncer é limitado devido aos seus efeitos colaterais como tromboembolismo, AVC e hipertensão. Existe também um risco aumentado de progressão da neoplasia, especialmente em pacientes com tumores sólidos. A fisiopatologia para esse crescimento neoplásico com uso de AEE parece ser multifatorial e ainda não totalmente esclarecida. Assim, a recomendação para o uso no paciente com câncer é restrita [10].

Os AEE são recomendados em pacientes com câncer quando a anemia é secundária à quimioterapia mielossupressora sem intenção curativa. Essa orientação reduz a necessidade de transfusão e melhora os sintomas da anemia. Em pacientes com câncer e anemia não associada à quimioterapia não se recomenda usar um AEE. Nos pacientes com mielotoxicidade secundária à quimioterapia com intenção curativa também evita-se usar um AEE [11].

Em pacientes com DRC e câncer, as diretrizes recomendam o uso de AEE com cautela, apenas se hemoglobina menor que 10 g/dL e na menor dose possível. A hemoglobina não deve ultrapassar 12 g/dL durante o uso de AEE nesses pacientes, devido à maior associação com mortalidade. Pacientes com DRC e câncer curado podem usar os AEEs nas indicações usuais [10, 12].