Será que Tem Evidência?

Fentanil na Intubação de Sequência Rápida

Criado em: 21 de Agosto de 2023 Autor: João Mendes Vasconcelos

O papel do fentanil na intubação de sequência rápida é motivo de debate. Será que é benéfico utilizar essa droga antes das outras medicações? Esse tópico revisa as evidências sobre o tema.

Fentanil e intubação de sequência rápida

Intubação de sequência rápida (ISR) é a administração praticamente simultânea de um sedativo e um bloqueador neuromuscular para rapidamente induzir inconsciência e paralisia e assim facilitar uma intubação orotraqueal (IOT) rápida.

Essa técnica minimiza o tempo de apneia, já que o paciente estará nas condições ideais para laringoscopia rapidamente. Isso permite que ele seja apenas oxigenado, mas não ventilado ativamente. Essa vantagem é interessante na IOT de emergência já que todos os pacientes a princípio tem o estômago cheio e a ventilação aumentaria o risco de aspiração.

A manipulação da via aérea causa respostas fisiológicas que podem ser danosas em alguns pacientes. A pressão arterial e intracraniana se elevam [1, 2]. Para atenuar essas respostas, algumas medicações podem ser usadas como pré-tratamento, antes do sedativo e do bloqueador.

É no pré-tratamento que o fentanil pode ser utilizado, com a ideia de amenizar a elevação da pressão arterial e intracraniana. Isso seria benéfico em pacientes com hipertensão intracraniana ou com condições que pioram com elevações da pressão, como infarto agudo do miocárdio, dissecção de aorta e edema agudo de pulmão.

Fentanil na intubação: evidências

O fentanil é capaz de atenuar a elevação de pressão arterial e frequência cardíaca na ISR segundo alguns estudos [3, 4]. Os estudos que avaliaram esses efeitos do fentanil são mais antigos, datando de 1990 e 1980, alguns com doses da droga maiores das atuais. Alguns estudos contemporâneos não repetiram os achados de estudos passados com o fentanil [5, 6]. Aprimoramentos na prática médica e drogas novas podem explicar essas mudanças. Nossa revisão não encontrou estudos com fentanil mostrando benefício em desfechos clínicos (mortalidade, tempo de internação, funcionalidade e outros).

O fentanil é o opióide de escolha nesse cenário por seu início de ação rápido, duração curta e ausência de liberação de histamina. Outro argumento a favor é reduzir a dor durante o procedimento, apesar de não existirem dados claros indicando que a IOT necessita de analgesia. Não há estudos com memória de dor na IOT, mesmo no centro cirúrgico. A quetamina, agente sedativo, também pode fornecer analgesia. A videolaringoscopia exige menos força e pode tornar o procedimento menos doloroso (veja o tópico sobre videolaringoscopia).

O fentanil pode causar eventos adversos nos pacientes submetidos a RSI, sendo o maior deles a hipotensão [7]. Outro evento adverso é a depressão respiratória antes da administração do sedativo e bloqueador. Para evitar esse efeito, o fentanil deve ser feito na dose de até 3 mcg/kg lentamente, em 30 a 60 segundos. A síndrome do "tórax rígido" é outra complicação descrita, situação em que o paciente fica apneico e a ventilação com bolsa válvula máscara não é efetiva. Essa síndrome é resolvida com a administração de um bloqueador neuromuscular. Esse evento tende a acontecer somente com doses muito altas feitas rapidamente.

Um estudo relevante neste tema é o FAKT, publicado em 2022 [8]. Esse trabalho comparou fentanil versus placebo em ISR feita com quetamina e rocurônio. O desfecho primário foi a proporção de pacientes fora do intervalo de pressão sistólica de 100 a 150 mmHg. Não houve diferença entre os grupos em relação a esse desfecho. Apesar disso, mais pacientes no grupo placebo tiveram hipertensão e mais pacientes no grupo fentanil tiveram hipotensão. Mortalidade e dias livres de ventilação mecânica foram iguais nos dois grupos.

Como e quando fazer?

Apesar de não existir evidência definitiva, é possível traçar duas linhas sobre o fentanil na ISR. A primeira linha é que a droga deve ser evitada em pacientes hipotensos ou em choque, pois pode piorar a hipotensão. Hipotensão está associada com piores desfechos e ocorre em mais de 40% das intubações na emergência [9]. A segunda linha é a dos pacientes que mais podem se beneficiar, que são os seguintes:

  • Hipertensos antes do procedimento E
  • Com hipertensão intracraniana OU condições que pioram com elevações da pressão, como infarto agudo do miocárdio, dissecção de aorta e edema agudo de pulmão.

Nos pacientes que não estão nessas linhas, não há argumento forte contra ou a favor da administração. Contudo, não há evidência clara de benefício. Considerando que a IOT na emergência é um procedimento com alta taxa de complicações - 3% evoluem com parada cardíaca - intervenções sem benefício claro devem ser acrescentadas com cautela [9]. Ao simplificar o procedimento, reduz-se a ansiedade da equipe e o risco de erro cognitivo.

Se for optado por administrar o fentanil, ele deve ser feito aproximadamente 3 minutos antes do sedativo e do bloqueador. A dose é de 3 mcg/kg, administrados em 30 a 60 segundos. Em pacientes com hemodinâmica mais limítrofe, doses menores como 1 mcg/kg podem ser feitas.

Reposição de Testosterona e Risco Cardiovascular

Criado em: 21 de Agosto de 2023 Autor: Ênio Simas Macedo

O uso de testosterona tem controvérsias, entre elas a relação a complicações cardiovasculares. Em julho de 2023 o New England Journal of Medicine publicou os resultados do estudo TRAVERSE, que avaliou a segurança do uso de testosterona em homens com mais de 45 anos com hipogonadismo [1]. Este tópico revisa o tema e traz os resultados da publicação.

Quando e como indicar a reposição de testosterona?

A reposição de testosterona tem indicação no tratamento de duas condições: hipogonadismo masculino associado a deficiência de testosterona e incongruência de gênero.

O hipogonadismo masculino é definido por [2]:

  • Distúrbio da espermatogênese OU
  • Sinais e sintomas de hipoandrogenismo (tabela 1) associados a pelo menos duas dosagens de testosterona sérica (total ou livre) abaixo do limite inferior da normalidade.
Tabela 1
Sinais e sintomas sugestivos de hipogonadismo masculino
Sinais e sintomas sugestivos de hipogonadismo masculino

Em pacientes com distúrbio de espermatogênese isolado, a testosterona exógena pode atingir níveis intratesticulares insuficientes, além de inibir a secreção fisiológica de FSH e LH, agravando a infertilidade [2].

Não há respaldo das diretrizes ou sociedades de especialidades para a reposição de testosterona em mulheres [2]. A prescrição de testosterona para fins estéticos e de performance é proibida no Brasil (veja aqui o posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, carta conjunta das sociedades ao CFM e a resolução do CFM Nº 2.333, de 2023).

A investigação inicial do hipogonadismo é feita com a dosagem da testosterona total sérica (fluxograma 1). A coleta deve ser realizada em jejum, no período da manhã. Níveis menores que 250 a 300 ng/dL devem ser confirmados com nova dosagem, repetida no mesmo laboratório e com a mesma metodologia [2].

Fluxograma 1
Investigação do hipogonadismo masculino
Investigação do hipogonadismo masculino

Pacientes com as condições da tabela 2 podem ter alteração da concentração de globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG, de sex hormone-binding globuline), o que prejudica a avaliação da testosterona total. Nesses casos, a testosterona livre sérica é uma opção como exame inicial. A testosterona livre também pode ser dosada para auxiliar na tomada de decisão em homens com testosterona total no limite inferior da normalidade (200 a 400 ng/dL).

Tabela 2
Condições que indicam a dosagem de testosterona livre
Condições que indicam a dosagem de testosterona livre

A dosagem de FSH e LH é feita após a confirmação da deficiência de testosterona, com o objetivo de diferenciar o hipogonadismo entre primário (testicular) e secundário (hipofisário/hipotalâmico) [2].

Tabela 3
Apresentações de testosterona disponíveis no Brasil
Apresentações de testosterona disponíveis no Brasil

As vias transdérmica e intramuscular são preferidas para a reposição de testosterona. O metabolismo de primeira passagem hepático diminui a disponibilidade da medicação quando administrada pela via oral. As formulações disponíveis no Brasil estão listadas na tabela 3.

Testosterona e risco cardiovascular

Um estudo de 2013 encontrou um aumento de risco cardiovascular de 29% associado a reposição de testosterona em homens [3]. Essa publicação levou a outros estudos sobre o tema, mas os resultados não foram consensuais, restando dúvidas sobre o alegado aumento de risco.

Em 2015, o U.S. Food and Drug Administration (FDA) lançou uma nota exigindo a adequação de bulas de testosterona. A partir de então, eventos cardiovasculares foram adicionados à lista de possíveis efeitos colaterais da testosterona.

O estudo TRAVERSE

O TRAVERSE (Cardiovascular Safety of Testosterone-Replacement Therapy) foi um estudo de não inferioridade que avaliou a segurança cardiovascular na terapia de reposição de testosterona em homens com hipogonadismo [1]. O desfecho primário foi a ocorrência de evento cardiovascular maior (morte, acidente vascular cerebral ou infarto agudo do miocárdio).

Foram incluídos cerca de cinco mil homens de 45 a 80 anos. Todos tinham diagnóstico de hipogonadismo (baseado em sinais e sintomas e duas dosagens de testosterona total inferiores a 300 ng/dL) e antecedente de evento cardiovascular prévio ou alto risco cardiovascular. Pacientes com contraindicação à terapia de reposição hormonal foram excluídos (tabela 4).

Tabela 4
Contraindicações à reposição de testosterona
Contraindicações à reposição de testosterona

Os pacientes foram randomizados para tratamento com testosterona transdérmica gel 1,62% ou placebo. A dose da reposição de testosterona era ajustada por um algoritmo de acordo com os valores de testosterona sérica, objetivando concentrações entre 350 e 700 ng/dL. Ajustes falsos também foram feitos na posologia do gel placebo.

O estudo encontrou que a reposição de testosterona foi não inferior à placebo quanto a desfechos cardiovasculares. A incidência do desfecho primário foi de aproximadamente 7% nos dois grupos.

Outros eventos adversos também foram pesquisados. O grupo intervenção teve maior incidência de fibrilação atrial, lesão renal aguda e embolia pulmonar.

Duas características do estudo podem dificultar a extrapolação dos achados. O primeiro é o tempo de acompanhamento de 33 meses. Esse período pode ser insuficiente para determinar a segurança cardiovascular a longo prazo. A segunda é o nível de testosterona sérica após a intervenção. A mediana foi próxima ao limite inferior da normalidade (326 a 386 ng/dL), valor considerado baixo para uma população em reposição.

O estudo reforça que a reposição de testosterona em homens com hipogonadismo e alto risco cardiovascular parece segura durante o período avaliado, especialmente se as doses respeitarem o protocolo estudado.

Síndromes e Cenários

Febre no Pós-Operatório

Criado em: 21 de Agosto de 2023 Autor: Joanne Alves Moreira

A febre é uma das complicações pós-operatórias mais comuns. Pode ser parte de uma resposta normal à cirurgia ou ter uma causa patológica, como infecções. Este tópico discute as causas mais comuns e a investigação desse cenário.

Como fazer a avaliação inicial?

Febre pós-operatória (PO) é definida por elevação da temperatura corporal acima de 38ºC após um procedimento cirúrgico maior, como cirurgias torácicas, intra-abdominais e pélvicas [1].

A maioria dos episódios de febre que ocorrem nas primeiras 48 horas da cirurgia são benignos e autolimitados, associados à resposta inflamatória sistêmica [2].

Febre persistente, especialmente após o segundo a terceiro dia de PO, aumenta a probabilidade de uma causa infecciosa para o quadro. Causas não infecciosas também devem ser consideradas, pois representam boa parte das etiologias de febre nesse grupo [2, 3].

Quais são as principais causas de febre no pós-operatório?

As causas de febre no pós-operatório podem ser divididas em quatro grupos [2]:

  • Infecciosas
  • Trombóticas
  • Drogas
  • Endocrinopatias

Atelectasia era considerada a principal causa de febre pós-operatória, mas estudos recentes não demonstraram associação entre atelectasia e febre PO [4, 5]. A incidência de atelectasia atinge o pico nas primeiras 48 horas de pós-operatório, mesmo período em que ocorre a maior liberação de citocinas em resposta à cirurgia.

Infecciosas

As infecções de sítio cirúrgico (ISC) ocorrem no local ou próximas da incisão operatória. A maioria dos pacientes com ISC tem dor, eritema, calor e drenagem purulenta na incisão em 5 a 10 dias após a cirurgia [6]. Os sintomas surgem em até 30 dias após o procedimento, mas podem demorar até 90 dias no caso de implante de prótese.

Alguns fatores de risco associados a ISC ajudam a aumentar a suspeição [7]:

  • Alto risco cirúrgico - avaliação pela American Society of Anesthesiologists (ASA) de 3 a 5
  • Procedimento contaminado ou sujo
  • Duração do procedimento maior do que o esperado

Outros fatores específicos do paciente e do procedimento estão listados na tabela 1.

Tabela 1
Fatores de risco para infecção de sítio cirúrgico
Fatores de risco para infecção de sítio cirúrgico

As taxas de pneumonia associada à assistência à saúde aumentam após as primeiras 48 horas do procedimento [8]. A identificação e tratamento da atelectasias é recomendada, sendo essa uma intervenção que faz parte da prevenção de pneumonia.

Muitos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos precisam de sondagem vesical durante e após a cirurgia, o que aumenta o risco de infecção de trato urinário (ITU) [1]. Idade avançada, diabetes e ITU prévia também são fatores de risco para essa complicação.

Trombóticas

Estase venosa por redução de mobilidade e a cascata inflamatória pós-operatória aumentam o risco de trombose venosa profunda (TVP). Pacientes no pós-operatório são responsáveis por 20% das TVP intra-hospitalares [9].

Os pacientes com maior risco de desenvolver TVP pós-operatória são os que possuem os seguintes fatores:

  • cirurgia abdominopélvica ou ortopédica de membros inferiores
  • trauma grave ou lesão medular
  • neoplasia
  • obesidade

Febre associada ao tromboembolismo pulmonar (TEP) pode ocorrer. Costuma ser baixa - raramente ultrapassa 38,3ºC - e de curta duração, atingindo o pico no mesmo dia em que ocorre o TEP e desaparecendo gradualmente em uma semana. A tromboflebite séptica também é um diferencial nos quadros febris, especialmente em cirurgias pélvicas [10].

Drogas

Os medicamentos são a causa não infecciosa mais comum de febre em pacientes em pós-operatório. A febre pode surgir imediatamente após a administração ou até dias depois.

Reações alérgicas podem cursar com febre e o surgimento de exantema é uma pista para esse grupo de causas. Antibióticos e heparina são comumente implicados, provavelmente por serem usados com frequência. Entre os antibióticos, destacam-se os betalactâmicos e os derivados da sulfa. Síndrome serotoninérgica (veja mais no Intoxicação por Antidepressivos e Síndrome Serotoninérgica), hipertermia maligna e síndrome neuroléptica maligna também devem ser consideradas. Na tabela 2 estão listadas algumas medicações associadas à febre.

Tabela 2
Medicações associadas a febre
Medicações associadas a febre

Pacientes que recebem transfusão de hemocomponentes podem ter reações febris (veja mais no tópico Reações Transfusionais). Os registros do intra-operatório podem conter informações sobre transfusões que eventualmente são negligenciadas na transição do centro cirúrgico para a enfermaria ou UTI.

Sintomas de abstinência de álcool podem ocorrer em até 50% dos indivíduos com transtorno por uso de álcool. A fase aguda da abstinência alcoólica geralmente se inicia em até seis horas após a interrupção do uso. Os sintomas costumam ser leves, com queixas como insônia, ansiedade, cefaleia e diaforese [11].

Abstinência alcoólica não identificada e não tratada pode evoluir para delirium tremens (DT). Esses casos podem se apresentar com hipertermia (temperaturas que podem ser maiores que 40 ºC), agitação, alucinações e até convulsões. O DT tem mortalidade de até 4% e se manifesta, em média, 72 horas após a última ingestão de álcool [12]. Veja mais no episódio 140: abstinência alcoólica.

Endocrinopatias

Causas endocrinológicas de febre no pós-operatório incluem a insuficiência adrenal e tireotoxicose [1].

Insuficiência adrenal aguda pode acontecer em pacientes não diagnosticados previamente ou com uso crônico de corticoides sistêmicos que não receberam ajuste de dose. Os sintomas incluem hipotensão, hiponatremia, hipercalemia, hipoglicemia e febre. Os sinais geralmente ocorrem nas primeiras horas após a cirurgia [13].

A tireotoxicose também pode se manifestar no pós-operatório em pacientes com hipertireoidismo não diagnosticado ou naqueles que ficaram sem uso da medicação devido ao jejum. Trauma e cirurgias são precipitantes de tempestade tireotóxica. O paciente pode apresentar taquicardia, alteração do estado mental, sintomas gastrointestinais, sinais de insuficiência cardíaca e elevação de temperatura [14]. Veja mais no tópico Tempestade Tireotóxica.

Como abordar o paciente com febre no pós-operatório?

O histórico medicamentoso e psicossocial deve ser revisado em busca de fatores de risco - como corticoides e abuso de álcool - servindo de alerta no pós-operatório.

No exame clínico, deve-se sempre avaliar o sítio cirúrgico e dispositivos.

Os exames laboratoriais com hemocultura e urocultura são indicados. A coleta de outros sítios de cultura – escarro, acesso vascular – é uma decisão baseada no quadro clínico e fatores de risco.

Outros exames utilizados nesta investigação são radiografia de tórax, ultrassonografia ou tomografia voltadas para avaliação do sítio cirúrgico.

Se a principal hipótese for febre por medicação, a droga suspeita deve ser suspensa. Espera-se que a febre desapareça em 72 horas após a suspensão da droga.