Tratamento de Lombalgia Aguda

Criado em: 11 de Setembro de 2023 Autor: Marcela Belleza

Lombalgia não específica é comum e autolimitada na maioria dos casos. Dor intensa ou persistente exige tratamento sintomático e o papel dos opioides no manejo ainda gera dúvidas. Em julho de 2023, foi publicado um estudo no Lancet sobre o uso dessas medicações em pacientes com dor lombar [1]. Este tópico revisa as estratégias terapêuticas para lombalgia aguda e traz os resultados do artigo.

O que é lombalgia aguda inespecífica?

Dor lombar pode ser classificada de acordo com a duração do sintoma [2]:

  • Aguda: duração de até quatro semanas
  • Subaguda: quatro a doze semanas
  • Crônica: duração superior a doze semanas

Existem muitas causas de dor lombar aguda, descritas na tabela 1. A lombalgia é considerada inespecífica quando não são identificadas doenças ou condições patológicas que justifiquem o sintoma [3]. Isso acontece em até 90% dos casos de dor lombar. Provavelmente existe interação entre fatores psicossociais, ambientais e comportamentais [4].

Tabela 1
Causas de lombalgia aguda
Causas de lombalgia aguda

A prevalência de lombalgia aguda ao longo da vida é de aproximadamente 40%. Os episódios podem recorrer em até metade dos pacientes. A maioria dos casos tem resolução espontânea, mesmo quando existe recorrência [5].

Lombalgia aguda leva mais de 2 milhões de pessoas nos Estados Unidos a procurarem o pronto atendimento. Destes, cerca de 60% recebem prescrição de opioides [4].

Quais as opções de tratamento não farmacológico?

Todos os pacientes com lombalgia aguda inespecífica devem receber orientações sobre o diagnóstico. As principais recomendações incluem: reforçar a evolução benigna da doença e orientar a manutenção de atividades habituais, conforme toleradas. Repouso absoluto é contraindicado pela maioria dos documentos [4-7].

A diretriz do American College of Physicians ressalta o papel da terapia não farmacológica e da educação do paciente. Essa deve ser a primeira intervenção nos casos de lombalgia aguda inespecífica [2].

Outras terapias não farmacológicas incluem massagem, acupuntura e aplicação de calor local. Não há consenso a respeito de fisioterapia ou melhor atividade física para controle da dor [7].

Quais as opções de tratamento farmacológico?

O tratamento farmacológico tem como objetivo alívio da dor. Por isso, são usados essencialmente analgésicos no manejo da lombalgia aguda inespecífica.

Antiinflamatórios não esteroidais (AINEs) são a primeira escolha para casos muito sintomáticos [4, 6, 7]. Promovem melhor controle da dor lombar aguda quando comparados ao placebo. Os efeitos adversos devem ser monitorados (doença ulcerosa péptica, nefrotoxicidade, eventos cardiovasculares). Não há evidências fortes para recomendação de AINE tópico (gel ou pomadas).

Paracetamol não é recomendado para controle da lombalgia aguda [4]. Sua eficácia não é superior à do placebo em controle de dor [2, 3, 8]. Apesar de estudos não mostrarem aumento do risco de eventos graves, a hepatotoxicidade deve ser lembrada como efeito colateral da medicação.

Relaxantes musculares podem ter efeito discreto no controle de dor [9]. Não devem ser prescritos rotineiramente. Efeitos adversos significativos incluem o aumento do risco de quedas e delirium [5, 8]. Esses eventos são mais comuns quando os relaxantes são usados por mais de duas semanas e em pacientes de maior risco (idosos e naqueles em uso de psicotrópicos).

A dipirona é pouco estudada internacionalmente e não há recomendação formal nesse contexto. Um ensaio clínico está em andamento para comparação da dipirona ao ibuprofeno no controle de dor lombar aguda [10].

O que o estudo encontrou?

O estudo publicado pelo Lancet foi randomizado, triplo-cego e controlado que buscou avaliar o controle de dor lombar ou dor cervical aguda com opioides [1]. Um total de 347 pacientes foram randomizados para o grupo opioide (oxicodona associada a naloxona) ou placebo. Foram excluídos indivíduos com patologia medular (como síndrome de cauda equina), fratura vertebral ou contraindicações a opioides.

A intervenção foi mantida até o controle adequado da dor ou pelo período máximo de seis semanas. Todos os pacientes receberam recomendação de terapia não farmacológica. Outras medicações podiam ser usadas, conforme a necessidade. Os pacientes foram acompanhados até a 52ª semana após a randomização.

Não houve diferença no controle de dor entre os grupos. A incidência de eventos adversos foi semelhante entre os pacientes, sendo vômitos, constipação e cefaleia os sintomas mais comuns. O estudo analisou o risco de uso abusivo de opioide pela Opioid Misuse Measure Scale. Ao final da semana 52, pacientes do grupo opioide tinham maior risco de uso abusivo da medicação.

Os autores concluem que o uso de opioide não teve benefício sobre o placebo em controle de dor lombar ou cervical aguda. Adicionalmente, existe risco quanto ao uso abusivo dessas medicações. Essa é mais uma evidência que desencoraja o uso de opioides nesse cenário.

Tratamento de Constipação Crônica

Criado em: 11 de Setembro de 2023 Autor: Joanne Alves Moreira

Constipação crônica tem grande impacto na qualidade de vida. Em junho de 2023, a American Gastroenterological Association e o American College of Gastroenterology publicaram uma diretriz sobre o tratamento farmacológico de constipação crônica idiopática [1]. Este tópico revisa os principais pontos da publicação.

Abordagem inicial

Constipação crônica (CC) é comum e afeta 25% da população brasileira, ocorrendo em 37% das mulheres e 10% dos homens [2]. Histórico de AVC e a idade avançada estão associados à constipação.

O tratamento inicial envolve abordagens não farmacológicas, como aumento da ingestão de fibras e hidratação, além de atividade física regular.

Para pacientes com baixa ingestão oral de fibras pela alimentação, sugere-se suplementação com fibras. O psyllium é a opção mais efetiva, apesar das evidências serem fracas. O principal efeito colateral é a flatulência.

Tabela 1
Tratamento farmacológico de constipação intestinal
Tratamento farmacológico de constipação intestinal

As opções de tratamento farmacológico estão resumidas na tabela 1. A escolha deve considerar disponibilidade, custo e resposta prévia, além das evidências quanto à eficácia da terapia.

Laxativos osmóticos

O polietilenoglicol (PEG) é recomendado para adultos com CC, seja associado ou não à suplementação com fibras. É seguro e eficaz para uso por mais de seis meses [3]. Os principais efeitos colaterais são distensão abdominal, flatulência e náuseas.

O PEG demonstrou eficácia semelhante ou maior em indivíduos com CC em comparação com tegaserode, prucaloprida e lactulose [4, 5].

Outras opções como o hidróxido de magnésio e a lactulose têm um fraco nível de evidência. O hidróxido de magnésio deve ser iniciado em dose baixa e ajustado a depender da resposta. Deve-se evitar o uso em pacientes com taxa de filtração glomerular menor que 20 mL/min/1.73m² pelo risco de hipermagnesemia [6].

Lactulose foi estudada em idosos na dose de 10 a 20 g por dia [7]. O uso foi associado à diminuição da necessidade de enemas. Os principais efeitos colaterais são distensão abdominal e flatulência, sendo dose-dependentes. É uma opção para pacientes que não responderam bem a fibras ou outros laxativos.

Laxativos estimulantes

Laxativos estimulantes atuam na mucosa colônica, estimulando a peristalse e secreção. Há três representantes nesse grupo: bisacodil, picossulfato de sódio e senna.

Bisacodil e picossulfato de sódio são recomendados para uso por curto período - até quatro semanas. São indicados como resgate ou em combinação com outros laxantes. Dados sobre tolerância e efeitos colaterais a longo prazo não são conhecidos.

A dose inicial indicada para ambos é de 5 mg por dia para evitar os efeitos colaterais como dor abdominal, cólicas e diarreia. O uso é contraindicado em pessoas com obstrução intestinal, desidratação grave ou condição inflamatória intestinal aguda.

Senna é um fitoterápico com ação estimulante. Apenas um ensaio clínico estudou seu uso, em doses superiores às utilizadas na prática, encontrando eficácia similar à do óxido de magnésio. Sua eficácia a longo prazo não é conhecida [8].

Secretagogos

Os secretagogos aumentam a secreção de fluidos e trânsito intestinais. São três representantes nesse grupo: lubiprostona, linaclotida e plecanatida. Apenas a lubiprostona (Amitiza®) está disponível no Brasil.

A diretriz sugere a lubiprostona como substituta ou em associação a outras terapias. Seu uso melhorou a frequência e consistência das fezes, além de reduzir a distensão e o desconforto abdominal.

O efeito colateral mais comum é a náusea, que é dose-dependente e pode ser reduzida ao tomar junto às refeições. A lubiprostona é contraindicada em pacientes com obstrução intestinal mecânica e requer redução da dose diária em pacientes com hepatopatia.

Agonista do receptor 5-HT4

A prucaloprida (Resolor® e Motegrity®) atua no plexo entérico estimulando a produção de secreção e a motilidade gastrointestinal. É recomendada em pacientes que não responderam aos outros tratamentos, podendo substituir ou ser associada a outras terapias. Houve melhora da constipação, dos sintomas abdominais e da qualidade de vida quando comparada ao placebo [9].

A duração do tratamento estudada foi de 4 a 24 semanas, mas não há um limite definido. Deve-se reduzir a dose para 1 mg ao dia em pacientes com clearance de creatinina inferior a 30 mL/min [10].

Os principais efeitos colaterais são cefaleia, dor abdominal, náusea e diarreia. O uso é contraindicado em pacientes com perfuração ou obstrução intestinal, doença de Crohn, colite ulcerativa e megacólon ou megarreto tóxico.

Antibiótico em Infusão Estendida versus Intermitente

Criado em: 11 de Setembro de 2023 Autor: Frederico Amorim Marcelino

Este tópico foi atualizado com as informações do estudo BLING-III, veja uma discussão completa do estudo em "Atualização sobre Antibiótico em Infusão Estendida: Estudo BLING III".

Infusão estendida e contínua são estratégias para potencializar o efeito dos antibióticos beta-lactâmicos. Em junho de 2023 no Journal of the American Medical Association (JAMA) foi publicado um estudo que compara o uso contínuo de meropenem com uso intermitente em pacientes com sepse [1]. Esse tópico revisa o tema.

Infusão estendida e contínua de beta-lactâmicos

Estudos in vitro sobre farmacocinética e farmacodinâmica de antibióticos mostram que a eficácia pode depender do tempo em que a medicação é administrada. Aminoglicosídeos, por exemplo, têm melhor ação quando se garante um pico de concentração sérica (figura 1).

Figura 1
Efeito otimizado por pico de concentração máxima
Efeito otimizado por pico de concentração máxima

Para beta-lactâmicos, o que mais se correlaciona com ação antimicrobiana é o tempo em que a concentração sérica da medicação se mantém acima da concentração inibitória mínima (MIC) conforme figura 2 [2, 3]. A infusão por períodos prolongados poderia ser mais eficaz, especialmente em pacientes graves ou com infecções causadas por bactérias resistentes [4]. Esses conceitos foram discutidos em detalhes na revisão 9 sobre Vancomicina e MRSA.

Figura 2
Efeito otimizado por tempo acima da concentração inibitória mínima (MIC ou CIM)
Efeito otimizado por tempo acima da concentração inibitória mínima (MIC ou CIM)

Ao usar meropenem para uma infecção por Klebsiella pneumoniae com MIC de 2 mg/L, a concentração sérica de meropenem deveria estar acima de 2 mg/L durante todo o tratamento para obter o melhor efeito. O meropenem é comumente infundido em 30 a 60 minutos (infusão intermitente), mas na infusão estendida seria administrado em 3 a 4 horas ou em infusão contínua. A infusão intermitente pode levar a picos e vales na concentração, enquanto as infusões estendida e contínua mantêm o nível sérico mais estável.

Apesar do embasamento teórico, muitos parâmetros associados a maior eficácia in vitro não se replicaram em estudos clínicos, especialmente na infectologia. Um exemplo é a diferenciação entre drogas bactericidas e bacteriostáticas [5]. Embora existam diferenças laboratoriais na velocidade de eliminação de bactérias, parece não haver diferença significativa nos desfechos clínicos entre pacientes tratados com drogas bactericidas e bacteriostáticas. Outro exemplo é a via de administração de antimicrobianos, com estudos indicando que não há diferença entre a via endovenosa e a via oral [6].

Evidência clínica antes do estudo

Estudos observacionais e estudos clínicos randomizados que avaliaram a estratégia de infusão estendida chegaram em resultados diferentes. Uma meta-análise e revisão sistemática publicada no Lancet em 2018 avaliou a infusão estendida de beta-lactâmicos anti-pseudomonas (principalmente cefepime, ceftazidima, piperacilina/tazobactam e meropenem), em pacientes com sepse [7]. Foram incluídos apenas ensaios clínicos randomizados, totalizando 1876 pacientes. A infusão estendida foi associada à diminuição de mortalidade no grupo estudado. Esse trabalho e uma meta-análise de 2016 embasaram a recomendação da diretriz da Surviving Sepsis Campaign de 2021 para o uso de infusão estendida de beta-lactâmicos em pacientes com sepse ou choque séptico [4, 8].

Outros estudos randomizados não mostraram esse efeito. Um destes foi o estudo BLING II, que avaliou 432 pacientes com sepse e não encontrou diferença significativa nos desfechos clínicos entre o uso de beta-lactâmicos anti-pseudomonas em infusão intermitente versus infusão estendida [9].

O estudo MERCY

O MERCY foi um ensaio clínico duplo-cego, randomizado e multicêntrico que comparou o uso de meropenem em infusão intermitente versus infusão contínua em pacientes com sepse e choque séptico [1]. Foram incluídos 607 pacientes e o desfecho primário foi um composto de mortalidade e surgimento de resistência bacteriana em 28 dias.

Não houve diferença significativa entre os dois grupos. Os desfechos secundários, que incluíam dias livres de UTI, dias livres de antibióticos e mortalidade em 90 dias, também não apresentaram diferença relevante.

Uma das críticas ao trabalho foi referente à escolha do desfecho primário. O estudo foi desenhado para ser estatisticamente relevante caso a intervenção atingisse 12% de redução absoluta de mortalidade ou surgimento de resistência bacteriana. Em UTI é difícil encontrar diferença significativa nesse desfecho. A amostra estudada era composta de 61% de pacientes com choque séptico, internados há 8 a 9 dias da randomização, sugerindo uma infecção de origem hospitalar e aumentando a gravidade do quadro.

Outra crítica é direcionada à etiologia das infecções. Um terço dos pacientes tinham infecções por gram-positivos, nas quais o meropenem não desempenha um papel expressivo. Nos pacientes com infecção por gram-negativos, uma parte era resistente a carbapenêmicos.

Existem dúvidas sobre a possibilidade de extrapolar os resultados do MERCY para outros beta-lactâmicos. Estudos anteriores sugerem que o benefício da infusão estendida pode ser específico para certas drogas como a piperacilina/tazobactam, não sendo aplicável às cefalosporinas e carbapenêmicos [10, 11].

Com essas ressalvas, o estudo parece não ser suficiente para contrariar as recomendações atuais, especialmente considerando que não foram identificados malefícios da estratégia em ensaios clínicos. Novas respostas podem surgir de um estudo em andamento (BLING III) com 7.000 pacientes avaliando a infusão estendida de beta-lactâmicos em pacientes com sepse [12].