Será que Tem Evidência?

Aspirina para Prevenção de Eventos Cardiovasculares

Criado em: 02 de Outubro de 2023 Autor: Raphael Coelho

Será que tem evidência para aspirina na prevenção de eventos cardiovasculares? Esse tópico revisa as evidências para profilaxia primária e secundária e discute os riscos do seu uso.

Como age a aspirina?

A aspirina bloqueia a ciclo-oxigenase-1 (COX-1), impedindo a produção de tromboxano A2, um agregante plaquetário. Em doses maiores, ocorre inibição da COX-2 e efeitos analgésico e antipirético. A aspirina também parece agir por outras vias anti-inflamatórias.

Doses menores têm efeitos antitrombóticos e doses maiores têm ação anti-inflamatória.

Aspirina para prevenção secundária de eventos cardiovasculares

A aspirina reduz o risco de eventos cardiovasculares em pacientes que já tiveram algum evento prévio (prevenção secundária). O grupo que mais se beneficia é o de pacientes com história prévia de infarto agudo do miocárdio (IAM) ou acidente vascular cerebral (AVC). Uma metanálise de 195 estudos publicada em 2002 encontrou uma redução de 22% do risco de novos eventos cardiovasculares em pacientes de alto risco [1].

A dose ótima para prevenção é incerta. Não há diferença em benefício entre doses diárias baixas (75 a 150 mg) e doses diárias médias (160 a 325 mg) [1]. O risco de sangramento aumenta a partir de 325 mg.

Doses de ataque de 160 a 325 mg são realizadas no tratamento de oclusões arteriais agudas, como no IAM por obstrução coronariana e em alguns casos de isquemia cerebral.

A diretriz da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) de 2021 recomenda o uso de 75 a 100 mg de aspirina para prevenção secundária. A diretriz do Colégio Americano de Cardiologistas e da American Heart Association recomenda 75 a 162 mg para todos os pacientes com doença arterial coronariana [2, 3].

A diretriz americana recomenda antiagregação plaquetária para doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) sintomática. Não há benefício de doses profiláticas para pacientes com DAOP assintomática, mesmo com índice tornozelo-braquial baixo [4, 5, 6].

Aspirina ou clopidogrel para prevenção secundária?

É possível que o clopidogrel seja mais efetivo do que a aspirina para prevenção secundária de eventos cardiovasculares. O estudo CAPRIE encontrou maior benefício com clopidogrel em uma população pós IAM, AVC ou com DAOP sintomática, com risco de sangramentos semelhante [7]. Uma metanálise de sete estudos publicada em 2023 comparou inibidores da P2Y12 (clopidogrel e ticagrelor) contra aspirina na prevenção de eventos em pacientes com doença coronariana [8]. Os inibidores da P2Y12 conseguiram uma maior redução de risco e menos eventos adversos. Estudos atuais comparando diretamente aspirina e inibidores da P2Y12 na prevenção secundária ajudariam a esclarecer a questão.

A diretriz da ESC recomenda o clopidogrel como uma alternativa nos casos em que há intolerância à aspirina [3]. A recomendação de clopidogrel como preferência nos pacientes com doença arterial aterosclerótica estabelecida é mais fraca. A diretriz americana recomenda clopidogrel como alternativa à aspirina [2].

Aspirina para prevenção primária de eventos cardiovasculares

A aspirina em doses profiláticas para pacientes que nunca tiveram eventos cardiovasculares não reduz mortalidade geral, cardiovascular ou incidência de AVC. Essa afirmação vem de três grandes estudos publicados em 2018 testando a aspirina na prevenção primária:

  • ASCEND [9]: 15 mil pacientes, 94% com diabetes tipo 2.
  • ARRIVE [10]: 12 mil pacientes de risco cardiovascular moderado, em torno de 15% de probabilidade de um novo evento em 10 anos.
  • ASPREE [11]: 19 mil pacientes idosos.

Uma metanálise da United States Preventive Services Task Force (USPSTF) de 2016 havia indicado redução de infartos não fatais em pacientes em uso de profilaxia primária com aspirina [12]. Porém esse resultado não foi replicado nos estudos de 2018.

Em 2022 a USPSTF reavaliou as evidências sobre aspirina na profilaxia primária de eventos cardiovasculares. O novo posicionamento da instituição é contra o uso em pacientes acima de 60 anos, especialmente após os 70 anos de idade. Nesta população, houve redução da expectativa de vida. A indicação deve ser individualizada em pacientes de 40 a 59 anos com risco de evento cardiovascular superior a 10% em 10 anos [13].

A diretriz da ESC faz uma recomendação contra o uso da aspirina para pacientes de baixo ou moderado risco cardiovascular, pelo aumento do risco de sangramento [3]. O documento pontua que a aspirina pode ser considerada como método de prevenção primária em pacientes diabéticos de alto risco ou pacientes de muito alto risco cardiovascular.

Para saber mais sobre o tema, confira o episódio AAS na profilaxia primária.

Risco de sangramento

A aspirina aumenta o risco de sangramentos, sendo o do trato gastrointestinal o mais comum entre os clinicamente relevantes. O uso de inibidores de bomba de prótons (IBP) é recomendado para pacientes em uso crônico de aspirina que têm história de sangramento gastrointestinal alto [14]. A diretriz da ESC recomenda IBP para pacientes de alto risco de sangramento, mas não deixa claro quem são esses pacientes [3].

Formulações de aspirina de liberação entérica podem reduzir erosões visualizadas na endoscopia, mas não protegem contra desfechos relevantes [15]. Essas apresentações não são indicadas para prevenção de sangramentos. Há discussão sobre a efetividade da antiagregação em formulações de liberação entérica [16].

A aspirina aumenta o risco de sangramentos intracranianos que, apesar de raros, são graves. O maior risco é de sangramentos subdurais e extradurais. O grupo com maior chance de ter sangramentos são homens mais velhos com fatores de risco cardiovasculares. Uma análise secundária do estudo ASPREE encontrou aumento de 38% no risco de sangramento intracraniano. Esses eventos foram raros no grupo placebo e no grupo aspirina [11].

Tratamento Farmacológico de Osteoporose Primária

Criado em: 02 de Outubro de 2023 Autor: Marcela Belleza

O tratamento farmacológico da osteoporose primária depende da gravidade da doença, preferências do paciente e eventos adversos relacionados às medicações. Em 2023, o American College of Physicians (ACP) lançou uma diretriz para orientar a escolha sobre a terapia [1]. Este tópico revisa o tema e resume as principais recomendações da diretriz.

Quais são as opções de tratamento na osteoporose primária?

Osteoporose primária (OP) é uma doença comum e muitas vezes assintomática. Estima-se que até 15% das mulheres terão uma fratura de quadril. O objetivo do tratamento é prevenir fraturas, especialmente de quadril e coluna.

O diagnóstico de OP pode ser feito por rastreio com densitometria ou após uma fratura de fragilidade. Para saber mais sobre o diagnóstico, confira o episódio 102: osteoporose.

Além de tratamento farmacológico, os pacientes com OP devem receber as seguintes orientações:

  • Adequação de níveis de vitamina D. A concentração plasmática de 25(OH)vitamina D deve ser mantida em níveis superiores a 30 ng/ml [2].
  • Adequação da ingesta de cálcio. A recomendação brasileira é de ingesta de até 1.200 mg de cálcio ao dia [3].
  • Realização de atividade física. Objetivo de ganho muscular e de massa óssea.
  • Prevenção de quedas. Orientações sobre adaptação ambiental, calçados adequados, reavaliação de medicações que podem predispor a esse evento.
Tabela 1
Medicações para tratamento de osteoporose primária
Medicações para tratamento de osteoporose primária

Independente de como o diagnóstico foi realizado, todos devem receber tratamento farmacológico específico. As medicações disponíveis estão descritas na tabela 1. São classificadas entre antirreabsortivas (diminuem a reabsorção óssea) e anabólicas (aumentam a formação óssea).

Como escolher o melhor medicamento?

Pacientes com OP devem ter avaliação do risco de fraturas. Nessa avaliação, algumas características indicam muito alto risco de fratura. As diretrizes não são consensuais sobre quais marcadores devem ser valorizados, mas a maioria considera os seguintes [2, 4]:

  • Fratura em vigência de tratamento de OP
  • Fratura por fragilidade há menos de doze meses
  • Múltiplas fraturas osteoporóticas
  • T-score inferior a - 3,0

Se o paciente tiver critérios de muito alto risco de fratura, o tratamento deve ser feito com agentes anabólicos, como o romosozumabe ou teriparatida [5]. Dentre as opções de anabólicos, o romosozumabe tem melhores evidências pela diretriz da ACP [1].

Pacientes com OP sem critérios de muito alto risco de fratura devem ser manejados com antirreabsortivos. A diretriz coloca os bisfosfonatos (BF) como primeira escolha nessa situação. São medicações custo-efetivas, com bom perfil de efeito adversos. O denosumabe passa a ser uma opção caso exista preferência do paciente ou intolerância aos bisfosfonatos [1].

Existem poucas evidências sobre o uso de calcitonina e moduladores de receptor de estrogênio (SERMs) no tratamento de OP. Não são medicações recomendadas pela diretriz do ACP. Outras sociedades as colocam como opção em caso de intolerância ou contraindicações às outras terapias específicas para OP [4].

A terapia hormonal é reservada para mulheres com sintomas de climatério em até dez anos após a menopausa. O aumento do risco de neoplasias, eventos cardiovasculares e tromboses deve ser levado em consideração [5].

Cuidados após o início do tratamento

A OP é uma doença crônica, com necessidade de tratamento prolongado. A manutenção de bisfosfonatos e anabólicos deve ser reavaliada quanto aos riscos ou ausência de benefício a longo prazo.

O uso de bisfosfonatos por longos períodos aumenta o risco de fraturas atípicas e osteonecrose de mandíbula. Deve haver reavaliação sobre a manutenção do uso após cinco anos de terapia com BF orais e três anos do ácido zoledrônico [5]. O paciente pode ser mantido sem terapia para OP (num período conhecido como holiday), pois existe deposição da droga nos ossos e ação antirreabsortiva residual.

Os agentes anabólicos são recomendados por períodos menores - 18 a 24 meses no caso de teriparatida e 12 meses para o romosozumabe. Após a descontinuação, existe perda óssea importante. Por esse motivo, todos os pacientes que ultrapassam o período de uso dos anabólicos devem transicionar para terapia com antirreabsortivos [5]. A preferência, novamente, é pelos BF.

Como Fazer

Plasmaférese

Criado em: 02 de Outubro de 2023 Autor: Luisa Sousa

Plasmaférese é a remoção extracorpórea do plasma sanguíneo com troca por um fluido de reposição. Esse procedimento é realizado para tratamento de doenças neurológicas, hematológicas e renais [1]. Este tópico aborda aspectos técnicos e revisa as principais indicações.

O que é plasmaférese e como é realizada

A plasmaférese terapêutica é realizada por uma máquina que remove o plasma do paciente e devolve os outros componentes do sangue junto a um fluido de reposição. Esse fluido pode ser coloide, cristaloide, o próprio plasma do paciente sem a substância ou plasma de um doador. O objetivo é remover substâncias patogênicas, idealmente com grande peso molecular (maior que 15.000 daltons), meia vida prolongada e boa distribuição intravascular.

Para realizar a plasmaférese, pode-se usar dois métodos de terapia extracorpórea: centrifugação ou filtração por membrana. A centrifugação separa qualquer componente do sangue de acordo com a sua densidade - plasma, plaquetas ou hemácias [2, 3]. A filtração por membrana só separa o plasma. A separação de plasma por membrana é realizada em uma máquina de diálise com um filtro altamente permeável.

A filtração por membrana remove plasma mais devagar, necessitando de maior tempo de tratamento comparado à centrifugação - geralmente 3 horas na membrana e 1,5 a 2 horas por centrífuga.

Aspectos práticos

Existem três componentes práticos para realização da plasmaferese: acesso vascular, método de anticoagulação e fluido de reposição.

Os dois métodos de plasmaférese têm eficácia semelhante. A filtração por membrana precisa de um acesso venoso central semelhante aos de hemodiálise convencional, com garantia de um fluxo sanguíneo entre 100 e 150 mL/min. O método de centrifugação pode ser realizado por um acesso venoso periférico calibroso nas veias cefálica ou basílica. Fístulas arteriovenosas podem ser usadas, principalmente em pacientes que já as possuem para realização de hemodiálise [4].

Por ser uma terapia com circulação extracorpórea, há necessidade de anticoagulação para evitar formação de trombos. A anticoagulação pode ser realizada com citrato ou heparina. O citrato tem a vantagem de ser um anticoagulante regional, diminuindo risco de sangramento. A filtração por membrana tem maior risco de intoxicação por citrato por conta das altas taxas de fluxo sanguíneo e menor eliminação do citrato. Por esse risco, a heparina é escolha na filtração por membrana e é preferível em pacientes com doença renal ou hepática [5, 6].

A escolha do fluido de reposição depende do contexto clínico. A albumina 5% é mais usada por suas propriedades oncóticas, mas pelo alto custo pode ser diluída em uma solução com soro fisiológico. Quando há hiperviscosidade, prefere-se o soro fisiológico isolado. O plasma é o fluido de escolha quando há necessidade de repor algum dos seus componentes. Por exemplo, a reposição do ADAMTS13 na púrpura trombocitopênica trombótica e de fatores de coagulação em pacientes com sangramento [7].

Quais as principais indicações?

A Sociedade Americana de Aférese organiza as indicações de aférese em categorias pelo nível de recomendação da terapia (tabela 1) e a qualidade da evidência é organizada pelas letras A (alta), B (moderada) e C (baixa) [7].

Tabela 1
Categorias de recomendação para aférese
Categorias de recomendação para aférese

Mais de 80 condições entram nessa classificação. A aférese terapêutica pode ser aplicada para remoção de substâncias como imunoglobulinas (nas síndromes de hiperviscosidade), auto-anticorpos (na doença anti-membrana basal glomerular) e lipoproteínas (na hipercolesterolemia familiar). A prescrição, frequência de tratamento, tipo de fluido de reposição e duração da terapia variam de acordo com a indicação.

Tabela 2
Recomendações nível 1 para aférese
Recomendações nível 1 para aférese

Exemplos da categoria I são a púrpura trombocitopênica trombótica, doença anti-membrana basal glomerular com hemorragia alveolar difusa e injúria renal sem necessidade de diálise, síndrome de Guillain-Barré, síndrome antifosfolípide catastrófica e hipercolesterolemia familiar em homozigose. A tabela 2 resume as indicações de categoria I para plasmaférese, de acordo com a Sociedade Americana de Aférese [7].

Complicações e cuidados com a plasmaférese

As complicações relacionadas à plasmaférese dependem do tipo de método, fluido de reposição e características do paciente (tabela 3). A incidência de reações adversas é maior com a reposição de plasma do que albumina devido às reações transfusionais. A mortalidade associada à plasmaférese é menor que 0,1% [8].

Tabela 3
Complicações relacionadas à plasmaférese
Complicações relacionadas à plasmaférese

Antes de uma sessão de plasmaférese deve ser realizada dosagem de eletrólitos (especialmente cálcio e potássio), hemograma, coagulograma e fibrinogênio.