Hiperaldosteronismo Primário

Criado em: 20 de Junho de 2022 Autor: Kaue Malpighi

Em abril de 2022, o British Medical Journal (BMJ) lançou uma revisão sobre hiperaldosteronismo primário (HP). Indo da investigação ao tratamento, o artigo coloca em pauta o porquê de ser uma condição tão subdiagnosticada [1]. Trazemos aqui os principais pontos.

O que é hiperaldosteronismo primário?

O hiperaldosteronismo primário (HP) é caracterizado pela produção inapropriadamente alta de aldosterona, independente dos níveis de renina. Isso aumenta a reabsorção de sódio e causa hipertensão.

Estima-se uma prevalência de HP de 3,2 a 12,7% entre pacientes com diagnóstico de hipertensão na atenção primária [2], sendo maior em pacientes com hipertensão resistente - chegando até 22% [3]. Apesar da alta prevalência, HP é uma doença subdiagnosticada.

Qual o motivo do subdiagnóstico?

Em geral, o rastreio de HP é indicado em pacientes com hipertensão resistente ou com hipertensão e hipocalemia. O subdiagnóstico pode ser decorrente dos seguintes motivos:

  • Baixa taxa de rastreio em pacientes com hipertensão resistente - 2,1% em um registro americano [4].
  • HP é mais comum em pacientes com hipertensão resistente, porém pode estar presente em qualquer faixa de hipertensão [5].
  • Hipocalemia não é tão frequente quanto se pensa - apenas 9 a 37% dos casos apresentam hipocalemia.
  • Apesar de sintomas como fraqueza muscular, cãibras, parestesias, palpitações e poliúria estarem associados, são infrequentes e inespecíficos. A maioria dos pacientes é assintomática.

Pacientes com HP, quando comparados com pacientes com hipertensão essencial, apresentam maior risco de AVC, doença coronariana, fibrilação atrial e insuficiência cardíaca, mesmo quando ajustado para os níveis de hipertensão [6].

Como fazer o diagnóstico?

O rastreio deve ser considerado em:

  • Hipertensão resistente - Controle pressórico inadequado com 3 medicamentos, sendo um deles um diurético.
  • Hipertensão moderada a grave - ≥140/90 mmHg.
  • Hipertensão com massa adrenal incidental.
  • Hipertensão com hipocalemia.

O teste de rastreio de escolha é a relação aldosterona-renina plasmática (RAR), sendo que a sensibilidade e especificidade variam conforme alguns limiares (tabela 1).

Tabela 1
Poder diagnóstico da relação aldosterona-renina (RAR) com limiares diferentes
Poder diagnóstico da relação aldosterona-renina (RAR) com limiares diferentes

Alguns cuidados que devemos tomar para a realização da RAR:

  • RAR é afetada pela maioria dos anti-hipertensivos utilizados rotineiramente (tabela 2).
  • A coleta deve ser realizada 2 horas após despertar e ter deambulado, com ao menos 15 minutos de descanso antes da coleta.
  • Doença renal crônica tende a reduzir os níveis de renina, podendo falsear a RAR para cima.
  • Doença renovascular tende a aumentar a renina plasmática, tendendo a falsear a RAR para baixo.
  • Manter potássio entre 4,0-5,0 mmol/L, visto que hipocalemia por ocasionar RAR falso-negativo.
Tabela 2
Drogas que precisam ser modificadas para fazer o screening de hiperaldosteronismo primário com relação aldosterona-renina (RAR)
Drogas que precisam ser modificadas para fazer o screening de hiperaldosteronismo primário com relação aldosterona-renina (RAR)

Apesar de um teste imperfeito, duas medidas negativas em dias diferentes ajudam a excluir HP.

Em casos de RAR positivo, deve-se preferir encaminhar ao especialista para testes confirmatórios (teste de infusão com salina, teste de supressão com fludrocortisona ou teste de sobrecarga oral de sódio).

Como manejar?

Após o diagnóstico, precisamos estabelecer a etiologia. As duas principais causas de HP são: adenoma de adrenal e hiperplasia adrenal.

Os testes de escolha para investigação são tomografia computadorizada de adrenal (avalia a presença de adenoma) e amostra venosa adrenal (avalia se a produção de aldosterona é uni ou bilateral).

Em casos de adenomas produtores de aldosterona unilaterais, a terapia de escolha é a adrenalectomia unilateral.

Em pacientes com doença adrenal bilateral, a terapia de escolha são os antagonistas dos receptores de mineralocorticoides. A medicação de escolha é a espironolactona, iniciada em doses de 12,5 a 25mg, com doses máximas de 100 a 400mg por dia [7]. Em casos de efeitos colaterais importantes (ginecomastia, mastodinia, redução da libído, alterações menstruais), pode-se optar pela eplerenona.

A meta de tratamento é a normalização da pressão, da hipocalemia e da concentração de renina.

Tratamento de Nefropatia por IgA

Criado em: 20 de Junho de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

A nefropatia por IgA, também conhecida como doença de Berger, é a glomerulonefrite primária mais comum do mundo. Um estudo recente publicado no Journal of American Medical Association (JAMA) avaliou o uso de metilprednisolona nessa condição [1]. Aproveitando a publicação, vamos rever o manejo dessa doença.

O que é Nefropatia por IgA?

Nefropatia por IgA ocorre por deposição de IgA no mesângio glomerular. É uma causa subdiagnosticada de doença renal crônica (DRC). Cerca de 20 a 40% dos pacientes com Nefropatia por IgA vão evoluir para DRC em 10 a 20 anos.

O espectro de manifestações clínicas é amplo, podendo causar:

  • Hematúria microscópica assintomática: apresentação mais comum. Pode ter ou não proteinúria. Mesmo que inicialmente assintomático, pode evoluir para DRC ao longo do tempo.
  • Hematúria Macroscópica: pode ocorrer em episódios durante infecções respiratórias ou menos frequentemente gastrointestinais. O tempo é importante na diferenciação com glomerulonefrite pós-infecciosa. Na nefropatia por IgA, a hematúria ocorre em menos de 5 dias da infecção; na pós-infecciosa, a hematúria se manifesta após 2 a 3 semanas do quadro infeccioso. O prognóstico dessa apresentação tende a ser melhor.
  • Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva (GNRP): caracterizada pela redução de pelo menos 50% da taxa de filtração glomerular (TFG) em menos de 3 meses. Essa apresentação clínica ocorre em associação com a manifestação histológica de crescentes glomerulares ocupando 50% dos glomérulos. Mesmo com imunossupressão, mais de 40% dos pacientes vão evoluir para DRC;
  • Síndrome Nefrótica
  • Lesão Renal Aguda (LRA): Além de GNRP, o paciente pode ter LRA devido a obstrução tubular por hematúria. Esse quadro tende a se resolver em um período de semanas.

A vasculite por IgA (quando o paciente apresenta também artralgia, dor abdominal e púrpura palpável) pode ser considerada do mesmo espectro de doença ou uma forma secundária de nefropatia por IgA. Algumas condições associadas a nefropatia por IgA são cirrose, HIV, doenças autoimunes, doença inflamatória intestinal e algumas infecções.

Qual é o tratamento no momento?

A última diretriz de tratamento de glomerulonefrites da Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO), inclui no tratamento de nefropatia por IgA [2]:

  • Inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA): Se proteinúria acima de 500mg/dia - Objetivo é reduzir progressão para DRC. Não existe estudo que valide o bloqueio duplo realizado com iECA e bloqueador do receptor de angiotensina (BRA).
  • Controle de pressão arterial: Um dos fatores (junto com a proteinúria) que influencia na progressão para doença renal crônica.
  • Imunossupressão com corticoide é uma alternativa para quem mantém proteinúria elevada apesar de terapia inicial otimizada. Porém, até então, os trabalhos que avaliaram essa opção apresentaram risco maior de complicações relacionados ao uso de corticóide, o que tornava essa recomendação fraca.
  • Pacientes com nefropatia por IgA e síndrome nefrótica devem ser manejados conforme o padrão histológico.

O que o estudo avaliou?

O estudo publicado no JAMA é uma continuação da maior publicação de corticoide e nefropatia por IgA. No primeiro momento, a publicação de 2017 selecionou 262 pacientes com nefropatia por IgA confirmada por biópsia que mantinham proteinúria após terapia otimizada [3]. Esses pacientes eram randomizados para metilprednisolona ou placebo. A dose de metilprednisolona foi de 0.6-0.8 mg/kg/dia. Apesar de parecer haver um benefício no uso do corticóide, o estudo foi interrompido precocemente por eventos adversos, incluindo dois óbitos por infecção.

Após mais de um ano parado, o estudo foi retomado com uma dose menor de metilprednisolona, dessa vez 0,4mg/kg/dia. O corticoide era realizado por 2 meses, e depois reduzido progressivamente em uma média de mais 6 meses. Todos os pacientes receberam iECA ou BRA por 3 meses antes de entrar no estudo, e nesses pacientes que entraram no estudo com uma dose de corticoide reduzida, foi realizado profilaxia para pneumocistose. O desfecho era um composto de queda de 40% da TFG, diálise ou morte por causa renais.

Houve redução significativa do desfecho composto no grupo corticóide, independente da dose utilizada. O grupo de dose menor de corticoide teve menor taxa de eventos adversos.

Como fica agora?

A dose reduzida de metilprednisolona parece ser uma opção para pacientes com nefropatia por IgA e que mantém proteinúria.

Vale ressaltar que outros medicamentos estão sendo testados nesse contexto, incluindo hidroxicloroquina, budesonida oral e outros agentes específicos, como antagonistas do receptor da endotelina. Novidades em breve.

Tratamento da Fibrose Pulmonar Idiopática

Criado em: 20 de Junho de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é uma doença grave e progressiva. Na conferência da American Thoracic Society de 2022 foi apresentado um estudo com uma nova terapêutica para FPI [1]. Vamos rever o tratamento e explorar essa nova evidência.

O que é fibrose pulmonar idiopática?

A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é uma doença intersticial pulmonar. Dentro das doenças pulmonares intersticiais, a FPI é classificada como uma pneumonia intersticial idiopática crônica (ver figura 1).

Figura 1
Classificação das doenças pulmonares intersticiais difusas (DPID)
Classificação das doenças pulmonares intersticiais difusas (DPID)

A causa de FPI não é bem estabelecida. O curso é progressivo e irreversível com alta mortalidade. Os tratamentos disponíveis são capazes de lentificar a progressão, porém não param o avanço da doença.

O paciente clássico é um homem com mais de 60 anos com dispneia crônica e tosse não produtiva. História de tabagismo é comum. A ausculta revela estertores bilaterais em bases. O achado típico na tomografia e na histopatologia é de pneumonia intersticial usual (PIU).

Quais os tratamentos não farmacológicos para FPI?

Os componentes mais importantes do tratamento não farmacológico de FPI são:

  • Oxigenioterapia, quando indicada
  • Educação, especialmente sobre cessação do tabagismo
  • Reabilitação pulmonar
  • Vacinação para pneumococo e influenza
Tabela 1
Indicação de oxigenoterapia em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
Indicação de oxigenoterapia em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)

Praticamente todos os pacientes com FPI vão precisar de oxigênio em algum momento. As indicações de oxigenoterapia são similares a de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Veja as indicações na tabela 1.

Quais os tratamentos medicamentosos aprovados para FPI?

Existem dois medicamentos aprovados para FPI: nintedanibe e pirfenidona. Ambas reduzem a progressão e podem diminuir a frequência de exacerbações.

O nintedanibe é um inibidor de múltiplas tirosina quinases. A dose é de 150mg duas vezes ao dia. O efeito colateral mais comum é diarreia, ocorrendo em 62% dos pacientes. É necessário monitorizar marcadores de lesão hepática durante o uso. A droga não pode ser utilizada em pacientes com cirrose Child-Pugh B ou C.

A pirfenidona inibe o fator de crescimento transformador beta (TGF-beta), bloqueando fibroblastos e a síntese de colágeno. A medicação é iniciada na dose de uma cápsula (267mg) três vezes ao dia, progredindo até três cápsulas três vezes ao dia. Erupções de pele ocorrem em 30% dos pacientes. Lesão hepática induzida por droga pode acontecer, sendo descritas reações graves e até fatais.

O que essa nova evidência acrescenta?

O estudo testou uma nova droga no tratamento da FPI, um inibidor da fosfodiesterase-4. O trabalho foi apresentado na conferência da American Thoracic Society de 2022 e publicado no New England Journal of Medicine. A droga ainda não tem nome comercial, sendo chamada de BI 1015550.

O trabalho de fase 2 foi duplo cego e comparou o novo remédio contra placebo. O desfecho primário foi a redução da capacidade vital forçada (CVF) em 12 semanas. Foram randomizados 147 pacientes, sendo permitido o uso de antifibróticos ao mesmo tempo.

Não houve variação significativa da CVF naqueles que usaram a droga testada. No grupo placebo que não utilizou antifibróticos, a variação média foi de -81ml. Nos que utilizaram placebo e usavam antifibróticos, a variação média foi de -59ml.

O efeito colateral mais comum foi diarreia. A taxa de efeitos colaterais graves não diferiu entre os grupos.

O estudo traz uma notícia esperançosa no tratamento de FPI. Estudos de fase 3 são necessários para investigar os achados. Outro inibidor da fosfodiesterase-4, o roflumilaste, já é utilizado na DPOC.