Estatinas e Eventos Adversos

Criado em: 20 de Novembro de 2023 Autor: Marcela Belleza

As estatinas são a primeira linha de tratamento farmacológico para o controle da dislipidemia. Existe preocupação quanto aos efeitos adversos dessas medicações. Em setembro de 2023 o British Medical Journal publicou um estudo que comparou a eficácia e segurança de duas estatinas: rosuvastatina e atorvastatina [1]. Este tópico traz um resumo das evidências sobre o assunto e os resultados do artigo.

Quais são as indicações de estatinas?

As estatinas estão indicadas para redução de eventos cardiovasculares através do controle dos níveis de colesterol.

Todos os pacientes que já tiveram um evento cardiovascular devem receber prevenção secundária com estatinas. Pacientes com doença aterosclerótica estabelecida (coronariana, cerebrovascular e/ou doença arterial obstrutiva periférica) têm muito alto risco de novos eventos cardiovasculares. As estatinas de alta potência (tabela 1) são a escolha nesta população e a meta de LDL deve ser menor que 50 mg/dL segundo a diretriz brasileira [2].

Tabela 1
Potência da terapia com estatinas
Potência da terapia com estatinas

Na prevenção primária, o risco de eventos cardiovasculares deve ser calculado com ferramentas validadas. Para a população brasileira, recomenda-se o uso da calculadora de escore de risco cardiovascular global em pacientes sem história de evento cardiovascular e sem características de alto risco (tabela 1) [2].

As metas de LDL e escolha da terapia dependem do risco cardiovascular avaliado e da potência da estatina (tabela 2):

  • Alto risco: meta de LDL ≤ 70 mg/dL com preferência para estatina de alta intensidade
  • Risco intermediário: meta de LDL < 100 mg/dL com preferência por estatina de moderada intensidade
  • Baixo risco: meta LDL < 130 mg/dL, com medidas não farmacológicas. Pode-se considerar terapia farmacológica em pacientes com LDL> 160 mg/dL
Tabela 2
Características de alto risco em pacientes sem doença cardiovascular
Características de alto risco em pacientes sem doença cardiovascular

O LODESTAR foi um estudo publicado em 2023 que avaliou uma abordagem diferente para a profilaxia de eventos cardiovasculares em pacientes de muito alto risco [3]. Foram randomizados 4400 indivíduos com doença coronariana crônica para uma estratégia convencional ou para terapia guiada por meta. A estratégia convencional consistia em uso de estatina de alta potência independente do LDL. Na terapia guiada por meta, tentava-se titular a dose de estatina começando com doses mais baixas, com objetivo de atingir um LDL entre 50 e 70 mg/dl. A alta potência só era utilizada se a meta não fosse atingida com doses mais baixas. Apenas atorvastatina e rosuvastatina foram usadas no estudo.

Ao final de três anos de acompanhamento, a terapia guiada pelo LDL foi não inferior a estratégia convencional na prevenção do composto de mortalidade, infarto, AVC ou necessidade de revascularização coronariana. Esse estudo ainda não foi incorporado às principais diretrizes, mas pode embasar a conduta de uso de estatinas em doses menores e mais toleradas, desde que a meta de LDL seja atingida.

Quais são os principais efeitos adversos das estatinas?

A maior parte dos pacientes em uso de estatinas tem boa tolerabilidade com a medicação. Os efeitos adversos mais comuns são musculares e podem ter várias apresentações clínicas. Mialgia é a principal queixa muscular. O sintoma pode ser aliviado com a troca da estatina ou alteração da posologia, como discutido no episódios 177 - mialgia por estatina. Miopatia, miosite e rabdomiólise são complicações mais graves, porém mais raras [5].

Hepatotoxicidade é um evento adverso incomum, ocorrendo em menos de 1% dos pacientes. As de alta potência são mais implicadas. Não se recomenda dosagem de transaminases de forma rotineira. As estatinas podem ser prescritas em pacientes com hepatopatia crônica e estável [5, 6].

Alteração do metabolismo glicêmico e um novo diagnóstico de diabetes mellitus (DM) podem ocorrer. Esse efeito preocupa por ser um fator de risco adicional para eventos cardiovasculares [7]. Existe associação com a dose de estatina em uso e a maior incidência de DM. No entanto, estima-se que o número necessário de pacientes expostos para um novo diagnóstico de DM é de 255 em um período de quatro anos [8]. As diretrizes reforçam que o benefício cardiovascular das estatinas supera o risco da alteração no metabolismo glicêmico [5, 8].

O que o estudo mostrou?

O estudo publicado em setembro de 2023 foi uma análise secundária do LODESTAR [1]. Foram avaliados 4400 indivíduos com doença coronariana crônica, em uso de atorvastatina ou rosuvastatina.

O desfecho primário analisado foi a ocorrência de um composto entre mortalidade, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral ou necessidade de revascularização coronariana. Desfechos secundários avaliados foram novo diagnóstico de diabetes, internação por descompensação de insuficiência cardíaca, tromboembolismo venoso, revascularização por doença arterial obstrutiva periférica, necessidade de intervenção aórtica ou surgimento de disfunção renal.

Os pacientes foram acompanhados por três anos, com avaliações na semana 6 e nos meses 3, 6, 12 e 24. Ao final do acompanhamento, não houve diferença na incidência de desfecho primário. Porém, houve discreta redução de LDL no grupo que recebeu rosuvastatina (69,61 mg/ml vs. 73,47 mg/ml; p < 0.001).

Foi observada maior incidência de DM entre os pacientes em uso de rosuvastatina em comparação à atorvastatina (7,1% vs. 5,5%. hazard ratio 1,29. Intervalo de confiança 95% 1,01-1,63; p=0,04). A necessidade de um novo antidiabético também foi maior no grupo em uso de rosuvastatina (7,2% vs. 5,5%. hazard ratio 1,39. Intervalo de confiança 95% 1,03-1,87; p=0,03).

Outro desfecho secundário significativo foi a maior necessidade de correção cirúrgica de catarata entre os pacientes em uso de rosuvastatina (2,5% vs. 1,5%. hazard ratio 1,66. Intervalo de confiança 95% 1,07-2,58; p=0,02). Os demais eventos secundários foram semelhantes entre os grupos.

Nos pacientes em uso de rosuvastatina, o controle do LDL é mais intenso, sem diferença em eventos clínicos em três anos. Em comparação à atorvastatina, existe aumento do risco de desenvolvimento de diabetes mellitus e necessidade de correção de catarata - eventos que devem ser monitorados em pacientes em uso de estatinas. A população estudada foi restrita à Coreia do Sul, o que pode limitar a extrapolação dos resultados a outros grupos.

Piperacilina-Tazobactam e Cefepima: Uso Empírico e Riscos Associados

Criado em: 20 de Novembro de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Piperacilina-tazobactam e cefepima são as principais opções quando há risco de infecção por bacilos gram-negativos resistentes, incluindo Pseudomonas. Existem discussões sobre a nefrotoxicidade relacionada à piperacilina-tazobactam e a neurotoxicidade do cefepima. O estudo ACORN, apresentado na IDWeek e publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) em outubro de 2023, avaliou esses riscos [1]. Este tópico analisa as evidências prévias e os resultados do ACORN.

Piperacilina-tazobactam e lesão renal aguda

A piperacilina é uma penicilina com ação contra Pseudomonas usada junto ao tazobactam, um inibidor de betalactamase. Além da cobertura para Pseudomonas, este antibiótico é eficaz contra enterobactérias, enterococos, estreptococos, estafilococos sensíveis à meticilina e anaeróbios. As recomendações em geral orientam evitar piperacilina-tazobactam para tratamento de germes com mecanismo de resistência por AmpC ou betalactamases de espectro estendido (ESBL) [2, 3]. O papel desse antibiótico nessas infecções é debatido, com estudos conflitantes. O tratamento de bactérias produtoras de AmpC foi discutido no tópico Tratamento de Bactérias AmpC, CRAB e Stenotrophomonas maltophilia.

O uso de piperacilina-tazobactam em pacientes com lesão renal aguda é controverso. Alguns estudos apontam para um aumento na incidência de lesão renal quando este antibiótico é combinado à vancomicina [4]. Já outros trabalhos destacam a ação da piperacilina-tazobactam de inibir a secreção tubular de creatinina, defendendo que a maior ocorrência de lesão renal é na verdade um aumento de creatinina sem dano renal de fato. Esse último argumento é reforçado por uma revisão sistemática que não encontrou maior necessidade de diálise ou aumento de mortalidade, apesar do aumento da creatinina [5].

O debate foi retomado nos últimos anos. Uma coorte de julho de 2022 mostrou aumento da creatinina sem alteração na cistatina C, um outro marcador de lesão renal aguda que não sofre influência da piperacilina [6]. Já um estudo retrospectivo publicado em 2023 encontrou um aumento nas taxas de diálise com a combinação de piperacilina-tazobactam e vancomicina [7].

Cefepima e neurotoxicidade

O cefepima é uma cefalosporina de quarta geração que possui ação contra enterobactérias, pseudomonas, estreptococos e estafilococos sensíveis à meticilina. Ele difere da piperacilina-tazobactam, pois não tem atividade contra anaeróbios ou enterococos.

O cefepima penetra a barreira hematoencefálica e tem sido associado a maiores taxas de neurotoxicidade, ocasionando delirium, coma e convulsões. Uma revisão sistemática encontrou que esses efeitos adversos ocorrem principalmente em idosos e/ou pacientes com disfunção renal [8]. Esse estudo identificou alterações no eletroencefalograma dos pacientes com neurotoxicidade, incluindo status epilepticus não convulsivo. A maioria dos pacientes melhorou do quadro em média dois dias após uma das três seguintes intervenções: suspensão da droga, início de um anticonvulsivante ou início de diálise.

Tabela 1
Correção da dose de cefepima conforme clearance de creatinina
Correção da dose de cefepima conforme clearance de creatinina

A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos emitiu um alerta em 2012 sobre a necessidade de ajustar a dose do cefepima em pacientes com taxa de filtração glomerular abaixo de 60 ml/min. Ver esquema de correção de dose do cefepima recomendado na tabela 1.

Análise do estudo ACORN

O ACORN foi um ensaio clínico randomizado que avaliou a influência de piperacilina-tazobactam e cefepima na incidência de nefrotoxicidade e neurotoxicidade [1]. O estudo não comparou a eficácia dos antibióticos. Os antibióticos eram escolhidos empiricamente, ou seja, no momento da escolha não estavam disponíveis as culturas da infecção atual.

Os pacientes eram randomizados para receber piperacilina-tazobactam ou cefepima. O médico assistente poderia acrescentar outros antibióticos para diferentes coberturas, como metronidazol ou vancomicina.

O desfecho primário foi a presença de lesão renal aguda ou óbito. A análise da neurotoxicidade foi através dos desfechos secundários, analisando presença de delirium ou coma nos dois grupos.

Com 2511 pacientes, o principal local de recrutamento foi a sala de emergência (95%) e o principal motivo para início do antibiótico foi sepse (54%). O estudo não mostrou diferença significativa no desfecho primário de lesão renal aguda entre os grupos. Entretanto, houve maior incidência de delirium ou coma no grupo cefepima, em comparação à piperacilina-tazobactam (20,8% versus 17,3%).

O não-cegamento dos médicos é uma crítica ao estudo. Isso pode influenciar na avaliação de escalas que possuem subjetividade, como o CAM-ICU utilizado para detectar delirium e o RASS para detectar coma. Outra crítica é o curto período de exposição às drogas. A mediana do uso das drogas estudadas foi de três dias e da vancomicina foi de dois dias. Sub-análises não mostraram diferença quando eram selecionados apenas pacientes expostos por períodos maiores aos antibióticos.

Parada Cardiorrespiratória no Perioperatório

Criado em: 20 de Novembro de 2023 Autor: Joanne Alves Moreira

Parada cardiorrespiratória no perioperatório (PCRp) é um complicação grave que requer abordagem específica e reconhecimento imediato da causa. Este tópico aborda uma revisão publicada em outubro de 2023 na Anesthesia & Analgesia que expõe as causas, a classificação e a abordagem desta condição [1].

Entendendo o contexto

Define-se parada cardiorrespiratória no perioperatório (PCRp) como a PCR que ocorre em pacientes cirúrgicos desde entrada na sala cirúrgica até a alta da unidade de cuidados pós-anestésicos ou 24 horas após a cirurgia, se estiver internado na UTI.

Existem algumas diferenças entre a PCRp e a PCR - seja em pacientes hospitalizados ou não. As quatro principais são:

  • Etiologia: PCRp geralmente é causada diretamente por eventos adversos cirúrgicos e anestésicos e as informações estão facilmente disponíveis.
  • Anestesia e sedação: dificulta e por vezes impossibilita a percepção da alteração aguda do estado mental secundário à PCRp.
  • Monitorização e recursos: todos os pacientes estão monitorizados por rotina e os profissionais têm rápido acesso aos recursos para o manejo da PCRp.
  • Evento presenciado: PCRp geralmente é presenciada pela equipe, sendo diagnosticada e abordada imediatamente.

Uma coorte retrospectiva dos Estados Unidos relatou uma mortalidade em 30 dias de aproximadamente 72% e uma taxa de alta em 30 dias de 19% em pacientes cirúrgicos que necessitaram de reanimação [2].

No Brasil, um estudo retrospectivo identificou cerca de 35 PCRp por 10.000 anestesias realizadas, sendo os principais fatores associados a PCRp os seguintes [3]:

  • Neonatos e crianças menores de 1 ano;
  • Idade acima de 51 anos;
  • Homens;
  • Classificação pré-operatória pela American Society of Anesthesiologists (ASA) ≥ III (veja a calculadora da ASA);
  • Cirurgia de emergência;
  • Anestesia geral.

A principal causa de PCRp ou morte perioperatória estava relacionada à condição de base do paciente.

Quais são as causas?

O mnemônico 5Hs e 5Ts é válido para diagnóstico diferencial de maneira rápida, porém não inclui todas as causas de PCR no contexto perioperatório. A revisão prefere utilizar uma divisão fisiológica e sugere o mnemônico PCPFR: pré-carga, contratilidade, pós-carga, frequência cardíaca e ritmo (veja a tabela 1).

Tabela 1
Causas de parada cardiorrespiratória (PCR) no perioperatório (Mnemônico PCPFR)
Causas de parada cardiorrespiratória (PCR) no perioperatório (Mnemônico PCPFR)

Na PCRp por pré-carga destacam-se sangramentos e anafilaxia como causas de hipovolemia no perioperatório. Dentre as causas de anafilaxia estão os antibióticos (principalmente penicilinas e cefalosporinas), bloqueadores neuromusculares, clorexidina e radiomarcadores.

Outras causas de PCRp por pré-carga são insuficiência de ventrículo direito e embolia pulmonar. Além de embolia pulmonar ser causada por trombos, nesse cenário pode ocorrer por dióxido de carbono do pneumoperitônio, líquido amniótico, cimento cirúrgico e embolia gordurosa [4-7].

Doenças que causam obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo (VE) podem ser descobertas apenas após um evento adverso perioperatório e causam PCRp por interferência na pós-carga. A estenose aórtica é sempre lembrada, mas o movimento sistólico anterior da valva mitral (SAM) também pode obstruir a saída do VE. Condições que levam a SAM incluem cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia hipertensiva com acometimento preferencial do septo e uso de inotrópicos em pacientes hipovolêmicos.

Como abordar?

A conduta imediata da PCRp é iniciar a reanimação cardiopulmonar (RCP) conforme protocolos de suporte avançado de vida cardiovascular. Em paralelo, deve-se investigar e corrigir a causa do evento.

O autores propõem dividir as ações na pesquisa da causa da PCRp em quatro grupos:

  • História clínica e exames complementares relevantes;
  • Investigação relacionada à anestesia;
  • Investigação relacionada à cirurgia;
  • Ecocardiograma.

A revisão da história clínica é voltada para os antecedentes pessoais, medicações de uso contínuo e histórico de alergias. O exame físico avalia a presença de alterações como exantema, turgência jugular ou alteração na ausculta pulmonar. Nos exames laboratoriais deve-se buscar alterações eletrolíticas, de glicemia ou acidose. O eletrocardiograma é essencial para descartar taqui e bradiarritmias, assim como isquemia miocárdica.

A investigação relacionada à anestesia é dividida em quatro pontos:

  • Via aérea, evitando PEEP excessiva prolongada;
  • Ventilação e oxigenação adequadas;
  • Avaliação hemodinâmica contínua, observando a necessidade ou excesso de drogas vasoativas;
  • Complicações da anestesia, locais ou sistêmicas.

As complicações da anestesia podem ser locais (por exemplo, sangramento, pneumotórax) ou sistêmicas (por exemplo, reação alérgica).

A investigação relacionada à cirurgia inclui a indicação da cirurgia (urgência, emergência ou eletiva), os riscos inerentes ao procedimento e a suspeita de complicações - abordadas pelo mnemônico PCPFR.

O ecocardiograma, transtorácico ou transesofágico, é uma ferramenta de muita utilidade na PCRp. Algumas condições são rapidamente acessadas pelo ecocardiograma, como insuficiência de ventrículo direito e tamponamento pericárdico. Pode ainda sugerir infarto agudo do miocárdio, embolia pulmonar e obstrução da via de saída do VE em pacientes em deterioração. O uso do ecocardiograma não deve interferir nos fluxos e manobras de RCP.