Asma e Uso de Beta Agonistas de Curta Ação

Criado em: 04 de Julho de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

É comum os pacientes recorrerem a beta agonistas de curta ação (SABA) em uma crise de asma. Porém, confiar apenas nos SABA não é uma boa opção. Um estudo apresentado na conferência da American Thoracic Society e publicado no New England Journal of Medicine acrescentou evidências nesse tema [1]. Vamos ver os achados e rever o tratamento inicial de asma.

Por que o uso de SABA isolado não é uma boa escolha?

Durante décadas, dividiu-se a asma em intermitente e leve persistente. Essa distinção resultava em pacientes tratados apenas com SABA (intermitente) e outros com corticoide inalatório (CI) cronicamente (leve persistente).

Os SABA conferem alívio imediato dos sintomas, porém não atuam na inflamação pulmonar. Dependência de SABA é um marcador de controle ruim da doença. Utilizar excessivamente SABA está associado a um risco aumentado de exacerbação grave de asma. O risco de uma exacerbação grave aumenta progressivamente à medida que o paciente precisa de mais doses de SABA [2]. O sobreuso de SABA é um problema em vários países [3].

Iniciar o manejo apenas com SABA pode sinalizar para o paciente que esse é o tratamento principal da doença. Isso pode ter várias consequências. Primeiro, pode levar à resistência ao uso diário de CI quando este for prescrito. Segundo, o paciente pode facilmente passar de doses baixas de SABA para uso frequente, sem procurar assistência nesse período. Terceiro, quando o quadro é rapidamente controlado com SABA, o paciente pode acreditar que não corre risco de exacerbações graves e que não precisa de medicações de manutenção.

Pacientes com asma leve estão sob risco de morte relacionada à asma e exacerbações graves, sendo responsáveis por 30 a 40% das exacerbações que levam ao PS [4].

O que as diretrizes recomendam?

As evidências sobre o risco do uso excessivo de SABA levaram à maior mudança do Global Initiative for Asthma (GINA) das décadas recentes [5]. As últimas edições do documento já não trazem mais SABA como opção de tratamento isolado. O GINA agora fornece duas linhas para o manejo farmacológico do paciente com asma:

  • Linha 1: a medicação de resgate é um CI com formoterol (preferencial).
  • Linha 2: a medicação de resgate é um SABA. Sempre que for utilizado o SABA, um CI deve ser utilizado.

O formoterol pode ser utilizado como resgate. Apesar de ser um beta agonista de ação prolongada (LABA), tem início de ação rápido, similar a um SABA. A estratégia de utilizar as mesmas medicações como alívio e manutenção é conhecida como estratégia SMART (do inglês, single maintenance and reliever therapy). A terapia SMART é mais conveniente e pode melhorar a aderência [6].

Embora o formoterol com CI seja a opção preferencial, essa medicação é custosa e o acesso não é fácil. Apesar da recomendação da linha 2 ser utilizar um CI sempre que um SABA for utilizado, essa estratégia ainda não havia sido testada para asma moderada a grave.

O que essa nova evidência acrescenta?

O MANDALA foi um estudo publicado em 02/06/2022 no New England Journal of Medicine. O trabalho comparou albuterol (equivalente ao nosso salbumatol) isoladamente versus albuterol associado a um CI como medicações de resgate.

O estudo foi duplo cego, randomizado, multinacional de fase 3. Foram randomizados 3132 pacientes, sendo a maioria adultos. As intervenções estudadas foram:

  • Albuterol 180 mcg
  • Albuterol 180 mcg com budesonida 80 mcg
  • Albuterol 180 msg com budesonida 160 mcg

No trabalho, albuterol e budesonida eram administrados no mesmo dispositivo, facilitando a aderência.

Após 24 semanas, a incidência de exacerbações graves levando a uso de corticoide sistêmico foi significativamente menor no grupo albuterol com budesonida 160 mcg. A taxa de eventos adversos não diferiu entre os grupos.

No Brasil, não temos um dispositivo que combina SABA com CI. Os pacientes que usam essa opção como resgate devem utilizar dois dispositivos diferentes.

Anticoagulantes Orais Diretos, Interações e Disfunção Renal

Criado em: 04 de Julho de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Os anticoagulantes orais diretos (DOAC) são encontrados com frequência na prática, sendo importante reconhecer cuidados na sua prescrição. Um estudo recente avaliou a interação de DOAC e azólicos [1]. Aproveitando a publicação, vamos rever interações dos DOAC e cuidados na prescrição dessas medicações na disfunção renal.

O que o estudo viu?

Os azólicos são um dos principais fármacos utilizados para tratamento antifúngico. O uso da maioria dos azólicos sistêmicos em conjunto com DOAC é contraindicado por aumento de risco de sangramento. O fluconazol, azólico mais comum, não entrava nessa contraindicação por que não haviam dados.

Esse trabalho dinamarquês analisou 32 mil prontuários de pacientes com fibrilação atrial que utilizavam DOAC. Os pesquisadores avaliaram a ocorrência de sangramento após a introdução de fluconazol ou um azólico tópico, como miconazol e cetoconazol.

Dos DOAC, os pacientes que utilizaram apixabana tiveram maior risco de sangramento após introdução do fluconazol, com um Odds Ratio de 3.5. Não houve associação significativa entre azólicos tópicos e risco de sangramento.

Outras interações medicamentosas dos DOAC

Além dos azólicos, existem outras interações que necessitam de atenção. As mais relevantes são com drogas que provocam sangramentos (antitrombóticos e antiinflamatórios) e medicamentos que podem reduzir a função renal (antiinflamatórios e inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona). Contudo, as interações que podem passar despercebidas são as que alteram o metabolismo hepático, principalmente com a apixabana que depende mais dessa via.

Um dos medicamentos que é comum em pacientes que utilizam DOAC é a amiodarona. Essa droga pode aumentar o nível sérico dos DOAC por interferir no metabolismo hepático. A associação das medicações não é contraindicada, mas faltam estudos sobre essa questão. Em pacientes que apresentam risco, principalmente o doente renal crônico, o uso concomitante de amiodarona e DOAC é desencorajado. Se mesmo assim essas drogas forem prescritas simultaneamente, sugere-se que o DOAC escolhido seja feito em doses menores.

Tabela 1
Medicamentos com interação enzimática que pode influenciar níveis séricos dos DOACs
Medicamentos com interação enzimática que pode influenciar níveis séricos dos DOACs

Os bloqueadores dos canais de cálcio não-dihidropiridínicos (ex.: diltiazem) possuem efeito similar ao da amiodarona. A combinação com DOAC deve ser evitada em pacientes com taxa de filtração glomerular (TFG) menor que 30 ml/min. Mais na tabela 1.

DOAC e disfunção renal

Um dos grandes limitadores dos DOAC é o seu uso em pacientes com disfunção renal. Os maiores artigos que validaram o uso da classe excluíram pacientes com TFG abaixo de 30 ou 25 ml/min.

A apixabana é favorecida nesse contexto, já que 25% da droga é excretada pela via renal, a menor taxa entre os DOAC. Em comparação, edoxabana e rivaroxabana possuem taxa de excreção renal de 35% e dabigatrana de 85%. Contudo, o artigo de referência para o uso de apixabana, o estudo ARISTOTLE, excluiu pacientes com doença renal crônica (DRC) [2]. Baseado nessa farmacocinética, o Food and Drug Administration (FDA) liberou o uso de apixabana em pacientes em diálise.

Uma revisão sistemática de 2019, incluindo 45 artigos e 34 mil pacientes, investigou o uso de DOAC versus varfarina em pacientes com DRC [3]. O trabalho encontrou um risco benefício favorável aos DOAC, mas a maioria dos estudos excluiu pacientes com TFG abaixo de 15 ml/min. Outra revisão sistemática de 2021 encontrou que a apixabana é o DOAC menos influenciado pela disfunção renal, podendo ser utilizado com cautela em pacientes em diálise [4].

Em um trabalho retrospectivo de 2018, a apixabana foi mais segura que varfarina em paciente em diálise [5]. A decisão da anticoagulação nos pacientes em diálise deve ser individualizada, pois essa população apresenta alto risco de sangramento.

Demências Rapidamente Progressivas

Criado em: 04 de Julho de 2022 Autor: Kaue Malpighi

As demências rapidamente progressivas (DRP) são um grupo heterogêneo de doenças que inclui condições infecciosas, autoimunes, metabólicas e neurodegenerativas. Em maio de 2022, o Lancet lançou uma revisão sobre o assunto e trazemos aqui os principais pontos [1].

O que é demência rapidamente progressiva (DRP)?

O termo é utilizado para descrever um declínio cognitivo de rápida progressão que evolui para síndrome demencial em menos de um a dois anos. O diagnóstico diferencial da síndrome é amplo, envolvendo subtipos rapidamente progressivos de demências comuns como a Doença de Alzheimer (DA) até doenças causadas por príons.

As doenças priônicas são um exemplo típico de DRP. Os príons são partículas infecciosas proteicas sem DNA ou RNA, sendo por isso diferentes de vírus. Em bovinos, são responsáveis pela encefalopatia espongiforme bovina, a doença da vaca louca. Em humanos, causam várias encefalopatias, sendo a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) a mais conhecida.

A definição de DRP é variável na literatura, o que torna difícil mensurar a prevalência. Em um estudo brasileiro, observou-se uma prevalência de 3,7% em pacientes internados em unidades neurológicas de um hospital terciário [2].

Quais etiologias considerar em uma DRP?

Figura 1
Etiologias de Demência Rapidamente Progressiva
Etiologias de Demência Rapidamente Progressiva

Existem várias causas de DRP, podendo ser divididas em (figura 1):

  • Demência neurodegenerativa rapidamente progressiva - as doenças priônicas.
  • Demência neurodegenerativa lentamente progressiva - subtipos rapidamente progressivos de demências comuns ou com complicações secundárias.
  • Patologias do SNC - Doenças inflamatórias, cerebrovasculares, encefalopatias tóxico-metabólicas ou outros mímicos.

Destas causas, as mais comuns são: doenças inflamatórias do SNC, doença cerebrovascular e Alzheimer [3], com variações importantes na prevalências destas etiologias na literatura. Estes dados reforçam a importância de considerarmos etiologias potencialmente reversíveis (ex.: doenças inflamatórias e metabólicas) no diagnóstico diferencial.

Figura 2
Probabilidade de doença conforme temporalidade do declínio cognitivo rápido
Probabilidade de doença conforme temporalidade do declínio cognitivo rápido

Encefalites imuno-mediadas estão entre os principais diagnósticos diferenciais de DRP. Isso inclui encefalites paraneoplásicas ou manifestações neurológicas de doenças autoimunes sistêmicas.

Das causas infecciosas, vale ressaltar as seguintes:

  • Neurosífilis - além do acometimento meningovascular, casos não tratados de sífilis podem evoluir com demência e outros sintomas neuropsiquiátricos.
  • Encefalite por herpes simples ou varicela - uma das causas mais prevalentes de encefalite infecciosa que, apesar de seu curso agudo com alteração do estado mental e convulsões, podem também progredir para declínio cognitivo rapidamente progressivo.
  • Causas mais raras - HIV, Doença de Whipple, Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva (LEMP - reativação do vírus JC em pacientes imunocomprometidos).

Das etiologias tóxico-metabólicas, destacam-se:

  • Demência associada ao uso do álcool
  • Encefalopatia de Wernicke
  • Hiponatremia crônica
  • Hipotireoidismo

O que são as doenças priônicas?

Grupo de doenças neurodegenerativas de incubação prolongada e evolução irreversível após o aparecimento de sintomas. São chamadas assim por apresentarem proteínas priônicas com mudanças conformacionais que se acumulam e geram dano neuronal. Essas mudanças na proteína podem ocorrer de forma esporádica, por mutações genéticas ou por infecção. São doenças raras, mas de importância no contexto das DRP.

A doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é a doença priônica mais comum. Deve-se suspeitar de DCJ em pacientes com DRP acompanhada de ataxia, mioclônus e/ou alterações visuais. Outras alterações são possíveis, como afasia, insônia e sintomas extrapiramidais. Apesar dos achados típicos, sabe-se que a DCJ apresenta um espectro amplo com relação a idade de apresentação, sintomas associados e tempo de progressão.

O acometimento predominante de nervos cranianos e do sistema nervoso periférico deve levantar a suspeita de outra causa, apesar de poder ocorrer na DCJ.

Como fazer o diagnóstico de doença de Creutzfeldt-Jakob?

Ressonância magnética é o exame de imagem mais sensível nas fases iniciais de doença [4]. O achado característico são lesões com hipersinal em T2, FLAIR e difusão, afetando predominantemente o córtex (sinal da fita cortical ou cortical ribboning), corpo caudado e putamen. Essas alterações não são específicas, podendo ocorrer em doenças como encefalite auto-imune e fases precoces de crises focais. Em fases mais tardias da doença, pode-se ver atrofia generalizada e dilatação ventricular.

O eletroencefalograma também pode ajudar, sendo característico a presença de complexos de ondas agudas periódicas.

Alterações de proteínas no líquor também podem auxiliar no diagnóstico. As proteínas 14-3-3 e tau estão presentes em até 90% dos pacientes com doenças priônicas. O Real-Time Quaking-Induced Conversion, ou RT-Quic, é um exame laboratorial realizado no líquor capaz de detectar a proteína priônica patológica. Esse exame tem alta acurácia para o diagnóstico de DCJ.

Tabela 1
Critérios para Doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica provável
Critérios para Doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica provável

O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) apresenta critérios diagnósticos para DCJ provável conforme a tabela 1.