Intubação por Rebaixamento e Manejo da Via Aérea na Intoxicação

Criado em: 22 de Janeiro de 2024 Autor: João Mendes Vasconcelos

O manejo da via aérea é uma prioridade em situações de emergência. Apesar de ser uma medida fundamental, existem dúvidas sobre a indicação ideal de intubação em alguns cenários. O estudo NICO, publicado no JAMA em dezembro de 2023, avaliou o manejo da via aérea no paciente intoxicado [1]. Este tópico revisa as indicações de intubação, a intubação no rebaixamento e os resultados do estudo.

Indicações clássicas de intubação

As indicações de intubação podem ser estruturadas da seguinte maneira:

  • A patência ou a proteção da via aérea estão sob risco?
  • Existe falha na ventilação ou na oxigenação?
  • Existe previsão de um curso clínico desfavorável?

Apesar dessa estrutura, o momento ideal de proceder com a intubação é incerto em muitos casos. De um lado, é prejudicial atrasar demais e realizar o procedimento em um pior momento. De outro, indicações excessivamente precoces podem expor pacientes a uma medida invasiva com muitas complicações, sendo que poderiam ser manejados sem intubação [2].

Os pacientes com insuficiência respiratória, seja por comprometimento da ventilação ou oxigenação, são muitas vezes manejados com ventilação não invasiva (VNI). A VNI pode beneficiar muitos pacientes, especialmente aqueles com exacerbação hipercápnica de DPOC e com edema pulmonar agudo cardiogênico. Fora desses cenários, as indicações têm evidências menos robustas e deve-se ter atenção para os preditores de falha. O risco é apostar de maneira obstinada na VNI e realizar a intubação tardiamente e em um extremo clínico, tornando o procedimento excessivamente arriscado. Para mais informações, consulte o tópico sobre Ventilação Não Invasiva.

Intubação no rebaixamento de nível de consciência

A pneumonite aspirativa é um evento grave que leva a tempo prolongado de ventilação mecânica e parada cardiorrespiratória [3, 4]. A intubação em pacientes com comprometimento da consciência tenta evitar esse evento, já que alguns pacientes rebaixados não protegem bem a via aérea. O problema é que essa prática não foi amplamente estudada e não existe um único parâmetro confiável para avaliar se o paciente está de fato protegendo a via aérea.

O reflexo de vômito ou gag reflex já foi ensinado como um parâmetro útil, porém hoje é desencorajado. Não existe evidência que avaliá-lo seja algo benéfico, muitos adultos não tem esse reflexo, ele não se correlaciona bem com nível de consciência e seu mecanismo não envolve o fechamento da laringe e proteção da via aérea.

Nesse contexto, uma ferramenta amplamente utilizada é a escala de coma de Glasgow (ECG) (tabela 1). Essa escala foi criada nos anos 1970 por neurocirurgiões escoceses para graduar o nível de consciência em pacientes com trauma crânio encefálico [5]. A escala foi ganhando espaço para avaliar coma de causas traumáticas e não traumáticas, figurando inclusive no escore de SOFA para avaliar disfunção orgânica na sepse. Na década de 1990, a ideia de que um Glasgow de 8 ou menos deveria levar a intubação foi proposta e se consolidou nos anos seguintes.

Tabela 1
Escala de coma de Glasgow
Escala de coma de Glasgow

A conduta de indicar intubação pelo Glasgow vem sendo questionada recentemente. Uma revisão sistemática e estudos retrospectivos não encontraram redução de risco de aspiração, com possível aumento de mortalidade e tempo de estadia no hospital [6, 7]. Além disso, o Glasgow pode sofrer variações de pontuação a depender do avaliador, especialmente naqueles com menor treinamento na escala.

O estudo NICO

Esse trabalho foi um ensaio clínico randomizado realizado na França avaliando o manejo da via aérea no paciente intoxicado. O estudo não foi cego e avaliou uma estratégia de limitar intubações contra a prática padrão.

O critério de inclusão envolveu pessoas maiores de 18 anos com suspeita de intoxicação aguda e com escala de coma de Glasgow menor do que 9. Os pacientes eram excluídos nas seguintes situações:

  • Necessidade imediata de intubação como insuficiência respiratória, choque, convulsão ou suspeita de lesão no sistema nervoso central
  • Suspeita de uma droga com ação cardiovascular como betabloqueadores, bloqueadores do canal cálcio e inibidores da enzima conversora de angiotensina
  • Suspeita de intoxicação por uma droga única com disponibilidade de um agente reversor, como opioides ou benzodiazepínicos

A intervenção consistiu em uma estratégia de evitar intubação, exceto se uma indicação de emergência ocorresse. As indicações de emergência eram choque, desconforto respiratório, vômitos e convulsões. No grupo controle, a decisão de intubar ficava a cargo do médico que estava atendendo o paciente. Os pacientes eram monitorizados de perto por quatro horas após a randomização, a partir de então eram tratados de maneira usual.

O desfecho primário foi um composto de morte intrahospitalar, tempo de estadia em UTI e tempo de estadia no hospital. Por ser um desfecho composto com desfechos individuais de relevância clínica diferente, para analisar os resultados foi calculado o win ratio. O desfecho mais relevante na hierarquia foi mortalidade, seguido por tempo de estadia em UTI e tempo de estadia hospitalar.

O estudo incluiu 225 pacientes com média de idade de 33 anos. A mediana de escala de coma de Glasgow foi seis. As drogas mais envolvidas foram álcool (66%), benzodiazepínicos (40%) e neurolépticos (24%). A soma das drogas passa de 100% já que alguns pacientes estavam intoxicados por mais de uma substância.

Houve benefício no grupo intervenção. Pacientes do grupo intervenção foram menos intubados (16% vs 58%), com menos admissões em UTI e menor estadia em UTI. Não houve mortes entre os participantes. O win ratio favoreceu a intervenção, com valor de 1,85 (IC 95% 1,33 - 2,58). Ocorreram menos pneumonias no grupo intervenção (6,9% vs 14,7%).

Esse estudo muda a prática clínica. O trabalho mostra que é seguro limitar as intubações após intoxicações agudas, especialmente quando o agente é o álcool. Para garantir essa segurança, o paciente precisa ser bem monitorado e os critérios de exclusão do estudo obedecidos.

Características e Manejo de Pneumonia no Paciente Imunossuprimido

Criado em: 22 de Janeiro de 2024 Autor: Kaue Malpighi

Pneumonia é a principal causa de morte causada por infecções e pacientes imunossuprimidos apresentam piores desfechos e maior mortalidade. Apesar disso, dados epidemiológicos e prognósticos em imunossuprimidos são escassos na literatura. Em janeiro de 2024, foi publicada uma coorte prospectiva na Open Forum Infectious Disease sobre pneumonia nessa população [1].

Quais pacientes devem ser considerados imunossuprimidos?

Aproximadamente 10% dos pacientes internados por pneumonia são imunossuprimidos. Este número tende a aumentar com a maior sobrevida de pacientes com câncer, pessoas vivendo com HIV e com o advento de terapias imunes e uso de inibidores de checkpoint. Considerando esses novos tratamentos, a definição de pacientes imunossuprimidos vem se expandindo nos últimos anos, sendo difícil uma definição única que englobe todos os pacientes.

A coorte em questão utilizou as definições do CDC para definir pacientes imunossuprimidos, semelhante às definições do Consenso de Tratamento de Pneumonia em Imunocomprometidos de 2020 (veja tabela 1) [2].

Tabela 1
Condições que classificam pacientes como imunossuprimidos
Condições que classificam pacientes como imunossuprimidos

O risco de infecções associado ao corticoide é dose dependente. Doses acima de 10 mg ao dia estão associadas a aumento de risco de pneumonia com microrganismos habituais [3]. Doses de 20 mg/dia por quatro semanas, principalmente em associação com outros imunossupressores, aumentam o risco de pneumocistose.

As causas mais comuns de imunossupressão na coorte foram: neoplasia em estágio avançado (53%), uso de quimioterapia (23%) e corticoides em doses altas (20%). Metade dos casos de neoplasia era de origem pulmonar, que mesmo na ausência de outra imunossupressão está associada a maior risco de pneumonia e piores desfechos [4]. A associação de neoplasia avançada e uso de quimioterapia ou corticoterapia foi frequente.

Etiologias e investigação de pneumonia em imunossuprimido

Os principais microrganismos causadores de pneumonia no imunossuprimido são os mesmos que em pacientes imunocompetentes (veja tabela 2) [2, 5]. Na tentativa de identificar o agente causador, exames como cultura de escarro, testes de antígeno urinário e painel viral devem ser considerados nestes pacientes.

Tabela 2
Principais patógenos em pacientes imunossuprimidos com pneumonia adquirida na comunidade
Principais patógenos em pacientes imunossuprimidos com pneumonia adquirida na comunidade

Na coorte em questão, 24% dos pacientes imunossuprimidos com pneumonia tiveram patógenos identificados. O principal material encaminhado para análise foram hemoculturas (91% dos casos), que apresentam sensibilidade baixa no contexto de pneumonia sem sepse e choque séptico [5]. Cultura de secreção respiratória foram enviadas em apenas um terço dos casos. Testes urinários para pneumococo e Legionella foram feitos em 15 e 14% dos casos, respectivamente.

Imunossupressão isoladamente não indica tratamento com antibioticoterapia de amplo espectro para bactérias resistentes, exceto se [2]:

  • Neutropenia febril
  • Colonização prévia por germes multirresistentes nos últimos 12 meses
  • Hospitalização com exposição a antibióticos de amplo espectro nos últimos 3 meses
  • Risco de infecção por Pseudomonas: bronquiectasia, fibrose cística, DPOC com uso crônico de corticoide.

Microrganismos oportunistas devem ser considerados em pacientes imunossuprimidos de forma individualizada e principalmente com base na história clínica, tipo e grau de imunossupressão. Na tabela 3, apresentamos microrganismos associados a determinados tipos de imunossupressão. Com relação a história clínica, algumas situações devem ser consideradas para infecções oportunistas:

  • Ausência de resposta à antibioticoterapia por 48 a 72 horas.
  • Presença de nódulos com sinal do halo em tomografia de tórax, principalmente em pacientes com neutropenia grave e prolongada - apesar de não ser específico de fungos, considerar o diagnóstico de aspergilose invasiva, podendo também estar presente em mucormicose [6].
  • Infiltrado intersticial difuso em pacientes com HIV e CD4 < 200 células/mL ou em pacientes em uso de corticoterapia em alta dose associada a agentes citotóxicos (ex.: ciclofosfamida) - considerar investigação e tratamento empírico para pneumocistose.
Tabela 3
Imunossupressões específicas e patógenos associados
Imunossupressões específicas e patógenos associados

Para mais detalhes sobre a investigação de doenças fúngicas com biomarcadores, veja o tópico sobre Biomarcadores de Infecções Fúngicas.

Resposta ao tratamento e prognóstico de pneumonia em imunossuprimido

Nesta coorte, a mediana de tempo para estabilidade clínica foi de dois dias (paciente afebril, com melhora da dispneia e do hemograma), tempo semelhante à resposta em pacientes não imunossuprimidos. Após o segundo dia, os pacientes imunossuprimidos apresentaram uma probabilidade menor de atingirem estabilidade clínica. Estes dados reforçam a necessidade de investigação de diagnóstico diferencial (como infecções oportunistas) e complicações de forma precoce na falha de terapia nestes pacientes.

A mortalidade intra-hospitalar em um ano foi maior em pacientes imunossuprimidos. Aproximadamente metade dos pacientes imunossuprimidos morreram em um ano após hospitalização por pneumonia. Pacientes com neoplasia pulmonar avançada apresentaram o maior risco de morte na coorte (4 a cada 5 morreram em 1 ano). Nesse caso, a pneumonia pode ser um marcador de progressão de doença. Contudo, a própria evolução da doença de base pode ser confundida com uma nova pneumonia, justificando a maior mortalidade neste grupo.

Prevalência, Fatores de Risco e Subdiagnóstico de Demências no Brasil

Criado em: 22 de Janeiro de 2024 Autor: Ênio Simas Macedo

Com a transição demográfica, o atendimento a pessoas com demências será cada vez mais comum. Apesar da sua relevância, até recentemente o Brasil carecia de dados epidemiológicos sobre o tema. O estudo da iniciativa ELSI-Brasil veio para mudar esse cenário [1]. Este tópico revisa a definição, fatores de risco e prevalência das demências no Brasil.

Definição de demência e condições relacionadas

As síndromes cognitivas podem ser classificadas da seguinte forma:

  • Declínio cognitivo subjetivo (DCS): presença de queixas cognitivas, porém com testes cognitivos sem alterações e funcionalidade preservada. É também conhecido como "comprometimento cognitivo subjetivo" ou "queixa de memória subjetiva". Aqueles com DCS têm risco cerca de duas vezes maior de progredir para comprometimento cognitivo leve do que indivíduos sem queixas [2].
  • Comprometimento cognitivo leve (CCL): definido pela presença de alterações na testagem cognitiva, sem alterações na funcionalidade para as atividades instrumentais da vida diária (AIVD). Um terço dos pacientes com CCL progredirão para demência em cinco anos [3].
  • Demência: definida pela presença de alteração na testagem cognitiva de um ou mais domínios cognitivos, associada a prejuízo na funcionalidade de pelo menos uma das AIVD. É necessária a exclusão de diagnósticos diferenciais, entre eles delirium, deficiência de vitamina B12 e depressão.

Quais são os fatores de risco das demências?

Em 2020, foi publicado no Lancet um artigo que reuniu evidências para definir os principais fatores de risco para o desenvolvimento de demências (tabela 1) [4]. Essa publicação sugeriu que o controle dos fatores de risco modificáveis seria capaz de prevenir o desenvolvimento de 40% dos casos de demência.

Tabela 1
Fatores de risco para declínio cognitivo
Fatores de risco para declínio cognitivo

Alguns pontos de destaque sobre os fatores de risco:

  • O controle dos principais fatores de risco cardiovasculares também tem impacto na prevenção do declínio cognitivo. O documento Life's Essential 8 da American Heart Association destaca a importância dessa abordagem como medida de promoção de saúde em geral [5].
  • A saúde cognitiva na faixa etária geriátrica é uma construção ao longo da vida.
  • A despeito do entusiasmo quanto aos anticorpos monoclonais lançados para a prevenção da doença de Alzheimer, essas medicações têm alto custo. O estudo FINGERS encontrou que intervir nos fatores de risco também poderia prevenir a evolução de um quadro cognitivo inicial para demência, sendo essa uma alternativa mais barata e acessível [6]. Para mais informações sobre o tratamento farmacológico da doença de Alzheimer, veja o tópico sobre Tratamento Farmacológico de Alzheimer.

O ELSI-Brasil

A maior parte dos estudos com dados epidemiológicos das demências no Brasil foi realizada em cidades do sudeste do país [7-9]. A escassez de informações a respeito desse problema em outras regiões traz dúvida sobre a real epidemiologia brasileira.

O ELSI (Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos)-Brasil é uma cooperação nacional que tem como objetivo coletar dados de amostras populacionais nacionalmente representativas dos idosos brasileiros. O ELSI-Brasil é a divisão nacional do Health and Retirement Studies, um grupo internacional de estudos voltados às pessoas idosas que têm metodologia similar, podendo ser comparados entre si.

Um dos estudos derivados do ELSI avaliou a epidemiologia das demências e do comprometimento cognitivo não-demência (ou CCL) no Brasil, publicado em junho de 2023 [1]. Sua metodologia envolveu a coleta de dados e testagem cognitiva sumária por entrevistadores no domicílio dos participantes.

Foram incluídos 5.249 indivíduos com idade acima de 60 anos. Nessa amostra, 8,1% deles possuíam CCL e 5,8% demência.

A prevalência de demência foi maior nos seguintes grupos:

  • Pessoas mais velhas - prevalência de 3,2% na faixa etária de 60 a 65 anos e de 42,8% na faixa etária acima de 90 anos.
  • Mulheres
  • Baixa escolaridade
  • Depressão
  • Hipertensão arterial

Essa publicação do ELSI também traz projeções para a prevalência futura de demência no Brasil. Supondo uma incidência constante, a expectativa é que o número de casos se multiplicará por cinco até 2050.

A taxa de subdiagnóstico foi elevada - 82% das pessoas com demência não tinham diagnóstico conhecido. Essa estatística era esperada. Em um estudo de 2011, foram selecionados aleatoriamente e submetidos à testagem cognitiva pacientes idosos acompanhados no ambulatório de clínica médica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo [10]. Cerca de 83% das pessoas com prejuízos identificados nos testes não tinham seu declínio cognitivo previamente registrado em prontuário. Isso sugere que a capacitação para o diagnóstico de demência e condições relacionadas ainda precisa melhorar.

A evidência atual não permite uma recomendação de rastreio populacional de demência, porém algumas situações devem aumentar a suspeita de comprometimento cognitivo [11]. Pessoas com fatores de risco ou de grupos com maior prevalência, dificuldade de adesão terapêutica e redução da assiduidade em consultas sugerem que uma avaliação cognitiva pode ajudar. Até a propensão a cair em golpes é citada como um sinal relacionado ao comprometimento cognitivo e pode passar despercebida [12].