Tromboembolismo Venoso em Pacientes com DPOC Exacerbada

Criado em: 05 de Fevereiro de 2024 Autor: Lucca Cirillo

Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) apresentam risco até duas vezes maior para eventos trombóticos. Os sintomas de tromboembolismo pulmonar podem ser difíceis de distinguir de um episódio de exacerbação de DPOC. Um estudo publicado no International Journal of Chronic Obstructive Pulmonary Disease avaliou a prevalência de eventos tromboembólicos em pacientes admitidos com o diagnóstico de DPOC exacerbada [1]. Este tópico revisa o tema e os achados do estudo.

Diagnósticos diferenciais de DPOC exacerbada

O Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) de 2023 define exacerbação como uma piora da dispneia e/ou da tosse e secreção que ocorre no período de menos de 14 dias [2].

Uma exacerbação de DPOC é diferente de pneumonia. Na pneumonia, o exame de imagem do pulmão mostra uma nova opacidade ou infiltrado, o que não entra na definição de exacerbação. Assim, a suspeita de exacerbação leva a uma imagem do tórax para avaliar a presença de pneumonia.

As exacerbações de DPOC podem ter causas infecciosas ou não infecciosas. Até 30% dos episódios de exacerbação não tem uma causa definida [3, 4]. Os vírus respiratórios são a principal causa infecciosa de exacerbação. Exposição a poluentes e má aderência medicamentosa são exemplos de causas não infecciosas de exacerbações. Esses fatores contribuem com a piora da dispneia (principal sintoma na exacerbação), acompanhada de aumento e/ou purulência do escarro, tosse e sibilos.

Tabela 1
Diagnósticos diferenciais e contribuintes de DPOC
Diagnósticos diferenciais e contribuintes de DPOC

Pacientes com DPOC têm risco aumentado para eventos agudos, como descompensação de insuficiência cardíaca, pneumonia e tromboembolismo pulmonar (TEP). Essas condições podem mimetizar ou até agravar um quadro de exacerbação. O GOLD de 2023 reforça a necessidade de alta suspeição clínica de diagnósticos diferenciais na avaliação de uma exacerbação [2]. Essa suspeita é especialmente importante quando há piora de dispneia sem os outros sinais clássicos de exacerbação (aumento do volume secreção e purulência do escarro) e na ausência de melhora com a terapia inicial. A tabela 1 resume os principais confundidores e contribuintes durante a avaliação de um episódio de DPOC exacerbada.

Risco trombótico do paciente com DPOC exacerbada

Pacientes com DPOC apresentam risco até duas vezes maior para eventos trombóticos em relação à população geral. No paciente com DPOC exacerbada, TEP é o evento trombótico mais prevalente. Isso é diferente da população geral, em que o evento mais comum é a trombose venosa profunda (TVP). Mesmo quando controlada, a DPOC é considerada fator de risco independente para TEP. Na exacerbação aguda, o risco de eventos tromboembólicos venosos pode ser ainda mais elevado [5].

Tanto o GOLD como o American College of Chest Physicians (ACCP) recomendam a instituição de tromboprofilaxia medicamentosa para todo paciente internado com exacerbação de DPOC [6].

Escores de probabilidade clínica para TEP como os escores de Wells e Genebra não foram validados em pacientes com DPOC. No escore de Wells, por exemplo, a variável subjetiva “diagnóstico alternativo mais provável que TEP” pode ser de difícil avaliação durante um episódio de exacerbação aguda.

Resultados do estudo

Esse estudo multicêntrico de coorte prospectiva realizado na China avaliou 1580 pacientes admitidos com o diagnóstico de DPOC exacerbada [1]. Pacientes com contraindicação ao contraste, neoplasia ativa ou uso de anticoagulantes foram excluídos. Todos os participantes foram submetidos ao rastreio de eventos trombóticos com angiotomografia de artéria pulmonar (protocolo TEP) e USG doppler venoso de membros inferiores. Também foram registrados resultados dos escores de Wells e Genebra modificado nas primeiras 24 horas, bem como exames laboratoriais como D-Dímero, BNP ou NT-pró BNP, gasometria arterial e coagulograma [7, 8].

O evento trombótico mais prevalente foi o TEP, com 16,8% de prevalência no momento da admissão, enquanto a prevalência de TVP foi 13,1%. No total, a prevalência de pacientes com algum evento trombótico venoso foi de 24,5%.

O estudo apresenta alguns dados relevantes:

  • A presença de escarro purulento esteve menos associado com trombose venosa;
  • Histórico de trombose prévia, taquipneia, achados de cor pulmonale e aumento de biomarcadores (D-Dímero, BNP e NT-pró BNP) foram fatores independentes associados com eventos trombóticos;
  • A mortalidade em um ano de seguimento e o tempo de hospitalização foram maiores em pacientes com eventos trombóticos;

Estratificando pelos critérios de Wells, foi diagnosticado TEP em 7,4% dos pacientes com probabilidade baixa, 38,4% dos pacientes com probabilidade moderada e 73,7% dos pacientes com alta probabilidade. A prevalência de TEP encontrada no trabalho é maior do que a descrita previamente nos estudos de validação dos critérios de Wells. Esse achado reforça a importância de utilizar esta ferramenta com cautela, especialmente nos pacientes estratificados com baixa probabilidade [9].

Este estudo encontrou taxas relevantes de prevalência de tromboses venosas em pacientes com DPOC exacerbada, em concordância com dados de uma metanálise recente [10]. Estudos prévios não demonstraram taxas tão elevadas, porém variaram muito em critérios de inclusão e na forma de rastreio realizada.

Estes achados reforçam a necessidade de uma alta suspeição clínica e postura ativa no diagnóstico de eventos trombóticos em pacientes com DPOC exacerbada, principalmente em casos de apresentações atípicas. Os sintomas similares de DPOC exacerbada e TEP podem atrasar o diagnóstico e piorar os desfechos. Não é possível extrapolar estes dados para pacientes ambulatoriais.

Síndromes e Cenários

Amnésia Global Transitória

Criado em: 05 de Fevereiro de 2024 Autor: Joanne Alves Moreira

A Amnésia global transitória (AGT) é uma síndrome caracterizada pelo comprometimento agudo e passageiro da memória. Geralmente é vista na emergência e tem como diagnóstico diferencial doenças graves como AVC. Este tópico revisa a definição, fatores de risco, abordagem no pronto-socorro e seguimento após o evento.

Definição e fatores de risco de amnésia global transitória

Tabela 1
Critérios diagnósticos propostos para amnésia global transitória
Critérios diagnósticos propostos para amnésia global transitória

Amnésia anterógrada é a incapacidade súbita de reter novas informações após o evento, enquanto a amnésia retrógrada é a incapacidade de recordar informações gerais prévias.

A amnésia global transitória (AGT) é caracterizada por amnésia anterógrada, sem comprometimento da atenção e demais funções cognitivas, por vezes acompanhada de amnésia retrógrada.

A orientação autopsíquica está preservada na AGT, mesmo na presença da amnésia retrógrada. Orientação autopsíquica é a orientação do indivíduo em relação a si mesmo, ou seja, o fato de recordar o próprio nome, idade, data de nascimento e demais informações pessoais.

A AGT classicamente ocorre em pessoas com mais de 50 anos. Os episódios são autolimitados, com resolução da amnésia anterógrada em 24 horas. Contudo, é comum pacientes apresentarem uma lacuna de memória do período da AGT.

A amnésia retrógrada pode permanecer por período de muitas horas ou dias e, raramente, anos. Um estudo retrospectivo com 277 casos relatou que os episódios tiveram uma duração média de 6 horas, sendo a maioria com duração de 2 a 12 horas [1].

A fisiopatologia ainda não foi determinada. Comprometimento vascular, enxaqueca, epilepsia e causas psicogênicas são algumas das hipóteses [2, 3]. Alguns estudos encontraram associação com enxaqueca e há evidências conflitantes sobre a relação com fatores de risco cardiovasculares (HAS, DM e dislipidemia) [4-7].

Em um relato brasileiro de 1985 com 26 casos, a média de idade foi de 65 anos e 88,5% dos casos apresentaram um único episódio em 84 meses de seguimento [8].

Abordagem inicial à amnésia global transitória no pronto-socorro

O diagnóstico da AGT é clínico (ver tabela 1). O paciente deve permanecer em observação até que a amnésia desapareça.

A amnésia anterógrada é o sintoma principal que se manifesta por um questionamento repetitivo, geralmente sobre a data e o local (por exemplo, “onde estou?” ou “o que aconteceu?”). Esse achado é sensível, mas não é específico para o diagnóstico de AGT [2].

Há relatos de cefaleia leve, náuseas e, menos frequentemente, tontura após o evento [2, 5, 9]. A presença de alteração do nível de consciência e desorientação autopsíquica excluem o diagnóstico de AGT [2].

O exame neurológico está normal durante e após o episódio. A presença de febre, alterações neurológicas focais e déficits cognitivos tornam o diagnóstico improvável [10].

A neuroimagem é indicada em todos os pacientes para excluir outros diagnósticos. A tomografia de crânio é mais disponível e o exame é normal ou mostra achados não relacionados. A ressonância magnética de crânio (RM) é preferível para excluir isquemia e outras condições. A RM pode estar normal ou mostrar uma ou mais lesões puntiformes no hipocampo com restrição à difusão. Essas lesões diferem de lesões isquêmicas já que tendem a ser menores, ocorrem mais tardiamente e se resolvem com o tempo.

Essas lesões puntiformes hipocampais são mais prevalentes após 12 horas do início do evento e persistem frequentemente durante 7 a 10 dias. Ao realizar acompanhamento com imagem, tendem a se resolver [11].

Exames laboratoriais como eletrólitos, glicose e exame toxicológico também auxiliam na exclusão de encefalopatias tóxico-metabólicas.

Não há tratamento específico para AGT. O UpToDate sugere o uso de 500 mg de tiamina por via endovenosa, ponderando a possibilidade de que uma encefalopatia de Wernicke (EW) leve seja confundida com AGT e que nenhum teste permite confirmar ou excluir imediatamente a EW.

Em casos em que a AGT não é presenciada, o diagnóstico é clínico, baseado na história e sintomas do paciente.

Seguimento clínico da amnésia global transitória

Deve-se tranquilizar o paciente e a família quanto a benignidade do quadro e a baixa probabilidade de recorrência. Em uma revisão com 213 pacientes, aproximadamente 15% dos pacientes tiveram mais do que um episódio com um intervalo médio entre episódios de cerca de 2 anos e quase dois terços tiveram três ou mais episódios definitivos ou prováveis [12].

Questiona-se a associação de AGT com comprometimento cognitivo leve e afasia progressiva primária [13, 14].

Não há indicação de terapia antitrombótica na ausência de isquemia documentada e não há aumento do risco de mortalidade, epilepsia, AVC ou síndrome demencial após a AGT [3, 15-18]. No entanto, uma análise de propensão de dados de mais de 14.000 pacientes coreanos sugeriu que pode haver um risco minimamente mais elevado de um AVC futuro [19].

Critérios de Beers de 2023 e Prescrição Segura em Idosos

Criado em: 05 de Fevereiro de 2024 Autor: Marcela Belleza

A prescrição em idosos tem desafios como a multimorbidade e a polifarmácia, além de características fisiológicas do envelhecimento que aumentam o risco de eventos adversos. A American Geriatrics Society publicou em 2023 uma atualização dos critérios de Beers, um documento que auxilia a identificar medicamentos potencialmente inapropriados em idosos [1]. Esta edição do guia revisa a publicação e conceitos sobre prescrição segura nessa população.

Particularidades da prescrição em idosos

Alterações próprias do envelhecimento podem modificar a absorção, metabolização e eliminação de medicamentos [2-4]. Entre essas mudanças, destacam-se:

  • Maior proporção de tecido adiposo, alterando o volume de distribuição de medicamentos
  • Redução de albumina plasmática, alterando a velocidade de distribuição dos medicamentos
  • Redução do débito cardíaco e perfusão renal e hepática, diminuindo a capacidade de metabolização e excreção de medicamentos

Além dessas alterações, pacientes idosos têm maior prevalência de doenças crônicas, que podem coexistir. As comorbidades impactam nos processos já mencionados e muitas vezes exigem tratamentos farmacológicos de longo prazo, resultando em polifarmácia [5].

A polifarmácia é caracterizada pelo uso crônico de cinco ou mais classes medicamentosas [6]. Essa situação aumenta a sobrecarga do cuidado, os gastos em saúde e o risco de interações medicamentosas. Também está relacionada a maior risco de quedas, hospitalizações e piora funcional e cognitiva [6, 7].

Em alguns cenários, a polifarmácia é justificada pela complexidade do cuidado e das comorbidades em tratamento [5]. É o caso de indivíduos com doenças crônicas como doença coronariana ateroesclerótica, doença de Parkinson e diabetes.

Figura 1
Exemplos de prescrição em cascata
Exemplos de prescrição em cascata

Por outro lado, algumas vezes a polifarmácia pode ser evitada, como na prescrição em cascata. Esta situação é definida pela introdução de uma intervenção (farmacológica ou não) para controle de um efeito adverso de outro medicamento já usado previamente. A figura 1 descreve alguns exemplos de prescrição em cascata.

Como garantir uma prescrição racional em idosos?

A análise da prescrição deve conter três etapas [8]:

  • Identificação de todos os medicamentos em uso e suas respectivas indicações
  • Identificação de vulnerabilidades do paciente - declínio cognitivo, baixo suporte social e polifarmácia
  • Identificação dos riscos relacionados aos fármacos

Os objetivos dos medicamentos de uso crônico podem ser classificados em: controle de sintomas, redução de mortalidade ou prevenção de desfechos (como tromboses, eventos cardiovasculares e readmissões hospitalares).

Para a prevenção de desfechos, muitos medicamentos podem demorar para causar o efeito benéfico - um conceito conhecido como "tempo para benefício" [9]. É o caso do uso de bisfosfonatos na osteoporose, quando o benefício em redução de fraturas é evidenciado após aproximadamente um ano de uso [10, 11]. Em pacientes com expectativa de sobrevida curta, os medicamentos com tempo para benefício prolongado devem ser reavaliados, pois podem agregar efeitos colaterais sem gerar os ganhos desejados.

A identificação de riscos associados aos fármacos exige conhecimento sobre os eventos adversos de cada um deles. Algumas listas ajudam a reconhecer medicamentos inapropriados em idosos. São exemplos:

  • Critérios de Beers: avaliam medicamentos inapropriados para idosos, nos Estados Unidos
  • STOPP/START e Euro-FORTA [12, 13]: avaliam a segurança do uso de medicamentos, classificando entre aqueles que devem ser mantidos ou evitados. Ambos foram desenhados para países europeus.

Atualização dos critérios de Beers e desprescrição

Os critérios de Beers são publicados desde 1991, com atualizações periódicas. O documento de 2023 lista medicamentos inapropriados, interações que merecem atenção e cuidados com pacientes com disfunção renal [1]. Os principais pontos são destacados a seguir.

Benzodiazepínicos e drogas com ação anticolinérgica devem ser evitados pelo risco de delirium e piora cognitiva. A associação desses fármacos com opioides e gabapentinoides também deve ser evitada, pelo aumento do risco de quedas e fraturas.

Medicamentos com efeito na hemostasia merecem atenção pelo risco de sangramento. O documento de 2023 traz uma novidade sobre a escolha de anticoagulantes para fibrilação atrial não valvar e para tromboembolismo venoso. Nessas situações, os anticoagulantes orais diretos devem ser preferidos em relação à varfarina. Dentre eles, a apixabana e edoxabana parecem ser mais seguras.

O uso de aspirina como profilaxia primária de eventos cardiovasculares também é discutido na publicação. Sua prescrição deve ser evitada nesse contexto, conforme abordamos no tópico sobre Aspirina e Prevenção de Eventos Cardiovasculares.

Outras novidades incluem:

  • Evitar uso de terapia sistêmica com estrogênios isolados, especialmente iniciados após os 60 anos, pelo risco de câncer (mama e endométrio), eventos tromboembólicos e AVC.
  • Evitar sulfonilureias como primeira opção ou segunda opção, pelo risco de hipoglicemias e eventos cardiovasculares.

Uma metanálise revisou estudos sobre prescrições inapropriadas em idosos, em um cenário ambulatorial [14]. A prevalência do uso de medicamentos inapropriados foi de 36%, segundo os critérios de Beers e STOPP/START. Os benzodiazepínicos foram a classe mais comumente usada. Outros exemplos estão descritos na tabela 1.

Tabela 1
Prescrições mais frequentes de medicamentos potencialmente inapropriados
Prescrições mais frequentes de medicamentos potencialmente inapropriados

Uma vez identificado um medicamento inapropriado, o paciente deve ser informado sobre os riscos do uso. Em muitas situações, está indicada a desprescrição. A desprescrição é um processo gradual de redução de dose ou interrupção do uso de um medicamento [15].

A decisão sobre desprescrição deve ser compartilhada. Algumas classes de medicamentos possuem particularidades para a descontinuação, para evitar recorrência de sintomas, abstinência ou síndrome de retirada. A desprescrição de benzodiazepínicos e inibidores de bomba de prótons já foi discutida no Guia. Uma iniciativa canadense organiza alguns modelos de desprescrição medicamentosa, que podem ser acessados em diretrizes e algoritmos de desprescrição.

O processo de desprescrição é uma oportunidade para intensificar as terapias não farmacológicas para doenças crônicas e reavaliar o estilo de vida do paciente.