Diretriz de Síndrome de Guillain Barré

Criado em: 11 de Fevereiro de 2024 Autor: João Urbano

A Síndrome de Guillain Barré (SGB) é a principal causa de paralisia flácida aguda no pronto socorro. Essa condição tem tratamento específico e há risco de falência respiratória e disautonomia grave. Em outubro de 2023, foi publicado no European Journal of Neurology a nova diretriz europeia de diagnóstico e manejo da Síndrome de Guillain-Barré [1]. Esse tópico revisa o tema e aborda essa nova publicação.

Como é o diagnóstico da Síndrome de Guillain Barré (SGB)?

A SGB é uma doença autoimune pós-infecciosa que ocorre semanas após um quadro de diarreia ou infecção respiratória. O agente mais comumente associado é o Campylobacter jejuni como causador de diarreia invasiva. A vacinação também é um fator associado como gatilho de SGB, principalmente as vacinas para influenza e herpes zoster. Até um terço dos pacientes podem não ter um gatilho identificado na história [2].

A SGB é uma polirradiculoneuropatia, ou seja, acomete as raízes e os nervos periféricos. O quadro clínico na sua forma clássica é caracterizado por sintomas motores e sensitivos, simétricos, progressivos e geralmente ascendentes (início nos membros inferiores). O principal sintoma é a fraqueza muscular aguda associada a hiporreflexia, padrão conhecido como paralisia flácida.

Parestesia é um sintoma sensitivo comum e disautonomia também pode estar presente. Nervos cranianos podem ser afetados, principalmente na forma de paralisia facial. Na tabela 1 estão os critérios diagnósticos utilizados pela diretriz, assim como outros achados que fortalecem a hipótese diagnóstica de SGB.

Tabela 1
Critérios diagnósticos de síndrome de Guillain Barré (SGB)
Critérios diagnósticos de síndrome de Guillain Barré (SGB)

A análise do líquor está indicada na investigação de um paciente com paralisia flácida aguda. O achado que sugere SGB é o aumento da proteinorraquia (> 40 mg/dL) com pouco aumento de células no liquor. Cerca de 80% dos pacientes terão celularidade normal (< 5 cél/mm³), mas o limite considerado aceitável para o diagnóstico é de até 50 cél/mm³. Esse padrão de elevação de proteínas com celularidade preservada é chamado de dissociação proteino-citológica. Esse achado chama atenção, já que normalmente espera-se elevação de proteínas com aumento de celularidade.

A eletroneuromiografia não é necessária para o diagnóstico. Em caso de dúvida diagnóstica, o exame pode ajudar mostrando um padrão sugestivo de polineuropatia. Um achado associado à SGB é a relativa preservação do nervo sural (sural sparing) em relação aos outros nervos.

Outra contribuição da eletroneuromiografia para o seguimento da SGB é diferenciar entre os dois subtipos existentes: forma axonal (acute motor axonal neuropathy - AMAN) e forma desmielinizante (acute inflammatory demyelinating polyneuropathy - AIDP). Não há mudança de tratamento entre os subtipos. A diferenciação é útil para o prognóstico, sendo a forma axonal associada a uma progressão mais rápida para o ponto de maior gravidade clínica (nadir).

Como tratar a Síndrome de Guillain Barré?

As duas principais opções de tratamento para SGB são a imunoglobulina intravenosa e a plasmaférese. Estudos não observaram diferença de eficácia entre os dois métodos e a escolha deve se basear em perfil de efeitos adversos e disponibilidade no serviço. A imunoglobulina deve ser realizada na dose de 400 mg/kg/dia por 5 dias, enquanto a plasmaférese é realizada 4 a 5 vezes no período de até 14 dias, comumente em dias alternados.

Fluxograma 1
Tratamento da síndrome de Guillain Barré
Tratamento da síndrome de Guillain Barré

Alguns pacientes com formas leves e início há mais de 2 a 4 semanas podem não ter benefício do tratamento de imunoterapia. A recomendação de tratamento da diretriz está esquematizada no fluxograma 1.

O uso de corticoides não é recomendado para o tratamento de SBG por ausência de benefício.

Alguns parâmetros clínicos precisam ser analisados para detectar piora clínica precoce e indicar necessidade de UTI. Essa avaliação é baseada na tríade:

  • Escalas de predição de insuficiência respiratória (mEGRIS) [3]
  • Avaliação clínica de fatores de risco
  • Parâmetros ventilatórios
Tabela 2
Escala mEGRIS e escala de força muscular MRC
Escala mEGRIS e escala de força muscular MRC

A principal escala preditiva para insuficiência respiratória é a mEGRIS (tabela 2), que deve ser realizada diariamente, assim como a verificação dos principais fatores de risco associados à deterioração clínica e avaliação clínica direcionada (tabela 3). O fluxograma 2 reúne a classificação de risco e conduta baseado nos três parâmetros.

Tabela 3
Fatores de risco importantes à admissão e avaliação clínica direcionada
Fatores de risco importantes à admissão e avaliação clínica direcionada
Fluxograma 2
Classificação de risco e critérios de internação em UTI
Classificação de risco e critérios de internação em UTI

Outras novidades da diretriz de Síndrome de Guillain Barré de 2023?

Além da organização da avaliação e tratamento da SGB, a diretriz se posicionou sobre situações clínicas complexas, com destaque para três situações:

Se o paciente não melhorar, deve-se repetir a imunoterapia?

Não é recomendada a repetição da imunoterapia ou a troca da modalidade de tratamento - plasmaférese para imunoglobulina e vice-versa.

Após melhora inicial, o paciente volta a piorar dos sintomas, deve-se repetir o tratamento?

Pode ser considerada a repetição da imunoterapia, seja na modalidade inicial ou troca do tratamento.

Deve-se iniciar o tratamento de imunoterapia após quatro semanas do início dos sintomas?

Se houver piora clínica, diagnósticos diferenciais devem ser pesquisados. Nesse cenário de piora prolongada dos sintomas, deve-se pensar principalmente em uma forma aguda da Polineuropatia Inflamatória Desmielinizante Crônica (A-CIDP), cujo tratamento e seguimento tem particularidades próprias.

Um destaque é sobre o papel ainda limitado de métodos como a ultrassonografia de nervos e a ressonância magnética de raízes nervosas. Esses exames ainda não possuem indicação formal e estão reservados ao cenário da dúvida diagnóstica.

Hipotensão Ortostática

Criado em: 11 de Fevereiro de 2024 Autor: Caio Bastos

As diretrizes recentes de hipertensão arterial reforçam alvos mais baixos de pressão arterial, com comprovação de redução de desfechos clínicos. Muitas vezes o manejo desses pacientes é dificultado pelas comorbidades, como a hipotensão ortostática. Em janeiro de 2024, a American Heart Association publicou um novo posicionamento sobre rastreio e manejo da hipotensão postural em pacientes hipertensos [1]. Este tópico traz os principais pontos do documento.

Aspectos gerais da hipotensão ortostática

A hipotensão ortostática (HO) é definida como a queda ≥ 20 mmHg de pressão arterial sistólica (PAS) ou ≥ 10 mmHg de pressão arterial diastólica (PAD) em até 3 minutos após assumir a posição ortostática [2].

Estima-se que aproximadamente 10% dos adultos possuam esta condição, sendo ainda mais prevalente em pacientes com doenças crônicas, como diabetes, doença renal crônica, insuficiência cardíaca e doença de Parkinson [3]. A HO é um fator de risco independente para mortalidade e aumenta a incidência de doenças cardiovasculares, como insuficiência cardíaca, fibrilação atrial e doença coronariana [4]. Pacientes com HO também têm maior risco de desfechos não cardíacos, como quedas, fraturas e piora cognitiva [5].

O mecanismo principal para o surgimento de HO é a incapacidade em reagir de forma compensatória à redistribuição do volume sanguíneo após a ortostase. As causas dessa desregulação podem ser separadas nos dois grupos a seguir (a maioria dos pacientes terá uma combinação dos mecanismos [6]:

  • HO neurogênica, em que acontece degeneração das vias autonômicas centrais ou dos nervos simpáticos periféricos
  • HO não-neurogênica, explicada pela depleção de volume e efeitos adversos de medicamentos

A HO pode ter diferentes apresentações. As queixas mais comuns são tontura, vertigem, sensação de cabeça leve, escurecimento visual, pré-síncope e síncope. Manifestações menos frequentes incluem dispneia, dor torácica ou dor em região de ombros e pescoço. Os sintomas são mais frequentes em ambientes quentes ou em mudanças para a posição ortostática após longos períodos sentado ou em decúbito [6].

Alguns pacientes, mesmo com critérios clínicos para definição de HO, são assintomáticos. Ainda assim, esse grupo possui maior risco para eventos adversos, como quedas [7].

Como fazer o diagnóstico de hipotensão ortostática?

A HO deve ser pesquisada em todos os pacientes idosos com diabetes, hipertensão ou doenças neurodegenerativas [8, 9]. Para realizar a avaliação, é recomendado que a pressão arterial seja aferida após 5 a 10 minutos em repouso na posição supina. Em seguida, o paciente assume a posição ortostática e sua pressão é avaliada novamente em até 3 minutos [2]. Esse protocolo é capaz de detectar a HO clássica. Contudo, pode não avaliar todos os padrões de HO, descritos a seguir [10]:

  • HO clássica: queda ≥ 20 mmHg de PAS ou ≥ 10 mmHg de PAD em até 3 minutos
  • HO inicial: queda abrupta e transitória da pressão arterial em até 15 segundos ao levantar, mas resolvida ainda no primeiro minuto.
  • HO tardia: queda gradual da pressão arterial que atinge os critérios de HO após mais de três minutos em ortostase.
  • Recuperação demorada: recuperação lenta da pressão arterial após levantar, sem atender aos critérios de HO clássica.

Cada subtipo requer estratégias de manejo específicas. Por esse motivo, a diretriz da sociedade europeia de hipertensão de 2023 sugere a aferição em dois momentos após a ortostase: no primeiro e terceiro minutos [8]. Ainda assim, essa avaliação pode ser insuficiente. Em um estudo publicado em 2023, a presença de HO entre um e dois minutos de ortostase foi mais frequente e mais associada à presença de sintomas. Porém, a HO após 4,5 minutos foi mais associada a quedas [11]. Considerando essa variabilidade, o momento de avaliação da pressão arterial deve ser individualizado.

Alguns trabalhos estudaram métodos mais simples para a avaliação clínica, como a aferição da PA em posição sentada e em ortostase. Essa modificação, apesar de tornar a avaliação mais prática, reduz a sensibilidade [12]. O uso de valores de corte mais baixos, como uma queda na PAS ≥ 15 mmHg ou PAD ≥7 mmHg, tenta compensar a acurácia, apesar da validação clínica ainda ser limitada [13].

Outro dado que deve ser registrado durante a avaliação de HO é a frequência cardíaca (FC). Após a mudança de decúbito e redução da perfusão cerebral, é esperado um aumento compensatório da FC. Em pacientes com HO exclusivamente neurogênica, esse aumento não ocorre. Assim, um incremento da FC superior a 0,5 bpm para cada mmHg de queda da PAS entre a posição supina e a ortostase sugere um mecanismo não neurogênico associado à HO [6].

Manejo da hipotensão ortostática

O manejo da HO em pacientes com hipertensão pode ser desafiador. Uma abordagem sistematizada é descrita a seguir, para facilitar o cuidado destes pacientes.

Avaliar padrões, gatilhos e causas para a HO

A caracterização do padrão da HO auxilia a identificar o fator causal e possíveis contribuintes. Gatilhos específicos, como refeição, exposição a ambientes quentes, longos períodos em ortostase ou uso de determinadas medicações podem deflagrar os sintomas. Comorbidades associadas e passíveis de reversão, como anemia e hipovolemia, devem ser buscadas de forma ativa. A razão entre compensação da FC e queda da PAS > 0,5 bpm/mmHg sugere presença de um fator potencialmente reversível associado.

Otimize as medicações contribuintes

Medicamentos anti-hipertensivos e não anti-hipertensivos podem estar associados ao surgimento de HO. A figura 1 descreve o risco de HO secundário ao uso de medicações anti-hipertensivas.

Figura 1
Medicamentos anti-hipertensivos associados à hipotensão ortostática
Medicamentos anti-hipertensivos associados à hipotensão ortostática

A decisão de modificar o tratamento anti-hipertensivo de pacientes com HO é controversa. A retirada de medicações anti-hipertensivas de primeira linha não deve ser feita de rotina. As medicações de primeira linha são de classes pouco associadas à HO e sua retirada pode aumentar a probabilidade de desfechos negativos, devido ao pior controle pressórico.

A presença de HO não deve impedir o controle intensivo da pressão arterial para a maioria dos pacientes hipertensos. Uma meta-análise de 2023 observou que a terapia anti-hipertensiva intensiva reduziu o risco de doenças cardiovasculares ou mortalidade por todas as causas, independentemente da presença de HO no início do tratamento [14]. Conforme sugerido pela diretriz de hipertensão da EHA, a exceção a essa regra são pacientes octogenários com valores de pressão arterial sistólica < 120 mmHg, sintomas importantes ou polifarmácia. Nesse cenário, caso a retirada de medicamentos seja considerada, deve ser iniciada pelas drogas de segunda linha e com maior associação com HO.

Os medicamentos não anti-hipertensivos mais associados a HO são antidepressivos tricíclicos, trazodona e agentes dopaminérgicos. Sempre que possível, a suspensão deve ser considerada, especialmente em pacientes muito sintomáticos.

Abordagem não farmacológica

Após a suspensão de medicações potencialmente causadoras e correção de causas reversíveis, a próxima etapa é a tentativa de medidas não farmacológicas. Apesar de pouca evidência de benefício, elas costumam ser recomendadas pelo baixo potencial de efeitos adversos. Contra-manobras auxiliam o retorno venoso, especialmente ao assumirem a posição ortostática. O paciente pode ser orientado a agachar ou cruzar as pernas. O uso de cintas abdominais também pode ser recomendado.

O aumento da oferta hidrossalina e reposição de fluidos, mesmo pela via oral, parece ser benéfica para os pacientes com HO, inclusive naqueles em que a causa primária não é hipovolemia. O efeito dessas medidas deve ser contrabalanceado com a possível piora da hipertensão de decúbito e natriurese pressórica.

Tratamento farmacológico

As medidas não farmacológicas podem ser insuficientes. Atualmente, apenas dois medicamentos são liberados para tratamento da HO neurogênica: midodrina e doxidopa. Ambas não estão disponíveis no Brasil. A midodrina, um agonista alfa-1 adrenérgico, é iniciada com uma dose de 2,5 a 5 mg três vezes ao dia, até uma dose máxima de 10 mg três vezes ao dia. A droxidopa, um pró-fármaco da norepinefrina, é iniciada na dose de 100 mg três vezes ao dia, ajustada conforme sintomas até um máximo de 600 mg três vezes ao dia. A droxidopa parece ser superior à midodrina, pelo menor potencial de hipertensão em posição supina.

Outras medicações são comumente utilizadas, apesar de não terem indicação formal. A fludrocortisona (florinefe®) é um mineralocorticoide usado para aumentar o volume plasmático, especialmente em casos graves de OH. A dose varia de 0,1 a 0,3 mg diariamente. A piridostigmina, um inibidor da acetilcolinesterase, pode ser considerada como tratamento adjuvante, iniciando com 30 mg duas vezes ao dia, ajustável conforme resposta e tolerabilidade.

Angiodisplasia do Trato Gastrointestinal

Criado em: 11 de Fevereiro de 2024 Autor: João Mendes Vasconcelos

Angiodisplasia é uma anomalia vascular encontrada comumente no trato gastrointestinal. É causa frequente de sangramento digestivo baixo e anemia ferropriva em idosos. Dois estudos recentes avaliaram o octreotide e a talidomida no manejo de angiodisplasias [1, 2]. Este tópico revisa o tema e traz os resultados dos estudos.

O que é angiodisplasia?

As lesões vasculares do trato gastrointestinal (TGI) podem ser divididas em três grupos: tumores vasculares, anomalias congênitas ou associadas a doenças sistêmicas e anomalias esporádicas ou adquiridas. As angiodisplasias estão no terceiro grupo, conforme a tabela 1.

Tabela 1
Anomalias vasculares do trato gastrointestinal
Anomalias vasculares do trato gastrointestinal

As angiodisplasias são a anomalia vascular mais frequente do TGI. A característica morfológica é de um conjunto de vasos finos, dilatados e tortuosos localizado na mucosa ou submucosa. Podem ocorrer em qualquer parte do TGI, mas a localização mais frequente é o cólon direito, especialmente o ceco. São mais comumente adquiridas, com prevalência que aumenta significativamente com a idade. Podem também ser congênitas ou ocorrerem no contexto de alguma síndrome (ex.: síndrome de Osler-Weber-Rendu). Angiectasia, ectasia vascular e má formação arteriovenosa são termos usados muitas vezes como sinônimos de angiodisplasia.

As angiodisplasias tipicamente são detectadas em pessoas com mais de 60 anos. Dois fatores de risco relatados são doença renal crônica avançada e doença de von Willebrand. Não se sabe ao certo se essas duas condições realmente aumentam o risco ou se fazem angiodisplasias previamente assintomáticas começarem a sangrar por conta da coagulopatia.

Manifestações e diagnóstico de angiodisplasia

A manifestação clínica mais frequente de angiodisplasia é o sangramento digestivo baixo crônico e recorrente. Pode se apresentar como sangramento gastrointestinal oculto, situação em que ocorre teste positivo para sangue nas fezes ou anemia ferropriva sem evidência visível de sangramento para o paciente e o médico. Apesar de raro, sangramento intenso levando à repercussão hemodinâmica pode ocorrer.

Outra apresentação possível é o que antes era chamado de sangramento gastrointestinal de origem obscura. Esse termo significa um sangramento digestivo que persiste sem causa definida após colonoscopia e endoscopia digestiva alta. A explicação mais comum para essa situação é uma angiodisplasia do intestino delgado. Uma diretriz de 2015 propõe abandonar o termo e utilizar sangramento de origem do intestino delgado [3].

A maneira mais comum de diagnosticar uma angiodisplasia é com um exame endoscópico realizado por suspeita de sangramento gastrointestinal. A aparência é de uma lesão plana e vermelha com vasos que arborizam a partir de um vaso central maior. A angiotomografia também pode indicar o diagnóstico de maneira não invasiva. Em casos de sangramento persistente com repercussão clínica e sem esclarecimento, a angiografia pode determinar o diagnóstico.

Tratamento de angiodisplasia

Angiodisplasias assintomáticas detectadas em exames endoscópicos por outros motivos não precisam de tratamento. Contudo, o fato de angiodisplasias serem comumente encontradas torna difícil determinar se uma angiodisplasia é a causa de um sangramento. As lesões podem não estar sangrando no momento da avaliação e é comum coexistirem outras possíveis explicações para o quadro. A chance de a angiodisplasia ser a culpada pelo quadro aumenta quando o sangramento é persistente, existem múltiplas lesões e há alguma coagulopatia.

Terapias endoscópicas envolvendo cauterização costumam ser a primeira opção terapêutica. Cauterização com plasma de argônio ou eletrocoagulação podem ser utilizadas. Apesar de efetivas em um primeiro momento, estima-se que um terço dos pacientes recorram em até dois anos, com taxas ainda maiores quando as angiodisplasia são do intestino delgado [4]. Pacientes com coagulopatias tendem a ter resultados piores.

A alta recorrência após procedimentos endoscópicos aumenta o interesse pela abordagem medicamentosa. Parte da recorrência pode ser explicada por lesões em outras partes do TGI que não foram abordadas. Nesse contexto, medicamentos antiangiogênicos como a talidomida e análogos da somatostatina como o octreotide foram estudados.

O octreotide em formulação de longa ação de 40 mg administrado a cada quatro semanas foi testado em um ensaio clínico holandês [1]. Foram 62 pacientes randomizados para intervenção ou placebo e todos precisavam ter pelo menos quatro hemotransfusões ou infusões de ferro parenteral no último ano. Os pacientes incluídos tinham em média 20 hemotransfusões ou infusões de ferro e dois procedimentos endoscópicos no ano anterior à inclusão no estudo. Em um ano, o grupo intervenção apresentou uma redução significativa na necessidade de concentrado de hemácias ou ferro parenteral - média de 11 versus 21 - gerando uma redução em média de 10 infusões (IC95%: 2,4 - 18,1; p = 0,012). Os efeitos adversos mais comuns no grupo octreotide foram gastrointestinais e relacionados ao local de infusão. Ocorreram dois eventos adversos graves no grupo octreotide - uma colangite e um episódio de hipoglicemia com perda de consciência.

A talidomida foi estudada para angiodisplasias do intestino delgado [2]. A droga era administrada na dose de 50 a 100 mg/dia por quatro meses e os pacientes eram acompanhados por pelo menos um ano após esse período. Todos deveriam ter pelo menos quatro episódios de sangramento por angiodisplasias no último ano para entrarem no estudo. Foram incluídos 150 pacientes, sendo 50 para talidomida 100 mg, 50 para talidomida 50 mg e 50 para placebo. O desfecho primário foi redução de 50% ou mais nos episódios de sangramento no ano após o estudo. Mais pacientes nos grupos de talidomida atingiram o desfecho - 69% no grupo 100 mg, 51% no grupo 50 mg e 16% no placebo. Houve redução significativa na necessidade de transfusões e o benefício se manteve no segundo ano de acompanhamento. Ocorreram mais eventos adversos no grupo talidomida, sendo o mais comum constipação, porém todos classificados como leves e resolvidos após tratamento ou suspensão da droga.

Somados às evidências prévias, esses dois estudos reforçam o octreotide e a talidomida como opções em pacientes com angiodisplasias refratárias à terapia endoscópica.