Bulário

Anfotericina B

Criado em: 04 de Março de 2024 Autor: Frederico Amorim Marcelino

Anfotericina B é um antifúngico amplamente utilizado. A medicação está associada a muitos efeitos adversos, principalmente nefrotoxicidade. Este tópico discute os usos da anfotericina B, os efeitos adversos e as estratégias para diminuí-los.

Uso da anfotericina B

A anfotericina B é um antifúngico da classe dos polienos. É considerado de amplo espectro, com ação contra leveduras, fungos filamentosos e fungos dimórficos e também contra protozoários como Leishmania. Está disponível em três apresentações principais: desoxicolato, complexo lipídico e lipossomal. O uso de anfotericina B inalatória, intra-vesical e intra-tecal não serão abordados neste tópico.

A anfotericina B é o tratamento de escolha para criptococose (forma neurológica, disseminada ou pulmonar grave), histoplasmose moderada a grave, paracoccidioidomicose grave ou disseminada, mucormicose e leishmaniose visceral [1-5]. Também é uma alternativa para o tratamento de candídiase e aspergilose invasivas. Apesar de ter ação ampla, alguns agentes podem ter resistência a anfotericina B, como Aspergillus terreus e algumas cepas de Candida auris.

Os principais efeitos adversos são as reações infusionais, a nefrotoxicidade e os distúrbios hidroeletrolíticos. Mielo e cardiotoxicidade também podem ocorrer, já hepatotoxicidade é incomum. As apresentações complexo lipídico e lipossomal (formulações lipídicas) estão associadas a menor taxa de efeitos adversos [6, 7].

Efeitos adversos e medidas preventivas

As principais reações infusionais (RI) são calafrios, vômitos, cefaleia, febre e tromboflebite. Elas podem ocorrer em 15% a 75% dos pacientes, sendo mais comuns nas primeiras doses [8, 9].

Duas estratégias são recomendadas para diminuir as RI: aumentar o tempo de infusão e administrar pré-medicamentos. Tempos de infusão de 2 a 4 horas são recomendados, apesar de alguns estudos não terem encontrado diferença de RIs com o aumento do tempo de infusão [10]. A infusão de corticoides, anti-alérgicos, paracetamol e ibuprofeno antes da anfotericina B pode prevenir as RIs. Uma estratégia possível é a administração de hidrocortisona 50 a 100 mg e difenidramina 25 a 50 mg, 15 a 30 minutos antes da infusão.

Tabela 1
Recomendações para prevenção de efeitos adversos por anfotericina B
Recomendações para prevenção de efeitos adversos por anfotericina B

A nefrotoxicidade é um efeito adverso comum e grave da anfotericina B. As manifestações principais são lesão renal aguda, os distúrbios hidroeletrolíticos e a acidose tubular tipo 1 (distal). Em um estudo com 494 pacientes, 28% apresentaram aumento de pelo menos 50% da creatinina e 12% dobraram a creatinina. Foi observado aumento de toxicidade com doses maiores e com maior tempo de uso, assim como em pacientes com fatores de risco como doença renal crônica e o uso simultâneo de outras drogas nefrotóxicas [11]. A infusão de um litro de SF 0,9% (tabela 1) uma hora antes da anfotericina B diminuiu a variação de creatinina durante o tratamento de leishmaniose mucocutânea em um estudo com 20 pacientes [12]. Estudos retrospectivos demonstraram resultados positivos com estratégias semelhantes [13].

Distúrbios hidroeletrolíticos são comuns com o uso de anfotericina B. Hipocalemia foi descrito em 40 a 90% dos pacientes e hipomagnesemia em 40 a 80% dos pacientes [13-15]. A reposição de potássio pré infusão pode ser considerada em pacientes sem alterações de função renal [13, 16].

As recomendações para prevenção de efeitos adversos por anfotericina B estão reunidas na tabela 1.

Novos estudos sobre anfotericina B

Dois estudos recentes avaliaram anfotericina B lipossomal em dose única para tratamento de neurocriptococose e histoplasmose. No estudo AMBITION, publicado em 2022 no New England Journal of Medicine, a anfotericina B lipossomal dose única associada a fluconazol e 5-flucitosina por 14 dias foi comparada com anfotericina B desoxicolato e 5-flucitosina por 7 dias seguido de fluconazol por 7 dias - este último esquema é o recomendado pela OMS [17]. O esquema de dose única foi não-inferior e a taxa de efeitos adversos foi menor do que o esquema recomendado pela OMS. Contudo, a mortalidade foi elevada (próxima de 30%) e o estudo foi realizado em cinco países em desenvolvimento da África Subsariana, o que gera dúvida se esses dados poderiam ser extrapolados para outras populações. Outra crítica é o grupo controle ser com anfotericina B desoxicolato, ao invés de formulações lipídicas que são menos tóxicas.

Um estudo de não inferioridade de fase II, publicado em 2023 no Clinical Infectious Diseases, comparou diferentes doses de anfotericina B lipossomal para histoplasmose disseminada [18]. Foram comparados três tratamentos diferentes: 1) anfotericina B lipossomal dose única seguida de itraconazol, 2) anfotericina B lipossomal no primeiro dia e outra dose no terceiro dia e 3) 14 dias de anfotericina B lipossomal. O esquema com anfotericina B dose única e itraconazol foi não-inferior aos outros esquemas. Um estudo de fase III é necessário para confirmar os achados.

Está sendo pesquisada uma formulação oral da anfotericina B [19]. Estudos iniciais demonstraram efeito fungicida contra Cryptococcus semelhante à anfotericina B endovenosa, mas com menos efeitos adversos.

Finerenona na Nefropatia Diabética

Criado em: 04 de Março de 2024 Autor: Ênio Simas Macedo

Uma série de ensaios clínicos a partir de 2020 ajudaram a entender o papel da finerenona no tratamento da doença renal crônica diabética. Este tópico revisa a definição de doença renal crônica, a farmacologia dos antagonistas mineralocorticoides e os ensaios clínicos e recomendações sobre a finerenona.

Qual é a definição de doença renal crônica?

A doença renal crônica (DRC) é definida pela alteração renal estrutural ou funcional persistente por mais de três meses.

A dosagem de creatinina sérica é usada para calcular a taxa de filtração glomerular estimada (TFGe). A fórmula recomendada é a CKD-EPI, veja a calculadora CKD-EPI aqui. Uma TFGe menor que 60 mL/min/1,73 m² por mais de três meses caracteriza o diagnóstico de DRC. É de uma TFGe de 60 mL/min para baixo que existe uma associação mais forte com desfechos negativos, por isso esse limiar. A classificação de DRC contempla estágios com TFG maior que 60 mL/min na ideia de identificar pacientes com dano renal inicial e implementar medidas precocemente.

Além da TFGe reduzida, outras alterações pode caracterizar DRC como albuminúria, proteinúria e hematúria persistentes, distúrbios hidroeletrolíticos (especialmente em tubulopatias) e alterações renais radiológicas ou histopatológicas [1].

Qual é o papel dos antagonistas mineralocorticoides?

Os mineralocorticoides fazem parte do grupo dos hormônios esteroides, juntamente com glicocorticoides e hormônios sexuais. Cada hormônio esteroide tem afinidade maior por seu próprio receptor, porém ainda assim podem ligar-se a outros receptores esteroidais [2].

A espironolactona, um antagonista mineralocorticoide (AM), foi desenvolvida na década de 60 a partir da progesterona, na tentativa de explorar o efeito diurético dos mineralocorticoides. Nos anos seguintes, ensaios clínicos demonstraram a utilidade da droga em alguns cenários:

  • Redução de mortalidade em insuficiência cardíaca (IC) de fração de ejeção reduzida (estudo RALES) [3]
  • Redução de hospitalização em IC de fração de ejeção preservada (estudo TOPCAT) [4]
  • Hipertensão arterial resistente [5]
  • Hiperaldosteronismo primário [6]
  • Ascite em cirrose hepática [7]
  • Acne vulgar [8, 9] - veja mais no tópico Tratamento de Acne e Uso de Espironolactona
  • Alopécia androgenética feminina [10]
  • Sinais e sintomas de hiperandrogenismo indesejados (geralmente em mulheres ou pessoas transsexuais) [11, 12].
Tabela 1
Antagonistas mineralocorticoides
Antagonistas mineralocorticoides

Alguns efeitos adversos dos AM ficaram evidentes desde os primeiros estudos, como hipercalemia e ações antiandrogênicas - ginecomastia dolorosa, disfunção erétil e redução de libido. Para diminuir os efeitos adversos, foram desenvolvidos outros AM (tabela 1). Hoje, essa classe pode ser dividida em dois subgrupos [2]:

  • AM esteroidais: representados por espironolactona (Aldactone®) e eplerenona (Inspra®).
  • AM não-esteroidais: representados por finerenona (Firialta®) e esaxerenona (indisponível no Brasil)

A eplerenona é um AM esteroidal de segunda geração. Sua ligação com o receptor é menos potente e mais seletiva em comparação com a espironolactona, resultando em ações anti-hipertensiva e antiandrogênica menores [2]. Os ensaios clínicos EPHESUS e EMPHASIS demonstraram que a eplerenona também é capaz de melhorar desfechos em IC de fração de ejeção reduzida [13, 14]. A principal aplicação dessa droga é como alternativa à espironolactona em pacientes com efeitos antiandrogênicos limitantes [2].

Estudos pré-clínicos sinalizaram que a ativação dos receptores mineralocorticoides pode aumentar a inflamação e a fibrose teciduais, inclusive nos rins [15]. Seguindo esses achados, foram conduzidos estudos avaliando o impacto dos AM em reduzir desfechos renais. As pesquisas mostraram que os AM são capazes de reduzir proteinúria e pressão arterial, mas o uso na DRC era limitado por hipercalemia frequente e diminuição da TFGe. Isso desestimulou a realização de ensaios clínicos avaliando o papel de espironolactona e eplerenona da DRC [16]. O interesse no estudo da finerenona surge nesse contexto, por ser um AM mais seletivo, com menor potencial de hipercalemia.

O que é, para quê e como usar a finerenona?

Os principais estudos que avaliaram a finerenona foram o FIDELIO-DKD, FIGARO-DKD e FIDELITY [16-18]. Os três trabalhos avaliaram uma população de pacientes com diabetes tipo 2 e DRC. A tabela 2 apresenta os achados mais relevantes desses estudos.

Tabela 2
Estudos sobre o uso da finerenona
Estudos sobre o uso da finerenona

Os estudos indicam que a finerenona possui efetividade em retardar a progressão da disfunção renal em pacientes com diabetes tipo 2. Porém os resultados parecem ser modestos e o benefício cardiovascular é mais questionável. Por isso, a finerenona deve ser considerada como uma terapia adjuvante. Essa indicação já é endossada pelas diretrizes da American Diabetes Association de 2024 e do KDIGO de 2022 [19, 20].

Os pacientes com indicação de finerenona devem preencher todos os critérios abaixo [20]:

  • Diabetes mellitus tipo 2
  • Doença renal crônica com albuminúria
  • TFGe > 25 mL/min/1.73 m²
  • Potássio < 4,8 mmol/L
  • Em uso de doses otimizadas de inibidor da ECA (iECA)/bloqueador do receptor de angiotensina (BRA) e inibidor da SGLT2 (iSGLT2)

Os principais efeitos adversos que devem ser monitorados são hipercalemia, hiponatremia e hipotensão.

Tabela 3
Dose inicial da finerenona
Dose inicial da finerenona

A finerenona está disponível no Brasil em comprimidos de 10 ou 20 mg, custando em fevereiro de 2024 cerca de R$180 a R$200 por mês (veja a dosagem e ajustes na tabela 3 e tabela 4).

Tabela 4
Ajustes posológicos da finerenona
Ajustes posológicos da finerenona

Há ensaios clínicos em andamento para analisar outras aplicações da finerenona, como na retinopatia diabética, na associação ao iSGLT2, em DRC não-diabética e na insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida.

Manejo Não Hormonal de Sintomas Vasomotores do Climatério e Fezolinetanto

Criado em: 04 de Março de 2024 Autor: Marcela Belleza

Os sintomas vasomotores são comuns no climatério e impactam a qualidade de vida das mulheres. A terapia com reposição hormonal é a mais eficaz para o tratamento, mas os riscos e contraindicações podem limitar o uso. O fezolinetanto é um novo medicamento não hormonal que foi aprovado em 2023 para uso nos Estados Unidos, após a publicação de dois estudos de fase 3 [1, 2]. Este tópico aborda o tratamento não hormonal desse quadro e traz os resultados dos estudos da nova droga.

Como e quando tratar sintomas vasomotores do climatério?

Sintomas vasomotores (SVM) acontecem em 50 a 80% das mulheres na transição menopausal [3, 4]. As principais queixas são de ondas de calor e sudorese noturna.

Os SVM ocorrem por uma alteração da inervação das áreas hipotalâmicas responsáveis pela termorregulação. A queda dos níveis de estrogênio durante a transição menopausal aumenta a quantidade de receptores da neurocinina 3 nesta região. Desse modo, pequenas variações da temperatura corporal já deflagram mecanismos de dissipação do calor e os SVM característicos [5].

Os SVM podem impactar negativamente na qualidade de vida da mulher. Medidas comportamentais, como uso de roupas respiráveis e controle da temperatura ambiente são suficientes para aliviar a maior parte do desconforto [5]. Casos muito sintomáticos devem ser tratados com terapia específica. A reposição hormonal é a alternativa mais eficaz para o controle do quadro.

A reposição de estrogênios (via oral ou transdérmica) é a terapia mais eficaz para reduzir os sintomas vasomotores. Contudo, está associada a riscos relevantes e contraindicações comuns (ver subtópico seguinte). A reposição de estrogênios deve ser associada a reposição de progestagênio em pacientes com útero, para prevenção de hiperplasia e desenvolvimento de câncer de endométrio [6].

Riscos da terapia hormonal

Um dos maiores estudos sobre terapia hormonal em pacientes na perimenopausa foi conduzido pela Women's Health Initiative. Esse grupo de pesquisadores avaliou intervenções dietéticas e farmacológicas em mulheres na transição menopausal e impactos nas principais causas de morbimortalidade (como doença cardiovascular, incidência de câncer e fraturas por fragilidade) [7].

A intervenção com terapia hormonal combinada (estrogênio conjugado associado a medroxiprogesterona em mulheres com útero) foi interrompida precocemente, após dados de aumento do risco de câncer de mama [8]. O estudo com terapia estrogênica isolada (em mulheres histerectomizadas) também foi interrompido precocemente, pela tendência ao aumento do risco de AVC e eventos tromboembólicos desta intervenção [9]. Os achados contribuíram para um melhor entendimento da terapia hormonal neste grupo, enfatizando a necessidade de uma avaliação cuidadosa do risco-benefício.

As contraindicações absolutas à terapia hormonal estão descritas na tabela 1. O risco cardiovascular e o de câncer de mama também devem ser avaliados antes da prescrição de terapia hormonal.

Tabela 1
Contraindicações absolutas à terapia hormonal estrogênica
Contraindicações absolutas à terapia hormonal estrogênica

A diretriz da Endocrine Society recomenda preferir a reposição transdérmica em mulheres com moderado risco cardiovascular [10]. Já em mulheres com alto risco cardiovascular ou alto risco de câncer de mama, as terapias não hormonais devem ser a primeira escolha. Uma calculadora do risco de câncer de mama pode ajudar a guiar a decisão terapêutica. Um risco de câncer de mama em 5 anos de 5% ou mais é considerado alto. Para uma discussão sobre risco cardiovascular, veja o tópico Semaglutida para Prevenção Cardiovascular Secundária.

Os riscos e as contraindicações à terapia hormonal motivaram a pesquisa de alternativas terapêuticas não hormonais.

Terapias não hormonais disponíveis

Medicamentos não hormonais são uma alternativa para as mulheres com contraindicações ou que recusam o uso da terapia hormonal.

Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina e antidepressivos duais (que atuam sobre serotonina e norepinefrina) possuem boa evidência para o controle dos SVM. Paroxetina e venlafaxina são representantes dessas classes, respectivamente, e podem reduzir a frequência dos SVM em 40% a 65%. A resposta para SVM é rápida, ocorrendo ainda nas primeiras duas semanas de uso [6, 11].

Tabela 2
Opções não hormonais para tratamento de sintomas vasomotores
Opções não hormonais para tratamento de sintomas vasomotores

Opções menos efetivas incluem clonidina e gabapentina. A tabela 2 resume as possibilidades não hormonais.

O que é o fezolinetanto?

O fezolinetanto foi desenvolvido para agir no mecanismo fisiopatológico dos SVM. É um antagonista dos receptores de neurocinina, não tendo ação sobre o eixo hormonal. Dois estudos publicados em 2023 avaliaram eficácia e segurança do medicamento [1, 2].

Os estudos SKYLIGHT 1 e 2 tiveram o mesmo desenho. Foram estudadas amostras de mulheres entre 40 e 65 anos com histórico de pelo menos sete episódios diários de SVM moderados a intensos. Os grupos foram randomizados entre placebo, fezolinetanto 30 mg ao dia ou fezolinetanto 45 mg ao dia.

Houve redução significativa da frequência e gravidade dos SVM com uso de fezolinetanto na 4ª e 12ª semanas de avaliação, com ambas as doses estudadas, em comparação ao placebo. Após esse período, as mulheres foram acompanhadas por 40 semanas adicionais. As pacientes do grupo intervenção mantiveram a dose em uso, mas as participantes do grupo placebo foram randomizadas para fezolinetanto 30 ou 45 mg. Houve manutenção do benefício de controle de SVM na análise em 52 semanas.

Os principais eventos adversos observados foram leves, como cefaleia, dor abdominal e artralgia. Havia preocupação quanto ao aumento de transaminases com o uso de fezolinetanto, demonstrada em estudo anterior [12]. Nos estudos SKYLIGHT 1 e 2, a incidência de alteração laboratorial foi pequena e transitória.

O fezolinetanto é uma opção promissora para o controle de SVM, especialmente em mulheres com contraindicação ou recusa ao uso de terapias hormonais. Em maio de 2023 houve liberação da Food and Drug Administration para o uso nos Estados Unidos. Novos medicamentos que atuam sobre os receptores de neurocinina também estão em estudo, como o elinzanetanto [13].