Anfotericina B
Anfotericina B é um antifúngico amplamente utilizado. A medicação está associada a muitos efeitos adversos, principalmente nefrotoxicidade. Este tópico discute os usos da anfotericina B, os efeitos adversos e as estratégias para diminuí-los.
Uso da anfotericina B
A anfotericina B é um antifúngico da classe dos polienos. É considerado de amplo espectro, com ação contra leveduras, fungos filamentosos e fungos dimórficos e também contra protozoários como Leishmania. Está disponível em três apresentações principais: desoxicolato, complexo lipídico e lipossomal. O uso de anfotericina B inalatória, intra-vesical e intra-tecal não serão abordados neste tópico.
A anfotericina B é o tratamento de escolha para criptococose (forma neurológica, disseminada ou pulmonar grave), histoplasmose moderada a grave, paracoccidioidomicose grave ou disseminada, mucormicose e leishmaniose visceral [1-5]. Também é uma alternativa para o tratamento de candídiase e aspergilose invasivas. Apesar de ter ação ampla, alguns agentes podem ter resistência a anfotericina B, como Aspergillus terreus e algumas cepas de Candida auris.
Os principais efeitos adversos são as reações infusionais, a nefrotoxicidade e os distúrbios hidroeletrolíticos. Mielo e cardiotoxicidade também podem ocorrer, já hepatotoxicidade é incomum. As apresentações complexo lipídico e lipossomal (formulações lipídicas) estão associadas a menor taxa de efeitos adversos [6, 7].
Efeitos adversos e medidas preventivas
As principais reações infusionais (RI) são calafrios, vômitos, cefaleia, febre e tromboflebite. Elas podem ocorrer em 15% a 75% dos pacientes, sendo mais comuns nas primeiras doses [8, 9].
Duas estratégias são recomendadas para diminuir as RI: aumentar o tempo de infusão e administrar pré-medicamentos. Tempos de infusão de 2 a 4 horas são recomendados, apesar de alguns estudos não terem encontrado diferença de RIs com o aumento do tempo de infusão [10]. A infusão de corticoides, anti-alérgicos, paracetamol e ibuprofeno antes da anfotericina B pode prevenir as RIs. Uma estratégia possível é a administração de hidrocortisona 50 a 100 mg e difenidramina 25 a 50 mg, 15 a 30 minutos antes da infusão.
A nefrotoxicidade é um efeito adverso comum e grave da anfotericina B. As manifestações principais são lesão renal aguda, os distúrbios hidroeletrolíticos e a acidose tubular tipo 1 (distal). Em um estudo com 494 pacientes, 28% apresentaram aumento de pelo menos 50% da creatinina e 12% dobraram a creatinina. Foi observado aumento de toxicidade com doses maiores e com maior tempo de uso, assim como em pacientes com fatores de risco como doença renal crônica e o uso simultâneo de outras drogas nefrotóxicas [11]. A infusão de um litro de SF 0,9% (tabela 1) uma hora antes da anfotericina B diminuiu a variação de creatinina durante o tratamento de leishmaniose mucocutânea em um estudo com 20 pacientes [12]. Estudos retrospectivos demonstraram resultados positivos com estratégias semelhantes [13].
Distúrbios hidroeletrolíticos são comuns com o uso de anfotericina B. Hipocalemia foi descrito em 40 a 90% dos pacientes e hipomagnesemia em 40 a 80% dos pacientes [13-15]. A reposição de potássio pré infusão pode ser considerada em pacientes sem alterações de função renal [13, 16].
As recomendações para prevenção de efeitos adversos por anfotericina B estão reunidas na tabela 1.
Novos estudos sobre anfotericina B
Dois estudos recentes avaliaram anfotericina B lipossomal em dose única para tratamento de neurocriptococose e histoplasmose. No estudo AMBITION, publicado em 2022 no New England Journal of Medicine, a anfotericina B lipossomal dose única associada a fluconazol e 5-flucitosina por 14 dias foi comparada com anfotericina B desoxicolato e 5-flucitosina por 7 dias seguido de fluconazol por 7 dias - este último esquema é o recomendado pela OMS [17]. O esquema de dose única foi não-inferior e a taxa de efeitos adversos foi menor do que o esquema recomendado pela OMS. Contudo, a mortalidade foi elevada (próxima de 30%) e o estudo foi realizado em cinco países em desenvolvimento da África Subsariana, o que gera dúvida se esses dados poderiam ser extrapolados para outras populações. Outra crítica é o grupo controle ser com anfotericina B desoxicolato, ao invés de formulações lipídicas que são menos tóxicas.
Um estudo de não inferioridade de fase II, publicado em 2023 no Clinical Infectious Diseases, comparou diferentes doses de anfotericina B lipossomal para histoplasmose disseminada [18]. Foram comparados três tratamentos diferentes: 1) anfotericina B lipossomal dose única seguida de itraconazol, 2) anfotericina B lipossomal no primeiro dia e outra dose no terceiro dia e 3) 14 dias de anfotericina B lipossomal. O esquema com anfotericina B dose única e itraconazol foi não-inferior aos outros esquemas. Um estudo de fase III é necessário para confirmar os achados.
Está sendo pesquisada uma formulação oral da anfotericina B [19]. Estudos iniciais demonstraram efeito fungicida contra Cryptococcus semelhante à anfotericina B endovenosa, mas com menos efeitos adversos.