Diretriz de Trombose Venosa Cerebral da AHA/ASA de 2024

Criado em: 11 de Março de 2024 Autor: João Urbano

A trombose venosa cerebral (TVC) corresponde a até 3% de todos os acidentes vasculares cerebrais. O limiar de suspeição deve ser baixo, já que é uma doença grave e tratável. Esse tópico revisa o tema e traz as novidades da diretriz de 2024 de TVC publicada pela American Stroke Association (AHA/ASA) [1].

Manifestações clínicas e diagnóstico de TVC

A TVC é uma forma rara de acidente vascular cerebral que ocorre por trombose dos seios venosos e/ou das veias corticais. Os locais mais acometidos são o seio sagital superior e o seio transverso (figura 1). As mulheres representam 2/3 dos casos e os principais fatores predisponentes estão listados na tabela 1.

Fluxograma 1
Fluxograma de abordagem de trombose venosa profunda (TVC)
Fluxograma de abordagem de trombose venosa profunda (TVC)
Tabela 2
Grupos que não devem ser tratados preferencialmente com anticoagulantes orais diretos
Grupos que não devem ser tratados preferencialmente com anticoagulantes orais diretos

A apresentação clínica é caracterizada pelas três síndromes abaixo:

  • Hipertensão intracraniana: a cefaleia é o sintoma mais comum, presente em cerca de 90% dos casos. Outros sintomas de hipertensão intracraniana são perdas visuais transitórias, papiledema, rebaixamento do nível de consciência e diplopia por paralisia do nervo abducente.
  • Crises epilépticas: a TVC é o evento cerebrovascular mais relacionado a crises epilépticas, com até 40% dos pacientes com crises à admissão hospitalar. As crises podem ser focais ou tônico-clônicas bilaterais. Aproximadamente 10% dos pacientes permanecem com epilepsia após a fase aguda, com necessidade de tratamento de manutenção com fármacos anticrise.
  • Sinais neurológicos focais: os sinais neurológicos focais estão presentes em até 50% dos pacientes e são relacionados à localização da TVC e aos infartos venosos associados. As regiões dos infartos por aumento da pressão venosa são diferentes dos territórios irrigados por artérias. Deve-se suspeitar de TVC na presença de lesões que não respeitam os territórios arteriais.

O diagnóstico de TVC é baseado em exames de imagem. O primeiro passo é analisar as imagens sem contraste. A diretriz de 2024 traz um novo dado de sensibilidade de 79% e especificidade de 90% da tomografia sem contraste. Alguns sinais sugestivos do diagnóstico de TVC estão na figura 2.

Figura 3
Sinais sugestivos de trombose venosa central (TVC) na tomografia com contraste
Sinais sugestivos de trombose venosa central (TVC) na tomografia com contraste

Apesar dos achados da TC sem contraste serem sugestivos, o diagnóstico é confirmado com métodos de visualização direta do sistema venoso. O mais acessível é a angiotomografia venosa intracraniana, em que observa-se principalmente falhas de enchimento. O achado mais conhecido é o sinal do delta vazio, correspondendo à falha de enchimento do seio sagital superior (veja figura 3).

Figura 2
Sinais sugestivos de trombose venosa central (TVC) na tomografia sem contraste
Sinais sugestivos de trombose venosa central (TVC) na tomografia sem contraste

A ressonância magnética, angiorressonância magnética venosa e a angiografia de subtração digital também são métodos utilizados para o diagnóstico, porém menos acessíveis.

Tratamento de TVC

O paciente com TVC deve ser internado para investigação laboratorial e início de tratamento. A base do tratamento é a anticoagulação, com objetivo de impedir extensão do trombo e facilitar a recanalização do seio venoso acometido.

A diretriz recomenda anticoagulação parenteral com heparina, preferencialmente enoxaparina. Em seguida, realiza-se a transição para anticoagulação oral com varfarina ou anticoagulante oral direto (DOAC) entre 5 e 15 dias após o início do tratamento. Dentre os DOAC, os mais estudados são a dabigatrana e a rivaroxabana. Alguns grupos de pacientes não foram representados nos estudos de DOAC e ainda devem ser tratados preferencialmente com outros anticoagulantes, conforme a tabela abaixo (tabela 2).

Tabela 2
Grupos que não devem ser tratados preferencialmente com anticoagulantes orais diretos
Grupos que não devem ser tratados preferencialmente com anticoagulantes orais diretos

A presença de sangramento intracraniano por transformação hemorrágica de um infarto venoso é um achado comum e não contraindica o início de anticoagulação.

A anticoagulação deve ser mantida por 3 a 12 meses em casos de fatores predisponentes transitórios como trauma, terapias hormonais ou infecções. Em casos de fatores predisponentes persistentes, como as trombofilias genéticas, a anticoagulação deve ser mantida por tempo indeterminado. Veja mais no tópico sobre investigação de trombofilias.

O risco de recorrência de TVC é baixo e os estudos de prevenção secundária de trombose venosa não tiveram representatividade de pacientes com TVC.

Há indicação de tratamento intervencionista?

O tratamento endovascular pode ser realizado com trombólise intra-seio, trombectomia ou aspiração direta de trombo. A intervenção é uma medida de resgate para situações críticas de progressão e piora sintomática apesar do tratamento ou quando há contraindicação à anticoagulação. Estudos como o TO-ACT avaliaram a trombólise intra-seio, demonstrando não haver benefício em comparação à anticoagulação padrão [2].

Os pacientes com infartos venosos extensos com efeito de massa, desvio de linha média e herniação, são candidatos a craniectomia descompressiva. Não há estudos randomizados sobre o assunto. Em uma revisão sistemática com 483 pacientes, a cirurgia dentro de 48 horas da admissão sugeriu diminuição de mortalidade [3].

Quais as novidades da diretriz de 2024 de TVC?

A principal novidade da diretriz foi a incorporação dos estudos que validaram o uso dos DOAC no tratamento da TVC. Os maiores estudos foram o RE-SPECT CVT e o SECRET [4, 5]. Esses estudos utilizaram dabigatrana e rivaroxabana em comparação com a varfarina para tratamento de TVC.

Houve também incorporação dos dados do ACTION-CVT, um grande estudo retrospectivo multicêntrico sobre o mesmo assunto [6]. Esses estudos demonstraram não haver maiores taxas de recorrência de trombose venosa ou sangramento nos pacientes tratados com DOAC, conferindo então a segurança necessária para a recomendação da diretriz.

Fluxograma 1
Fluxograma de abordagem de trombose venosa profunda (TVC)
Fluxograma de abordagem de trombose venosa profunda (TVC)

Um fluxograma com abordagem do paciente com TVC pode ser visto no fluxograma 1.

Consenso de Intoxicação por Paracetamol

Criado em: 11 de Março de 2024 Autor: Luisa Sousa

O paracetamol é um analgésico e antitérmico comum e seguro em doses terapêuticas habituais. As doses supra terapêuticas podem causar lesão hepática grave, sendo uma importante causa de insuficiência hepática aguda. Em agosto de 2023, o Journal of the American Medical Association (JAMA) publicou o consenso americano e canadense para manejo dessa intoxicação. Este tópico revisa o tema e traz as principais informações deste consenso [1].

Características da intoxicação por paracetamol

No Brasil, o paracetamol representa cerca de 3% dos casos de intoxicações [2]. Nas intoxicações por paracetamol que levaram à morte, a causa mais comum é tentativa de suicídio [3].

A lesão hepática causada pelo paracetamol depende da dose ingerida. A dose máxima de 4 g/dia em adultos é considerada segura. A toxicidade costuma ocorrer com doses acima de 7,5 a 10 g/dia [4]. A overdose pode se manifestar com alteração de transaminases isoladamente, ou alterações clínicas graves, como a insuficiência hepática aguda. O uso de medicamentos indutores da enzima citocromo CYP2E1 como isoniazida, rifampicina e anticonvulsivantes pode precipitar intoxicação [4, 5].

A hepatotoxicidade causada pelo paracetamol é definida pela elevação das enzimas aspartato transaminase (AST) e alanina (ALT) acima de 1.000 U/L. Essa elevação pode ocorrer até 24 horas após a ingestão, com pico máximo entre o 3° e 4° dia [4].

A intoxicação por paracetamol pode ser classificada cronologicamente em três estágios [6]. Os sintomas iniciais (estágio I) são inespecíficos. O paciente pode ter náuseas, vômitos, fadiga e mal estar. As transaminases geralmente estão normais. Entre 24 a 72 horas da ingestão (estágio II) os sintomas podem melhorar, mas a elevação de AST e ALT começa a ocorrer. No estágio III, o paciente piora clinicamente, com surgimento de icterícia e encefalopatia. A lesão hepática se agrava e as transaminases podem passar de 10.000 UI/L. Outros sinais de disfunção hepática como a coagulopatia e a acidose láctica podem ocorrer. Essa é a fase de maior gravidade e maior mortalidade.

A maioria dos pacientes com intoxicação se recupera, principalmente com o uso do antídoto acetilcisteína, que reduziu a mortalidade para menos de 1% dos casos. Hepatite crônica não é relatada como complicação da intoxicação por paracetamol [6].

Avaliação diagnóstica da intoxicação por paracetamol

Deve-se tentar estabelecer a dose ingerida, o tempo da exposição e se há uso crônico ou agudo. A ingestão concomitante de outras substâncias é comum e deve ser investigada. Para saber mais sobre o manejo de intoxicações exógenas, veja esse caso clínico.

A lesão hepática deve ser pesquisada com a dosagem das transaminases. A disfunção hepática é avaliada pelos níveis de bilirrubina, amônia e com o coagulograma. Dosagem de ureia, creatinina, eletrólitos, gasometria venosa e lactato sérico também fazem parte da avaliação inicial. A acidose lática é um marcador de gravidade.

A dosagem sérica do paracetamol deve ser realizada para orientar o tratamento, em especial nos pacientes comatosos [6]. Ao saber que a ingestão aguda ocorreu nas últimas 24 horas, utiliza-se o nomograma de Rumack-Matthew (figura 1) para guiar o tratamento. A ferramenta é utilizada com a concentração sérica de paracetamol entre 4 e 24 horas da ingestão. O nomograma determina a probabilidade de toxicidade e necessidade de tratamento [7, 8].

Figura 1
Normograma de Rumack-Matthew revisado para ingestão aguda de paracetamol
Normograma de Rumack-Matthew revisado para ingestão aguda de paracetamol

A toxicidade é maior com concentração de paracetamol às 4 horas de 200 μg/mL. Nos casos de uso frequente da medicação o nomograma não é aplicável, mas a acetilcisteína deve ser administrada se níveis de paracetamol > 20 μg/mL [7].

Manejo da intoxicação pelo paracetamol

O pilar terapêutico da intoxicação pelo paracetamol é o uso da acetilcisteína. A indicação é baseada no tempo e dose de ingestão. A acetilcisteína deve ser usada nas cinco situações a seguir [1, 9]:

  • Ingestão há menos de 24 horas preenchendo critérios de acordo com o nomograma de Rumack-Matthew;
  • Ingestão superior a 30 g de paracetamol;
  • Concentração sérica de paracetamol desconhecida, ou com previsão de demora do resultado em mais de 8 horas;
  • História clínica pouco confiável, em pacientes com concentração sérica de paracetamol > 10 μg/mL ou com aumento de transaminases;
  • Manifestações graves secundárias à disfunção hepática: encefalopatia hepática, coagulopatia, acidose láctica.

Quando o paracetamol é ingerido com outras medicações que retardam sua absorção, como opioides ou anticolinérgicos, recomenda-se não realizar acetilcisteína se a concentração sérica for < 10 μg/mL na medida de 4 a 24 horas da ingestão. Caso a concentração esteja acima de 10 μg/mL, mas abaixo da linha de tratamento do nomograma, a concentração sérica deve ser dosada 4 a 6 horas após a primeira avaliação para determinar a indicação da acetilcisteína [1].

A acetilcisteína pode ser administrada por via oral ou intravenosa. O consenso recomenda administração de pelo menos 300 mg/kg nas primeiras 20 a 24 horas de tratamento [1].

A administração oral tem como desvantagem a impossibilidade de uso nos pacientes com náuseas, vômitos ou alteração do nível de consciência. O sabor desagradável pode ser outro limitante. Quando bem tolerada, pode ser repetida a cada 4 horas [7]. A apresentação em sachê está disponível com 100, 200 ou 600 mg de acetilcisteína em cada envelope de 5 gramas. São necessários vários sachês para atingir a dose recomendada. Para a administração intravenosa, a ampola com concentração de 100 mg/mL pode ser diluída em soro fisiológico ou soro glicosado. Os regimes de administração de acetilcisteína intravenosa estão descritos na tabela 1.

Tabela 1
Regimes de administração da acetilcisteína intravenosa
Regimes de administração da acetilcisteína intravenosa

Não existe diferença de eficácia entre os regimes. O consenso recomenda que a duração do tratamento seja determinada por critérios clínicos e laboratoriais. A administração de acetilcisteína pode ser interrompida quando [1]:

  • O paciente estiver clinicamente bem
  • ALT e AST normalizadas ou com redução de 25 a 50% do nível máximo alcançado
  • INR < 2,0
  • Concentração sérica de paracetamol < 10 μg/mL.

Os efeitos adversos mais comuns com o uso de acetilcisteína são taquicardia, exantema, náuseas, vômitos e hipotensão [4].

Em pacientes com ingestão há menos de 4 horas, pode ser realizado o carvão ativado em dose única de 1 g/kg, com dose máxima de 50 g. Uma vantagem dessa administração é a redução da dose necessária de acetilcisteína. O carvão não deve ser realizado em pacientes com rebaixamento do nível de consciência sem possibilidade de uso da via oral. Em casos de ingestão de alto risco do paracetamol ou apresentação de liberação prolongada, o carvão ativado tem ação mesmo após 4 horas pela absorção retardada com a alta dose [9, 10]

O fluxograma 1 resume as principais indicações de uso de acetilcisteína na intoxicação aguda por paracetamol.

Fluxograma 1
Manejo na intoxicação aguda por paracetamol
Manejo na intoxicação aguda por paracetamol

Na ingestão supraterapêutica repetida - ingestão repetida acima de 24 horas -, o nomograma não pode ser utilizado. Nessa situação, as indicações da acetilcisteína são a concentração de paracetamol ≥ 20 μg/mL ou elevação de transaminases [1].

Quando considerar o transplante hepático?

Pacientes com níveis séricos de paracetamol acima de 900 μg/mL, com acidose ou insuficiência hepática fulminante devem receber acetilcisteína intravenosa e realizar terapia extracorpórea - hemodiálise. Nesses pacientes e naqueles que estão progredindo para a maior gravidade (elevação progressiva das transaminases, coagulopatia e alteração do nível de consciência) é necessária avaliação para transplante hepático.

A insuficiência hepática fulminante pelo paracetamol é caracterizada pelos critérios do King’s College modificados [11]:

  • Encefalopatia grau III ou IV de West Haven associada a coagulopatia (tempo de protrombina acima de 100 segundos) e disfunção renal (creatinina superior a 3,4 mg/dL)
  • Acidose com pH arterial < 7,3
  • Lactato arterial > 3,5 mmol/L após reposição volêmica precoce
  • Lactato arterial > 3,0 mmol/L após ressuscitação volêmica com restauração da perfusão tecidual.
Tabela 2
Classificação de West Haven para encefalopatia hepática
Classificação de West Haven para encefalopatia hepática

O nível de transaminases não tem um bom valor prognóstico, por isso não está no critério. A presença de um desses critérios relaciona-se a uma alta probabilidade de morte, com sensibilidade de 95%, indicando necessidade de transplante hepático [12, 13].

Fenômeno de Raynaud - Tratamento e Inibidores da Fosfodiesterase 5

Criado em: 11 de Março de 2024 Autor: Ingrid Fröehner

Em 2023, a Cochrane atualizou os dados de eficácia dos inibidores da fosfodiesterase 5 para o tratamento do fenômeno de Raynaud. Este tópico revisa o tema e traz as atualizações desta meta-análise [1].

O que é o fenômeno de Raynaud?

O fenômeno de Raynaud (FR) é o vasoespasmo nas artérias e arteríolas das extremidades, causando palidez e pelo menos outra alteração de coloração da pele durante a reperfusão, como cianose ou rubor. Além da mudança de coloração das extremidades, o FR pode ocasionar úlceras digitais e isquemia crítica. A exposição ao frio e estresses emocionais são os principais gatilhos. O mecanismo é pouco compreendido e a hipótese mais aceita é um desbalanço entre substâncias vasoconstritoras e vasodilatadoras, com predominância de vasoconstritores.

O FR primário também é chamado de doença de Raynaud e é idiopático, ocorrendo na ausência de doenças de base. O FR secundário também é chamado de síndrome de Raynaud e ocorre em consequência de doenças que afetam os vasos, como esclerose sistêmica e lúpus eritematoso sistêmico. A tabela 1 mostra as principais comorbidades associadas.

Tabela 1
Causas secundárias do fenômeno de Raynaud
Causas secundárias do fenômeno de Raynaud

A prevalência do FR varia geograficamente, sendo estimada em 3-5% da população. A maioria dos casos é de FR primário. O FR secundário representa 10-20% dos casos [2].

A diferenciação entre FR primário e secundário é importante, pois existem diferenças clínicas, prognósticas e de complicações associadas. O FR primário geralmente se apresenta com quadro leve e em pacientes jovens - média de idade de 14 anos. Os pacientes com FR secundário tem sintomas mais intensos e associados a complicações como úlceras e perda tecidual, além de média de idade de apresentação acima de 40 anos.

Várias doenças se associam ao FR secundário, mas a mais associada é a esclerose sistêmica. Esclerodactilia, telangiectasia, calcinose cutânea e isquemia digital são manifestações típicas de esclerose sistêmica, mas podem estar ausentes em fases iniciais. A criação do termo VEDOSS (Very Early Diagnosis of SSc), caracterizado por fenômeno de Raynaud, dactilite, FAN positivo e capilaroscopia positiva, tem o objetivo de aumentar o grau de suspeição da doença e reduzir o tempo para diagnóstico [3].

Diagnóstico do fenômeno de Raynaud e principais diagnósticos diferenciais

A abordagem diagnóstica tem duas etapas:

  • Diagnóstico do FR, com atenção aos principais diagnósticos diferenciais
  • Investigação de possível doença associada, buscando um FR secundário
Fluxograma 1
Diagnóstico do fenômeno de Raynaud
Diagnóstico do fenômeno de Raynaud

O diagnóstico se baseia em critérios clínicos conforme o fluxograma 1. Os principais diagnósticos diferenciais de FR são acrocianose, livedo e geladura e a tabela 2 traz os principais pontos de diferenciação entre estes diagnósticos.

Tabela 2
Fenômeno de Raynaud e os principais diagnósticos diferenciais
Fenômeno de Raynaud e os principais diagnósticos diferenciais

Outras condições, como a compressão arterial distal ou subclávia (síndrome do desfiladeiro torácico) podem simular FR. Essas condições são avaliadas pela manobra de Allen e Adson, respectivamente.

Uma vez afastados os diagnósticos diferenciais e firmado o diagnóstico de FR, a diferenciação entre primário e secundário envolve exames como capilaroscopia, FAN e provas inflamatórias. A anamnese e o exame físico devem procurar sinais e sintomas sugestivos de causas secundárias. A tabela 1 agrega os achados das principais causas secundárias. O FR primário é caracterizado quando o paciente preenche critérios diagnósticos de FR com investigação negativa para causas secundárias, conforme tabela 3.

Tabela 3
Critérios para fenômeno de Raynaud primário
Critérios para fenômeno de Raynaud primário

Tratamento de fenômeno de Raynaud

Para todos os pacientes com FR, o tratamento envolve medidas comportamentais para evitar os gatilhos, como a proteção térmica. A terapia farmacológica é indicada para casos refratários e para FR secundário.

As principais opções medicamentosas são drogas que inibem a vasoconstrição, como bloqueadores do canal de cálcio (BCC), iECA e inibidores da recaptação de serotonina; e as que aumentam a vasodilatação, como prostaglandinas e inibidores da fosfodiesterase 5 (PDE5).

Fluxograma 2
Manejo do fenômeno de Raynaud
Manejo do fenômeno de Raynaud

O tratamento farmacológico de primeira linha são os BCC, sobretudo o nifedipino. As formulações de liberação prolongada são preferíveis e os efeitos adversos, como cefaléia e tontura, costumam desaparecer após algumas semanas. O fluxograma 2 expõe os passos para tratamento do FR.

O que a revisão da Cochrane sobre inibidores da PDE5 acrescentou no tratamento?

Em 2017, a Cochrane revisou a eficácia dos BCC em relação ao placebo no tratamento do FR (primário e secundário). Os resultados mostraram redução tanto em frequência quanto na duração dos episódios, conforme a tabela 4.

Tabela 4
Meta-análises de terapias para fenômeno de Raynaud
Meta-análises de terapias para fenômeno de Raynaud

Em 2023, a Cochrane realizou uma nova revisão e meta-análise sobre o uso de inibidores da PDE5 no tratamento do FR, atualizando os dados de eficácia da droga. Neste estudo foram incluídos nove ensaios clínicos comparando inibidores da PDE5 com placebo em relação à frequência, duração, intensidade dos episódios e efeitos adversos. A maioria dos pacientes (88%) apresentavam Raynaud secundário, sobretudo por esclerose sistêmica.

Os principais achados foram redução da frequência (menos 3,07 episódios por semana) e tempo (menos 5,31 minutos de duração do episódio), conforme a tabela 4. O uso de inibidores da PDE5 também melhorou a dor, a avaliação global dos pacientes e as úlceras digitais.

O principal efeito colateral foi cefaleia, com NNH de 6 (IC 95% 2-121). Outros efeitos colaterais menos frequentes foram mialgia e tontura.

Os achados confirmam o papel dos inibidores da PDE5 no tratamento de FR e detalham a magnitude do efeito desta classe. Os BCC permanecem como primeira linha de tratamento.