Atualizações no Manejo de Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo

Criado em: 18 de Março de 2024 Autor: Kaue Malpighi

A síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) é uma condição de alta mortalidade e o manejo consiste em suporte e prevenção da evolução de injúria pulmonar. Em janeiro de 2024, a American Thoracic Society (ATS) atualizou sua diretriz sobre manejo de SARA e resumimos as principais recomendações neste tópico [1].

Mecânica pulmonar e consequências de SDRA

Neste tópico, vamos falar sobre o manejo de SDRA. Para definições de SDRA veja também o tópico “Nova Definição de Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA)”.

Figura 1
“Baby lung” em paciente com síndrome de desconforto respiratório agudo
“Baby lung” em paciente com síndrome de desconforto respiratório agudo

A SDRA é uma consequência de dano alveolar difuso por inflamação. Este dano leva ao preenchimento dos alvéolos por conteúdo inflamatório, principalmente em áreas do pulmão mais próximas do solo - áreas gravitacionais dependentes, que sustentam o peso do pulmão que está mais distante do solo. O preenchimento alveolar progressivo deixa menos alvéolos passíveis de aeração, gerando um pulmão funcionalmente menor do que o estimado para o paciente. Para ilustrar esse processo, diz-se que o paciente adulto com SDRA acaba tendo um pulmão de bebê, um "Baby Lung" (veja figura 1). A ideia do baby lung embasa o manejo do paciente com SDRA.

Alguns parâmetros da mecânica respiratória orientam o manejo de SDRA (veja figura 2):

  • Complacência - quando aplicado a fisiologia pulmonar, esse termo significa a capacidade do pulmão expandir e acomodar mais ar. Um pulmão pouco complacente aumenta rapidamente a pressão à medida que mais ar entra, ou seja, é um pulmão duro, que não aceita muito ar. A SDRA causa redução da complacência pulmonar, já que apenas uma fração do pulmão (baby lung) terá que lidar com todo o volume de ar. A complacência é calculada dividindo o volume corrente pela driving pressure.
  • Driving pressure (ou pressão de distensão) - é a pressão gerada pela distensão dos alvéolos com um determinado volume corrente. É calculada subtraindo a pressão de platô pelo valor da PEEP (pressão expiratória final positiva).
  • Pressão de pl​​atô - é a pressão pulmonar aferida durante a realização de uma pausa inspiratória. Na pausa inspiratória, o fluxo de ar é zerado, e a pressão medida é uma consequência da complacência pulmonar. Se a complacência for baixa, a pressão de platô será alta.
Figura 2
Mecânica respiratória - Complacência, pressão de platô e driving pressure
Mecânica respiratória - Complacência, pressão de platô e driving pressure

O preenchimento alveolar e a redução do tamanho funcional do pulmão diminuem a complacência pulmonar. Quanto mais grave o processo inflamatório pulmonar, menor a complacência.

Recomendações fortes - Ventilação protetora e posição prona

Ventilação protetora

A estratégia de ventilação protetora foi estabelecida pelo estudo ARMA em 2000. A diretriz mantém essa medida como recomendação forte para todos os pacientes com SARA, independente da relação PaO2/FiO2 [2].

Levando em consideração um pulmão funcionalmente reduzido, a ventilação protetora utiliza baixos volumes de ar para gerar menos pressão no pulmão. O volume utilizado nessa estratégia é baseado no peso predito do paciente. A recomendação é de utilizar 6 mL/kg de peso predito, podendo variar de 4 a 8 mL/kg. O objetivo é manter uma pressão de platô menor ou igual a 30 cmH2O.

Uma consequência do uso de volumes menores é a hipercapnia. A elevação dos níveis de pCO2 pode ser tolerada até um pH de 7,2 (hipercapnia permissiva).

O estudo ARMA utilizou uma tabela de ajuste de PEEP para FiO2 com valores baixos (tabela 1). Recomenda-se o uso inicial de PEEP menores (entre 5 e 6 cmH2O) e titular posteriormente conforme a tabela, desde que mantenha-se a proteção pulmonar com a pressão de platô dentro da meta ao escalonar a PEEP.

Tabela 1
Tabelas de PEEP para FiO2
Tabelas de PEEP para FiO2

Atualmente há evidências de que manter a driving pressure abaixo de 15 cmH2O também pode reduzir mortalidade, principalmente em pacientes mais graves (relação PaO2/FiO2 < 150) [3].

Posição prona

A posição prona é recomendada em pacientes que mantêm uma relação PaO2/FiO2 < 150 com FiO2 ≥ 60% após 12 a 24 horas de estabilização com ventilação protetora.

O estudo PROSEVA mostrou benefício de mortalidade para a posição prona e teve uma média de 17 horas de prona por dia [4]. Há uma preferência por tempos mais prolongados de prona, principalmente mais que 16 horas [4]. Alguns pacientes podem não demonstrar sinais de resposta nas primeiras 6 horas, porém respondendo após esse período [5].

Parâmetros de proteção pulmonar (driving pressure e pressão de platô) devem ser monitorizados em conjunto de parâmetros de oxigenação durante a prona. Indicadores de resposta durante a posição prona são a melhora da oxigenação com parâmetros ventilatórios estáveis ou melhora da pressão de platô com um volume corrente estável.

No estudo PROSEVA, as sessões de prona eram interrompidas se:

  • Melhora persistente dos parâmetros durante posição supina (P/F ≥150 mmHg, FiO2 ≤60%, PEEP ≤10 cmH2O) OU
  • Piora de mais de 20% na relação pO2/FiO2 durante a prona OU
  • Complicações como instabilidade hemodinâmica ou outras que geram dano ao paciente.

Recomendações fracas - Bloqueio neuromuscular, PEEP alta, corticoide e ECMO

Bloqueio neuromuscular

O documento deixa como recomendação fraca o uso de bloqueador neuromuscular (BNM) precoce (primeiras 24 horas) em pacientes com SDRA grave (pO2/FiO2 < 100). A diretriz da European Society of Intensive Care Medicine (ESICM) de 2023 é divergente e não recomenda o uso rotineiro em pacientes com SARA e relação P/F < 150 [6].

A recomendação fraca vem de resultados conflitantes dos dois principais estudos sobre o assunto. O estudo ACURASYS de 2010 e o ROSE de 2019 randomizaram pacientes com SDRA e relação pO2/FiO2 < 150 mmHg para uso de BNM precoce versus placebo [7, 8].

O ACURASYS encontrou benefício de mortalidade com o uso de BNM, principalmente em pacientes com relação pO2/FiO2 < 120. Uma crítica foi que o grupo controle apresentou níveis de sedação profunda, o que pode ter predisposto a maior ocorrência de assincronias e maior mortalidade. Isso pode ser um viés que favoreceu o BNM. Já no ROSE, em que o grupo placebo era mantido em sedação leve, não houve diferença de mortalidade e o estudo foi parado precocemente por futilidade.

Atualmente, sabe-se que o uso excessivo de sedativos pode aumentar o risco de assincronias como disparo reverso e duplo disparo, o que associa-se com maior mortalidade na ventilação mecânica. A tendência de uso dos BNM precoce vem sendo individualizada para pacientes mais graves, mas que apresentam riscos elevados de lesão pulmonar induzida pela ventilação (pacientes com assincronias ou com sinais de aumento do esforço respiratório).

PEEP alta

A diretriz recomenda o uso de PEEP alta em contraponto à PEEP baixa em pacientes com SARA moderada e grave (P/F < 200 mmHg), com grau de recomendação fraca. Há uma tendência de melhora de sobrevida e redução do tempo de ventilação mecânica com o uso de PEEP alta, apesar de esse achado não ser consistente entre as revisões sistemáticas [9, 10].

Deve-se considerar dois pontos com o uso de PEEP alta:

  • Não se sabe a melhor estratégia para aplicação da PEEP alta. Uma possibilidade é o uso de tabelas que relacionam PEEP com FiO2 (veja tabela 1). Porém, a diretriz reforça a recomendação contra o uso de estratégias de recrutamento alveolar prolongado (PEEP ≥ 35 cmH2O por um minuto ou mais).
  • O uso de PEEP alta deve ser associado não apenas a uma reavaliação da oxigenação, mas também a um novo cálculo da mecânica pulmonar (pressão de platô, driving pressure ou até mesmo tomografia com impedância elétrica).

Corticoides

A diretriz faz uma recomendação fraca de utilizar corticoides em pacientes com SDRA, independente da gravidade. Desde a última diretriz de 2017, novas evidências mostram redução de mortalidade com o uso de corticoides em pacientes com e sem COVID-19 [11].

Mais recentemente, o estudo CAPE-COD também mostrou benefício de mortalidade com uso de hidrocortisona em pacientes com pneumonia grave (veja mais em Corticoides na Pneumonia Adquirida na Comunidade).

Ainda há incerteza na literatura sobre qual corticoide utilizar, dose e tempo de uso. Usos precoces no curso da doença (< 24 horas) e em pacientes mais graves parecem resultar em maior benefício [12].

ECMO veno-venosa

Tabela 2
Condições associadas a risco de futilidade para tratamento com ECMO-VV
Condições associadas a risco de futilidade para tratamento com ECMO-VV

A diretriz emite uma nova recomendação para o uso de oxigenação por membranas extracorpórea (ECMO) em pacientes selecionados e que tenham falhado com as estratégias convencionais (ventilação protetora, prona, PEEP alta, etc.). Pacientes que mantêm relação P/F < 80 ou com hipercapnia significativa (pH < 7,25 e pCO2 ≥ 60) devem ser considerados para ECMO principalmente nos primeiros sete dias de doença. Por ser uma terapia pouco disponível e de alto custo, o uso deve ser preferencial para pacientes com menor risco de futilidade (veja tabela 2).

Recomendação contra - Manobras de recrutamento prolongado

A diretriz emite uma nova recomendação forte contra o uso de manobras de recrutamento prolongado, quando se usa PEEP alta (≥35 cmH2O) por um minuto ou mais.

O principal estudo sobre o assunto foi o ART, que randomizou pacientes com SARA moderada a grave para uma intervenção de recrutamento alveolar comparada a estratégia de PEEP baixa. O resultado do estudo foi um aumento de mortalidade em 28 dias no grupo intervenção [13]. Em 2022, uma meta-análise encontrou o mesmo achado [10].

Síndromes e Cenários

Hipercolesterolemia Familiar

Criado em: 18 de Março de 2024 Autor: Marcela Belleza

A hipercolesterolemia familiar é uma condição genética que causa elevação dos níveis de LDL e aumento importante do risco cardiovascular. Neste tópico do Guia, revisamos o diagnóstico e manejo da doença. 

O que é a hipercolesterolemia familiar e quais as consequências da doença?

A hipercolesterolemia familiar (HF) é uma doença autossômica dominante, causada por mutações em genes envolvidos no metabolismo do colesterol. Uma revisão sistemática estimou que a ocorrência de HF é de um caso em cada 311 pessoas no mundo [1]. Um estudo nacional estima que um em cada 263 brasileiros possui HF [2].

Em mais de 90% dos casos, a mutação afeta um de três genes: gene do receptor de LDL, gene da PCSK9 e gene da APOB [3]. Como consequência, ocorre elevação dos níveis séricos de LDL e doença cardiovascular precoce. Quando ocorrem em homozigose, as mutações determinam níveis muito elevados de LDL e ocorrência de eventos cardiovasculares nas primeiras três décadas de vida [4]. As mutações em heterozigose são mais comuns e também aumentam o risco cardiovascular.

Além da doença cardiovascular, a deposição de colesterol em tecidos pode ser observada em pacientes com HF. São típicos os achados de xantomas tendíneos, xantelasmas periorbitários e arco corneano.

Quando suspeitar e como investigar?

A suspeita de HF deve ser feita em 3 situações principais:

  • Doença cardiovascular precoce (paciente ou familiares - homens com menos de 55 anos e mulheres com menos de 65 anos), incluindo morte súbita.
  • Presença de xantomas e xantelasmas (em qualquer idade) ou arco corneano (em idade inferior a 45 anos)
  • Níveis elevados de LDL (acima de 190 mg/dl).
Tabela 1
Causas secundárias de aumento do LDL
Causas secundárias de aumento do LDL

Devem ser investigadas causas secundárias de aumento do LDL em todos os casos de suspeita de HF [3]. As principais estão listadas na tabela 1. Excluídas causas secundárias de elevação de LDL, o diagnóstico de HF é feito de duas maneiras:

  • Confirmação de alteração genética patológica OU
  • Associação de manifestações clínicas e laboratoriais. Um escore recomendado para o diagnóstico é o da Dutch Lipid Clinic Network (tabela 2).
Tabela 2
Critérios diagnósticos de hipercolesterolemia familiar (HF) pela Dutch Lipid Clinic Network
Critérios diagnósticos de hipercolesterolemia familiar (HF) pela Dutch Lipid Clinic Network

A presença de uma mutação patológica confirma a HF, mas a ausência não exclui a doença. Isso acontece pelo elevado número de possibilidades de mutações que podem gerar a HF, não necessariamente incluídas nas testagens genéticas. A Hipercol Brasil é uma iniciativa brasileira de estudo dos casos de hipercolesterolemia familiar que acompanha pacientes com a doença e fornece testagem genética em casos de alta suspeição.

Após o diagnóstico de HF em um paciente, o processo de rastreamento em cascata deve ser realizado [3, 5]. Isso significa pesquisar HF em todos os parentes de primeiro grau (pais, irmãos, filhos). O rastreamento em cascata pode ser feito com a dosagem de LDL ou com a pesquisa genética, caso essa tenha sido realizada no paciente índice [3, 6].

Quais são as opções terapêuticas para hipercolesterolemia familiar?

O principal objetivo do tratamento da HF é a redução dos níveis de LDL. No entanto, o alvo de LDL é um ponto de debate entre as diretrizes. A diretriz europeia recomenda alcançar níveis de LDL inferiores a 55 mg/dl em pacientes com doença cardiovascular estabelecida ou outros fatores de risco maiores, como diabetes ou aumento da Lp(a). Um alvo menor que 70 mg/dl é recomendado nas demais situações [7]. Já outras sociedades como a Sociedade Brasileira de Cardiologia e a Endocrine Society recomendam uma estratégia de redução de LDL em pelo menos 50% do valor inicial [3, 6].

Calculadoras que estimam o risco cardiovascular em pacientes com HF foram estudadas. A equação da Safeheart pode auxiliar na decisão de intensificar a terapia medicamentosa e está disponível para acesso aqui [5].

Independentemente do alvo, o tratamento de primeira escolha é com as estatinas de alta potência [5, 6]. A tabela 3 lista as opções e doses das estatinas. Muitos pacientes não atingem o objetivo de LDL com estatinas isoladamente, especialmente aqueles com HF homozigótica. Nesses casos, a associação a ezetimiba está indicada [3]. Leia mais sobre ezetimiba e dislipidemia no tópico Ezetimibe e Dislipidemia.

Tabela 3
Potência da terapia com estatinas
Potência da terapia com estatinas

Os inibidores de PCSK9 (iPCSK9) também podem ser associados à terapia com estatina, caso necessário [3]. Seu uso pode ser limitado pelo custo. Um estudo italiano com pacientes com HF demonstrou que a adição de um iPCSK9 reduziu os níveis de LDL em mais de 50%. No entanto, apenas 43% dos pacientes com HF heterozigótica e 37% dos pacientes com HF homozigótica atingiram o objetivo de tratamento segundo as diretrizes europeias [8].

Especialmente em casos de HF homozigótica, podem ser necessárias terapias adicionais. O uso de sequestrantes de ácidos biliares (como a colestiramina) e aférese de lipoproteínas pode ser considerado [6, 8-10].

Para além do controle dos níveis de LDL, deve haver atenção aos outros fatores de risco cardiovasculares, como cessação do tabagismo, controle pressórico e glicêmico [3, 10].

Antibióticos nos Cuidados Paliativos

Criado em: 18 de Março de 2024 Autor: Raphael Coelho

O tratamento de infecções em pacientes em fase final de vida gera dúvidas. Uma revisão da Infectious Diseases Society of America (IDSA) sobre uso de antibióticos em cuidados paliativos foi publicada em fevereiro de 2024 [1]. Este tópico traz os principais aspectos sobre o tema.

Como identificar uma doença avançada e o fim de vida

Não há consenso sobre o período que representa o fim de vida de uma pessoa. O General Medical Council do Reino Unido considera que pacientes que se aproximam do fim de vida são aqueles em que a morte é provável nos próximos 12 meses. Esses pacientes se enquadram em um dos quatro cenários:

  • Doença incurável, progressiva e avançada
  • Fragilidade e comorbidades que levam à expectativa de vida reduzida
  • Condições que colocam o paciente em risco de morte súbita
  • Condições agudas graves que ameaçam a vida

Prever sobrevida e desfechos funcionais dos pacientes é um desafio. Na maior parte dos casos, os médicos superestimam o prognóstico de sobrevida [2]. Quanto maior o tempo de relação entre o médico e o paciente, pior a acurácia na predição de sobrevida [3]. Esse achado pode estar relacionado à dificuldade do médico em aceitar o fim de vida de seu paciente.

Tabela 1
Escalas prognósticas e de funcionalidade: Karnofsky e ECOG
Escalas prognósticas e de funcionalidade: Karnofsky e ECOG

Escalas prognósticas e de funcionalidade (veja as tabela 1, tabela 2 e tabela 3) são utilizadas para estimar a sobrevida e a progressão da doença de forma mais objetiva. Exemplos são a escala de Karnofsky, do Eastern Cooperative Oncologic Group (ECOG), a Palliative Performance Scale (PPS) e o Palliative Prognostic Index (PPI) [4-7].

Tabela 2
Escalas prognósticas e de funcionalidade: Palliative Performance Scale (tradução livre do TdC)
Escalas prognósticas e de funcionalidade: Palliative Performance Scale (tradução livre do TdC)
Tabela 3
Escalas prognósticas e funcionalidade: Palliative Prognostic Index (PPI) (tradução livre do TdC)
Escalas prognósticas e funcionalidade: Palliative Prognostic Index (PPI) (tradução livre do TdC)

O Gold Standards Framework Prognostic Indicator Guidance é uma ferramenta de rastreio para identificação de pacientes com baixa sobrevida [8]. Ela consiste em uma estratégia com três gatilhos que indicam que o paciente está próximo ao final da vida (fluxograma 1):

  • a "pergunta surpresa";
  • presença de indicadores gerais de declínio ou aumento de dependência;
  • presença de indicadores clínicos específicos da doença de base.
Fluxograma 1
Gold Standards Framework Prognostic Indicator Guidance
Gold Standards Framework Prognostic Indicator Guidance

Calculadoras prognósticas como a E-Prognosis também podem ajudar na estimativa de sobrevida e tomada de decisões.

Conhecer o prognóstico do paciente, seus desejos e valores permite o planejamento precoce e o cuidado coordenado. Após a identificação dos pacientes com doença avançada ou em fim de vida, a estratégia REMAP ajuda a organizar as etapas seguintes (tabela 4) [9].

Tabela 4
Estratégia REMAP para pacientes com doença avançada ou em fim de vida
Estratégia REMAP para pacientes com doença avançada ou em fim de vida

Para mais informações sobre cuidados paliativos e prognóstico, ouça o episódio 84 - caso clínico de cuidados paliativos.

Tratamento de infecções em cuidados paliativos

Pacientes com doenças graves e incuráveis que ainda não estão em fase final de vida podem ter a indicação de tratamento de infecções reversíveis. A escolha do antibiótico e do tempo de tratamento é semelhante à da população geral [1].

É necessário ponderar sobre os riscos de efeitos colaterais dos antibióticos, de resistência e de falha no controle da infecção. O uso de antibióticos pode trazer efeitos colaterais por toxicidades e resistência microbiana. Esses malefícios devem ser levados em consideração na escolha do antibiótico, via de administração e local de tratamento.

Algumas infecções são uma consequência da doença de base, que propicia infecções que se repetem periodicamente, se tornando incuráveis. Exemplos de quadros recorrentes são: abscessos por obstrução intestinal maligna, infecções urinárias por obstrução do trato urinário por cânceres pélvicos, pneumonias por neoplasias torácicas e infecções biliares por obstrução por cânceres das vias biliares ou pancreáticos.

Infecções em pacientes em cuidados paliativos são oportunidades para avaliar desejos e valores do paciente para construção de metas e diretivas de cuidado.

Antibióticos na doença avançada e fim de vida

O uso de antibióticos na fase final de vida é comum. Uma revisão sistemática encontrou prevalência de uso de antibióticos entre 92 a 100% dos pacientes em unidades de cuidados paliativos com diagnóstico de infecção [10]. Um estudo coreano identificou que 82% dos pacientes com câncer sólido metastático utilizaram antibióticos nos últimos três dias de vida. O acompanhamento pela equipe de cuidados paliativos foi associado à redução do uso de antibiótico nos últimos dias de vida [11].

O benefício dos antibióticos é menos claro quanto mais próximo do fim de vida. É possível que o paciente e a família tenham objetivos diferentes entre os seguintes para a fase final da vida:

  • Prolongar a vida ao máximo possível com intervenções
  • Continuar o cuidado sem aumentar o nível de suporte médico caso haja piora clínica
  • Mudar para um cuidado baseado exclusivamente em conforto, suspendendo medidas que não contribuem diretamente para o conforto

O uso de antibióticos pode aumentar a sobrevida e o tempo de internação dos pacientes [12-14].

Uma coorte encontrou que a sobrevida de pacientes que respondem ao tratamento inicial foi de 142 dias em comparação com sobrevida de cinco dias naqueles não respondem [13]. Esse achado sugere que a resposta inicial ao antibiótico é um indicativo de que a intervenção vai ou não prolongar a vida do paciente.

O benefício de uso de antibióticos para controle de sintomas não é bem definido. Uma revisão sistemática encontrou que a maior eficácia é na infecção urinária com disúria ou dor. Não houve benefício em alívio de sintomas na pneumonia [10, 14]. Definir diretivas antecipadas sobre a indicação do uso de antibiótico apenas para controle de sintomas pode reduzir o uso de antibióticos nos últimos 30 dias de vida [15].

Quando e como propor Time-Limited Trials

O time-limited trial pode ser traduzido como uma tentativa de tempo limitado. É um acordo entre a equipe médica e o paciente ou familiares em que são estabelecidas intervenções terapêuticas por determinado tempo para avaliar a resposta do paciente [16]. É uma opção em um contexto de prognóstico ruim em que há dúvidas sobre a cessação do tratamento precocemente ao mesmo tempo em que há desejo de não prolongar a vida de maneira fútil.

O tempo necessário para definir a interrupção das medidas terapêuticas não é bem definido. Questões éticas impedem a realização de ensaios clínicos randomizados nesse cenário. Um estudo simulou diferentes estratégias a partir de dados de coorte de pacientes críticos e concluiu que até quatro dias parece ser tempo suficiente para os time-limited trial em pacientes com câncer e tumores sólidos. Em pacientes com neoplasias hematológicas avançadas ou doenças agudas menos graves, pode ser necessária a extensão desse período por até duas semanas [17].

Nenhum desses trabalhos avaliou desfechos de funcionalidade ou qualidade de vida. O aumento da sobrevida pode não se traduzir em melhora desses outros desfechos, sendo importante incluir esse ponto no planejamento de cuidados.

Tabela 5
Sugestão de estratégia de discussão sobre time-limited trials
Sugestão de estratégia de discussão sobre time-limited trials

A introdução de protocolos de time-limited trials em pacientes críticos pode reduzir o tempo de internação em UTI e o uso de procedimentos invasivos, sem alterar a mortalidade hospitalar ou satisfação familiar [18]. Uma estratégia de discussão sobre time-limited trials está descrita na tabela 5.