Volume no Choque Séptico

Criado em: 11 de Julho de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Quanto e qual fluido fazer é uma pergunta que o clínico faz todos os dias. O estudo CLASSIC avaliou uma estratégia de fluidos restritiva versus a estratégia padrão no choque séptico [1]. Aqui revisamos o tema e resumimos essa nova evidência.

O que já sabemos de volume e sepse

Os fluidos intravenosos são um dos pilares do pacote de medidas (bundle) da sepse. Apesar de ser uma prática universal, o papel dos fluidos na sepse está sendo questionado nos últimos anos.

A terapia com fluidos intravenosos foi impulsionada pelo estudo de Rivers et al. publicado em 2001 [2]. Após a instituição da terapia precoce guiada por metas (early goal directed therapy, EGDT), os pesquisadores encontraram redução significativa de mortalidade em pacientes com sepse. Um dos passos da estratégia implementada foi a expansão volêmica. No estudo, a média de volume após 72 horas foi de 13,3 litros.

Mais de uma década após o estudo do Rivers, grandes artigos não conseguiram comprovar o benefício da EGDT (ARISE, ProCESS e ProMISe) [3]. Algumas etapas da estratégia carecem de fundamentação, sendo o volume uma intervenção com baixa qualidade de evidência científica.

No Surviving Sepsis Campaing de 2016, recomenda-se 30 ml/kg de volume na ressuscitação inicial de pacientes com hipoperfusão induzida por sepse [4]. Contudo, a definição de hipoperfusão não é clara. A diretriz argumenta que essa foi a média de volume feita nos estágios iniciais da ressuscitação nos estudos ARISE, ProCESS e ProMISe.

A questão foi retomada na atualização de 2018 [5]. Nesse documento, indicou-se que o bundle de sepse deve ser iniciado, não necessariamente completado, em até uma hora. O volume deve ser iniciado caso o paciente apresentar hipotensão ou lactato acima de 36 mg/dL.

Na atualização de 2021, a recomendação do fluido intravenoso passou de forte para fraca [6]. Essa mudança foi reforçada pela publicação de uma meta-análise que mostrou maior número de dias livres de ventilador em pacientes que realizaram uma estratégia de fluidos mais conservadora [7]. O efeito na mortalidade foi incerto, o que só aumentou as perguntas em torno da quantidade de volume em um paciente séptico.

O que o estudo CLASSIC procurou?

O trial CLASSIC é um estudo randomizado europeu que incluiu 1554 pacientes com choque séptico. Choque séptico foi definido como processo infeccioso suspeito ou confirmado associado a lactato sérico maior igual à 18mg/dl (ou 2 mmol), recebendo agente inotrópico ou vasopressor, tendo sido feito pelo menos 1 litro de fluido intravenoso nas últimas 24 horas.

Tabela 1
Escore de moteamento
Escore de moteamento

Os pacientes foram randomizados para estratégias de infusão de volume restritiva ou padrão. No grupo restritivo, fluidos só eram administrados em quatro situações:

  • Sinais claros de hipoperfusão: lactato acima de 36 mg/dL, pressão arterial média abaixo de 50 mmHg apesar de vasopressores ou inotrópicos, escore de moteamento acima de 2, ou débito urinário menor que 0,1 ml/kg/hora nas primeiras duas horas após randomização
  • Reposição de perdas gastrointestinais documentadas, como vômitos e diarreia
  • Correção de distúrbios eletrolíticos ou desidratação em pacientes que não podem realizar correção por via enteral
  • Pacientes que não conseguem atingir o mínimo de 1 litro de volume diário, incluindo o volume de dieta e de medicação

Os pacientes recebiam bolus de 250 a 500 ml de cristalóides. O grupo padrão utilizava uma estratégia mais liberal.

A hipótese dos pesquisadores era identificar uma diferença de mortalidade em 90 dias.

O que o estudo CLASSIC encontrou?

O estudo não encontrou diferença de mortalidade entre os grupos. Houve uma diferença expressiva na mediana de volume intravascular infundido - o grupo restritivo recebeu 1798 ml e o grupo padrão 3811 ml durante todo o período que estavam na unidade de terapia intensiva (UTI). Apesar da diferença, o total de volume foi bem abaixo do praticado no estudo do Rivers.

Demonstrando que choque séptico é um evento grave, a mortalidade foi de 42,3% no grupo intervenção e de 42,1% no grupo padrão.

Em 90 dias, também não houve diferença nos desfechos secundários como dias sem aparelhos de suporte ou alta hospitalar.

As principais ressalvas desse estudo são:

  • Os pacientes recebiam volume antes de entrar no protocolo, o que não foi controlado.
  • Houve uma taxa de violação de protocolo maior nos pacientes que estavam no grupo de restrição de volume quando comparados a estratégia padrão - 21,5% vs. 13%.
  • Apenas UTI da Europa participaram do estudo.

Uma força desse estudo é o número de pacientes. Na metanalise de 2020, que incluiu 9 estudos, o total de pacientes foi de 637, menos da metade do que o estudo CLASSIC [8].

Estudar volume no paciente séptico não é uma tarefa fácil. Diferente de quando testamos um medicamento versus placebo, aqui os dois grupos recebem a mesma intervenção, diferindo apenas na intensidade. O grupo controle recebe a intervenção de maneira livre, o que pode variar bastante dependendo do local. Será que em um ambiente menos controlado, a diferença de volume seria maior, levando a maiores consequências nos desfechos? Essa pergunta ainda fica.

Tirzepatida: novo medicamento para obesidade

Criado em: 11 de Julho de 2022 Autor: Raphael Coelho

A World Obesity Federation estima que em 2030 haverá 1 bilhão de pessoas com obesidade no mundo. Em junho de 2022, foi publicado no New England Journal of Medicine o artigo SURMOUNT-1, que estudou a tirzepatida e atingiu resultados importantes no tratamento da obesidade [1]. Aqui revisamos os medicamentos para obesidade e trazemos essa nova evidência.

Medicamentos para obesidade no Brasil

No Brasil, há alguns medicamentos com indicação específica e outras "off label" para tratamento de obesidade. A eficácia das medicações é diferente. As opções estão na tabela 1.

Tabela 1
Medicamentos para obesidade no Brasil
Medicamentos para obesidade no Brasil

Agonistas da GLP-1, liraglutida e semaglutida, são cada vez mais usados por aqui. Atuam nos receptores da incretina GLP-1, um peptídeo gastrointestinal que estimula a secreção da insulina dependente de glicose, inibe a liberação de glucagon e o esvaziamento gástrico. Ambos são medicamentos subcutâneos, sendo a liraglutida de uso diário e a semaglutida, uma vez por semana.

O estudo STEP-8, publicado em janeiro de 2022 no Journal of the American Medical Association (JAMA), comparou liraglutida versus semaglutida [2]. O artigo encontrou que a semaglutida subcutânea possui um efeito maior do que a liraglutida, com uma diferença média de 10% a mais de perda de peso.

Para saber mais, ouça o Episódio 112: Obesidade - Tratamento Medicamentoso.

Tirzepatida: agonista duplo

Além do GLP-1, o peptídeo inibidor gástrico (GIP) é outra substância estimulada pela alimentação. O GIP participa da regulação do balanço energético do organismo, atuando na sinalização nos adipócitos e sistema nervoso central. A tirzepatida é um novo medicamento desenvolvido para atuar nessas duas frentes - agonista dos receptores de GLP-1 e também do GIP.

Resultados com tirzepatida

O SURMOUNT-1 foi um estudo de fase 3 com tirzepatida. Multicêntrico, duplo-cego, randomizado e controlado com placebo, o trabalho foi financiado pela indústria farmacêutica Eli Lilly. Mais de 2500 adultos foram incluídos, sendo mais de 90% da amostra com IMC maior do que 30 e uma minoria com sobrepeso

Os pacientes foram randomizados para utilizarem placebo ou tirzepatida nas doses de 5, 10 ou 15 mg uma vez por semana via subcutânea, com aumento progressivo de 2.5 mg por etapa. Todos os grupos, inclusive o placebo, fizeram dieta e exercícios físicos (150 min/semana). Foram excluídos os diabéticos e não houve ninguém com mais de 60 anos na amostra.

Após 72 semanas, os pacientes que usaram as doses de 10 e 15 mg tiveram em torno de 15 a 20% de perda de peso a mais em relação ao placebo. Em média, 20 quilos a mais foram perdidos em relação ao grupo que fez apenas mudança de estilo de vida e placebo. A dose de 5 mg também teve bom resultado, mas em menor escala, em torno de 13% de perda de peso sobre o placebo.

Efeitos adversos e segurança

Entre 4 a 7% dos pacientes utilizando a medicação descontinuaram o tratamento por efeitos adversos, sendo a desistência mais frequente no grupo intervenção do que no grupo placebo.

O estudo foi realizado em plena pandemia de COVID-19, de dezembro de 2019 a abril de 2022. Mesmo assim, 81% dos pacientes completaram o estudo. Os eventos adversos graves reportados foram relacionados ao COVID-19: 11 pacientes morreram durante o período. Não houve aumento de casos de pancreatite ou câncer medular da tireoide, em relação ao placebo.

Mais pacientes em uso de tirzepatida tiveram colecistite em comparação ao placebo. É plausível que isso tenha ocorrido pela rápida perda de peso. Porém, foram poucos pacientes e não é possível determinar causalidade.

Manejo de Hiperparatiroidismo Primário

Criado em: 11 de Julho de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

O tratamento definitivo de hiperparatireoidismo primário (HPP) é cirúrgico. Há dúvidas sobre a indicação de cirurgia no HPP leve assintomático. O seguimento de longo prazo de um ensaio clínico importante sobre o tema acaba de ser publicado [1, 2]. Aproveitando a publicação, revisamos os principais pontos do manejo dessa condição.

Hiperparatireoidismo primário sintomático

Os principais sintomas de HPP são fraturas, nefrolitíase e hipercalcemia sintomática (polidipsia, poliúria, constipação, alterações neuropsiquiátricas).

No HPP sintomático, a cirurgia está indicada para todos os pacientes aptos ao procedimento. A paratireoidectomia cura a doença, reduz a chance de litíase renal, pode reduzir o risco de fraturas e melhorar indicadores de qualidade de vida.

Nos pacientes que têm indicação de cirurgia, mas não podem ser operados, é possível tentar terapia medicamentosa. Nos pacientes com fraturas ou osteoporose na densitometria óssea, pode-se utilizar bisfosfonados. O calcimimético cinacalcete é uma opção para aqueles sem doença óssea.

Hiperparatireoidismo primário assintomático

Muitos pacientes descobrem HPP quando estão assintomáticos. A necessidade e o momento ideal para intervir nesses pacientes é debatível. O documento produzido pelo quarto workshop internacional de HPP assintomático indica cirurgia nas situações da tabela 1.

Tabela 1
Indicações de cirurgia no hiperparatireoidismo assintomático segundo diretriz internacional de 2014
Indicações de cirurgia no hiperparatireoidismo assintomático segundo diretriz internacional de 2014

Um grande grupo de pacientes com HPP assintomático não vai apresentar progressão da doença nos anos seguintes [3]. Alguns argumentam que essa história natural e a disponibilidade de terapias medicamentosas são um ponto contra procedimentos invasivos. Outros favorecem um critério mais amplo para indicar a cirurgia, pontuando a perda de seguimento dos pacientes, os custos do acompanhamento e o desenvolvimento de técnicas minimamente invasivas.

Mas seria de fato seguro o manejo conservador de pessoas com mais de 50 anos com cálcio pouco aumentado e sem acometimento ósseo e renal? É o que essa nova evidência ajuda a responder.

O que o novo estudo acrescenta

Os dados iniciais deste estudo, com seguimento de 2 anos, foram publicados em 2007. Na ocasião, 191 pacientes com HPP leve foram randomizados para cirurgia ou observação sem procedimento. O seguimento inicial de 99 pacientes não demonstrou diferenças significativas entre os grupos.

Os pacientes tinham entre 50 a 80 anos, com média de idade de 63 anos. O valor médio do cálcio sérico foi de 10,6 mg/dL e PTH de 90 ng/L. Todos com creatinina menor que 1,47 mg/dL. Consultas anuais de reavaliação foram realizadas durante um período planejado de 10 anos.

Na análise por intenção de tratar, não houve diferença entre os grupos em eventos cardiovasculares, fraturas e litíase renal. Na análise de escalas de qualidade de vida, apenas uma teve diferença significativa, favorecendo o grupo que realizou cirurgia. O significado clínico desse achado é questionável. Não houve diferença de mortalidade.

Apesar das limitações do estudo, essa evidência reforça que pessoas com mais de 50 anos com HPP leve assintomático vão bem com uma conduta expectante.

Cuidados no manejo conservador

Recomenda-se consultas periódicas para os pacientes com HPP assintomático que não foram operados. Cálcio sérico, creatinina e densitometria óssea devem ser monitorizados a cada 1 ou 2 anos. Ultrassonografia renal periódica em pacientes assintomáticos não é recomendada.

Algumas medidas preventivas são encorajadas, entre elas:

  • Evitar medicações que possam elevar ainda mais o cálcio sérico, como tiazídicos e lítio
  • Atividade física, para reduzir a perda de densidade mineral óssea
  • Hidratação adequada, para reduzir o risco de nefrolitíase