Imitadores de Sepse

Criado em: 06 de Maio de 2024 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Sepse é uma das principais causas de óbito no mundo e está frequentemente envolvida em erros diagnósticos. Um trabalho recente avaliou quais os diagnósticos finais de pacientes conduzidos inicialmente como sepse na UTI [1]. Neste tópico são revistos os critérios de sepse e a conduta recomendada em casos de incerteza diagnóstica.

Qual a definição de sepse?

Não existe um padrão-ouro para o diagnóstico de sepse. A última atualização mundial da definição de sepse foi realizada em 2016 por uma força tarefa conhecida como Sepsis 3. A força tarefa definiu sepse como a presença de disfunção orgânica ameaçadora à vida secundária à resposta desregulada do organismo à infecção [2]. 

Tabela 1
Critérios de SOFA (Sequential Organ Failure Assessment)
Critérios de SOFA (Sequential Organ Failure Assessment)

A ferramenta sugerida para a avaliação de disfunção orgânica é o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA). Veja na Tabela 1. A presença de dois ou mais pontos caracteriza disfunção orgânica significativa. Quando existe disfunção orgânica crônica prévia a infecção, deve-se considerar apenas a variação de pontos em relação ao escore SOFA basal do paciente. Como exemplo, um paciente com creatinina prévia de 1,5 mg/dL já teria um escore SOFA de um ponto. Caso procurasse a emergência e fosse identificada creatinina de 2,5 mg/dL, apesar de seu escore SOFA de dois pontos, a variação seria de apenas um ponto. Em pacientes sem histórico conhecido, a orientação é assumir que não possuíam disfunção orgânica prévia.

Os erros diagnósticos associados a sepse podem ocorrer de duas maneiras:

  • pacientes com sepse, sem o diagnóstico de sepse
  • pacientes sem sepse, diagnosticados como sepse. 

A falha em reconhecer sepse ocorre principalmente na ausência de sintomas típicos de infecção, como: hipotermia ou hipertermia, calafrio, hipotensão, tosse com secreção, disúria ou eritema cutâneo. Um estudo encontrou que 30% dos pacientes com diagnóstico final de sepse não apresentavam sinais explícitos de infecção na admissão no pronto-socorro. A mortalidade foi maior nesse grupo de pacientes, assim como os tempos para iniciar antibióticos, fazer o diagnóstico de sepse e internar na UTI também foram maiores [3].

Quais são os imitadores de sepse?

Algumas doenças não infecciosas podem causar disfunções orgânicas agudas, podendo ser confundidas com infecções. Os exemplos mais frequentes são pacientes com insuficiência cardíaca congestiva ou síndrome do desconforto respiratório agudo não desencadeados por processos infecciosos. Menos de 60% dos pacientes com admissão em UTI por sepse confirmam um quadro infeccioso [4].

Algumas doenças menos comuns podem se apresentar com quadro clínico bastante semelhante à sepse, sendo reconhecidas como imitadoras de sepse. Um exemplo é a síndrome de liberação de citocinas (SLC). Essa condição é definida como uma elevação de citocinas resultando em inflamação exagerada e disfunção orgânica. A definição é ampla e se sobrepõe com sepse, mas o termo SLC é classicamente reservado para outros processos inflamatórios diferentes de sepse, como reação a terapias específicas (células CAR-T, inibidores de checkpoint e transplante de células hematopoiéticas) e infecção por COVID-19 [5]. Veja mais sobre no tópico Terapia com Células CAR-T.

Tabela 2
Critérios diagnósticos para a síndrome hemofagocítica
Critérios diagnósticos para a síndrome hemofagocítica

Outra situação caracterizada por um processo inflamatório exagerado causando disfunção orgânica é a síndrome hemofagocítica ou linfohistiocitose hemofagocítica. Essa síndrome também se sobrepõe a sepse e a SLC, porém possui critérios diagnósticos bem estabelecidos (tabela 2). Pode ser primária, associada a mutações genéticas, ou secundária, desencadeada por outras condições. Os principais desencadeadores de SHF secundária são neoplasias, doenças autoimunes e as infecções. Um dos recursos que ajuda a diferenciar SHF de sepse é o valor de ferritina. Um trabalho sugere o valor de ferritina de 9083 µg/l como a melhor maneira de diferenciar as duas condições, já que valores superiores estão mais relacionados com SHF [6, 7]. Veja uma discussão envolvendo síndrome hemofagocítica no neste caso clínico discutido no Guia

O que fazer na incerteza de sepse

A espera de exames confirmando uma infecção pode atrasar o início de antibioticoterapia em casos de sepse. O prejuízo pode ser significativo, já que o início precoce de antibioticoterapia é a intervenção com maior benefício [8]. Por outro lado, considerar todos os pacientes com possível foco infeccioso como sépticos pode resultar em uso irracional de antibióticos.

A atualização de sepse de 2021 sugere uma solução para esse impasse. O documento indica que o paciente pode ser classificado como tendo sepse possível ou sepse provável. A distinção entre possível e provável considera a impressão do médico assistente, não havendo um escore para essa estimativa [9].

Tabela 3
Tempo de início de antibioticoterapia na sepse
Tempo de início de antibioticoterapia na sepse

Todo paciente com sepse provável deve receber antibioticoterapia em até uma hora. Se posteriormente for feito um diagnóstico não infeccioso, o antibiótico deve ser retirado. Pacientes com sepse possível são subdivididos conforme a presença de choque. Se houver choque, mesmo a sepse sendo apenas possível, o antibiótico deve ser infundido em até uma hora. Se não houver choque, é possível esperar até três horas para o resultado de outros exames que confirmem o diagnóstico de sepse ou infecção (tabela 3)

O que o trabalho mostrou?

Um trabalho retrospectivo, realizado na Suécia, selecionou 2664 pacientes que apresentavam uma disfunção orgânica associada à coleta de culturas na chegada da UTI e início de antibioticoterapia empírica [1]. Esses pacientes eram inicialmente categorizados como sepse presumida. Conforme evolução clínica na internação, estes pacientes foram divididos em dois diagnósticos: sepse confirmada e imitador da sepse. Foram classificados como sepse confirmada aqueles com cultura positiva ou quando a infecção foi considerada provável por um escore clínico. Pacientes sem esses critérios eram incluídos no grupo de imitadores de sepse.

Entre todos os pacientes, 2008 (75%) confirmaram sepse (1542 com cultura positiva e 466 com infecção provável) e 656 (25%) foram classificados como tendo um imitador. Os grupos tiveram mortalidade similar. Uma das principais diferenças entre os dois grupos foi a suspeita de infecção pelo médico assistente, ocorrendo em 70% no grupo de imitadores e 87% no grupo de sepse confirmada. Em outro trabalho com essa temática, a impressão do médico foi superior a escores de rastreio para identificar sepse em um cenário de emergência [10].

Pacientes com sepse confirmada precisaram de mais droga vasoativa, porém o nível de lactato foi similar nos dois grupos. Marcadores laboratoriais como proteína C reativa e procalcitonina eram menores nos pacientes com imitadores de sepse. Pacientes com sepse tiveram mediana de proteína C reativa de 215 mg/L e sem sepse de 92 mg/L. Já a mediana da procalcitonina do grupo sepse foi de 7,3 mcg/L e no grupo sem sepse de 1,1 mcg/L. Os principais imitadores de sepse foram insuficiência respiratória inespecífica, insuficiência cardíaca aguda e parada cardíaca.

Bulário

Varfarina: Bulário e Quando Preferir em Relação aos DOACs

Criado em: 06 de Maio de 2024 Autor: Ênio Simas Macedo

A varfarina é um anticoagulante antagonista da vitamina K. Ela atua inibindo os fatores de coagulação dependentes desse nutriente: proteína C, proteína S e fatores de coagulação II, VII, IX e X. Os anticoagulantes orais diretos (DOAC) são a primeira escolha em muitas situações, mas a varfarina ainda tem espaço na prática. Uma recente revisão do Journal of the American College of Cardiology [1] avaliou essa questão e um ensaio clínico de janeiro de 2024 publicado no Circulation estudou a varfarina em indivíduos frágeis [2]. Este tópico revisa o uso atual de varfarina.

Qual o alvo terapêutico?

Os antagonistas da vitamina K (AVK) são monitorados pelo tempo de protrombina (TP), um teste que varia significativamente entre diferentes instituições. Para padronizar essa variação, utiliza-se a razão normalizada internacional (RNI). Embora os AVK também afetem o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa), isso é menos comum e menos intenso.

Para a maioria das indicações, o alvo de RNI da varfarina é entre 2 e 3. Pode-se indicar alvos de RNI mais elevados em situações pontuais, como a anticoagulação na síndrome antifosfolípide e nas próteses valvares mecânicas [3, 4].

O tempo dentro da faixa terapêutica (TTR, do inglês time in therapeutic range) é a proporção dos valores de RNI dentro do intervalo estipulado. Valores de TTR maiores que 65 ou 70% indicam uma anticoagulação adequada. 

Como iniciar a varfarina?

Não existe um método consensual de titulação inicial. Os protocolos institucionais devem ser seguidos. Um exemplo de algoritmo para a prescrição inicial da varfarina é o seguinte [5]:

  1. Antes do início da varfarina, avaliar o RNI, TTPa, contagem de plaquetas, função hepática (insuficiência hepatocelular pode dificultar a titulação) e teste de gravidez quando apropriado (varfarina é teratogênica). 
  2. Na ausência de contraindicações (contagem de plaquetas < 50.000, coagulopatia grave ou gestação), iniciar a varfarina na dose de 5 mg uma vez ao dia. As doses devem ser noturnas, permitindo mudanças de dose no mesmo dia de dosagens do RNI. A tomada noturna serve apenas para essa conveniência. Outro horário pode ser adotado se proporcionar melhor adesão.
  3. Na manhã do terceiro dia de tratamento (ou seja, após duas doses de varfarina) é dosado o primeiro RNI. A terceira dose da varfarina poderá ser então ajustada conforme a tabela 1. Esse ajuste inicial é sugerido para pacientes jovens, sem comorbidades e sem medicamentos que interfiram na varfarina. Doses menores podem ser utilizadas em idosos, desnutridos e pessoas em uso de fármacos com interação. Doses maiores podem ser utilizadas para pacientes que sabidamente utilizavam doses elevadas de varfarina no passado.
  4. Novas dosagens de RNI são usualmente feitas diariamente em pacientes internados por conta dos fatores interferentes que comumente existem neste cenário. Deve-se evitar coletas de acessos centrais heparinizados, pois a heparina pode levar a falsa elevação do RNI. No ambulatório, as dosagens podem ser feitas diariamente, em dias alternados ou a cada três dias. 
Tabela 1
Nomograma para o início da prescrição de varfarina
Nomograma para o início da prescrição de varfarina

O início da varfarina com a dose de 10 mg/dia ou com doses de ataque não diminui o tempo para se atingir a meta de RNI e pode agregar maior risco de sangramento [6]. Recomenda-se o início da varfarina em doses mais baixas, como 2,5 mg/dia ou 2,5 e 5 mg/dia em dias alternados, nas seguintes situações: maiores de 70 a 80 anos, fragilidade, desnutrição, uso de fármacos que aumentam os níveis de varfarina (como a amiodarona), doença renal crônica, cirrose e insuficiência cardíaca.

Outra forma de iniciar a varfarina é com algoritmos computadorizados. Eles utilizam características do indivíduo que interferem na varfarina e sugerem uma dose inicial individualizada. Essa abordagem foi validada pelos ensaios clínicos PARMA 5 [7] e DAWN AC [8], cujos resultados mostraram um maior tempo de RNI no alvo, porém sem redução de desfechos tromboembólicos. Um exemplo gratuito de algoritmo computadorizado é encontrado neste site.

Apesar do aumento do RNI já no início do uso da varfarina, o efeito anticoagulante pleno pode demorar até uma semana, mesmo com o RNI dentro da faixa. Isso ocorre porque a mudança laboratorial reflete principalmente a diminuição dos fatores de coagulação com meia vida mais curta, mas o efeito pleno requer que os de meia vida mais longa também sejam depletados. Por isso, em situações de alto risco trombótico ou embólico (como na fase aguda de um tromboembolismo venoso), a varfarina deve ser iniciada em conjunto com a heparina, já que esta última confere efeito anticoagulante imediato. A heparina poderá ser suspensa após duas dosagens de RNI no alvo. A anticoagulação na fibrilação atrial não requer esse cuidado, podendo-se utilizar a varfarina sem heparina. 

Como monitorar o efeito da varfarina?

O monitoramento da anticoagulação pode ser feita das seguintes formas:

  • Automonitoramento: o próprio paciente faz as medidas de RNI e os ajustes baseando-se em algoritmos. As medidas são feitas com um aparelho de RNI portátil, semelhante a um glicosímetro. Evidências apontam que esse é o método que atinge os valores mais elevados de TTR [9]. As limitações são a baixa disponibilidade e a necessidade de capacitação do paciente.
  • Monitoramento em centros de anticoagulação utilizando algoritmos: a dosagem do RNI é conferida por profissionais de saúde de um centro de referência que orientam os ajustes. É o método que alcança a segunda maior média de TTR [9]. Um dos algoritmos utilizados é o do estudo RE-LY - veja a tabela 2. Ele não deve ser utilizado para o início do tratamento. Evidências sugerem que pacientes com RNI muito estável podem ser avaliados a cada 12 semanas [10]. 
  • Ajustes posológicos e frequência de monitoramento definidas pelo médico: algoritmos e nomogramas não são utilizados. É o que confere os menores valores de TTR e requer experiência do médico com a varfarina. Este método não é recomendado pela maioria das sociedades [9]. 
Tabela 2
Nomograma de ajuste para manutenção da varfarina
Nomograma de ajuste para manutenção da varfarina

A variação no consumo de alimentos ricos em vitamina K (legumes verdes, como couve de Bruxelas, brócolis e espinafre) pode influenciar o desempenho da varfarina. Não se deve orientar que os pacientes excluam os alimentos ricos em vitamina K, mas sim que procurem consumir uma quantidade similar desses alimentos ao longo do tempo. 

Tabela 3
Interações medicamentosas com a varfarina
Interações medicamentosas com a varfarina

Diversos medicamentos podem interagir com a varfarina, como visto na tabela 3. Destaca-se a amiodarona, já que o uso simultâneo com a varfarina é comum na fibrilação atrial e pode aumentar o RNI. A presença de interação com a varfarina não deve contraindicar necessariamente o uso de medicamentos.
Contudo, quando prescritos, está indicada uma monitorização mais frequente do RNI.

Doenças intercorrentes podem influenciar a varfarina de diversas formas e o RNI deve ser monitorado com maior frequência.

Quando a varfarina deve ser preferida aos DOACs?

Uma publicação recente do Journal of the American College of Cardiology realizou uma revisão sistemática sobre o tema [1]. Nas seguintes situações há claro benefício do uso de varfarina em comparação com um DOAC:

  • Fibrilação atrial em indivíduos com valvopatias reumáticas - achado do estudo INVICTUS (veja mais em Fibrilação Atrial).
  • Fibrilação atrial com estenose mitral moderada a grave - como essa população foi excluída dos estudos maiores dos DOAC, a varfarina permanece como a primeira escolha neste grupo segundo a diretriz americana de fibrilação atrial de 2023 (veja mais em Anticoagulação na Fibrilação Atrial com Doença Valvar.
  • Próteses valvares mecânicas
  • Síndrome antifosfolípide (veja mais em Anticoagulação na Síndrome Antifosfolípide
  • Prevenção de eventos trombóticos em pacientes com dispositivos de assistência ventricular. 

Recentemente, o ensaio clínico FRAIL-AF lançou novas discussões sobre o uso de DOAC [2]. Esse estudo recrutou 2621 indivíduos com mais de 75 anos com fibrilação atrial e síndrome de fragilidade que estavam em uso de varfarina. Os pacientes foram randomizados para trocar a varfarina por um DOAC (grupo intervenção) ou manter o tratamento atual (grupo controle). Os autores esperavam encontrar uma redução no desfecho primário de sangramentos graves ou clinicamente relevantes no grupo que fez a transição para DOAC. Contudo, o estudo foi encerrado precocemente por futilidade, devido a um aumento expressivo na incidência de sangramentos no grupo DOAC (HR 1,69; IC de 95%: 1,23-2,32; P=0,00112). Esse estudo levantou o questionamento se realmente vale a pena transicionar para DOAC o paciente idoso frágil em uso de varfarina. 

Hipomagnesemia

Criado em: 06 de Maio de 2024 Autor: Ingrid Fröehner

Hipomagnesemia é um distúrbio eletrolítico comum, podendo ocorrer em até 10% dos pacientes em enfermaria e 65% daqueles em terapia intensiva. Um estudo publicado em 2023 revisou estratégias de reposição intravenosa de magnésio [1]. Este tópico foca na avaliação e tratamento da hipomagnesemia e traz os resultados do estudo.

Quais as principais causas de hipomagnesemia?

Hipomagnesemia pode acontecer por perdas gastrointestinais ou renais, baixa ingesta ou por redistribuição do magnésio extracelular e intracelular (tabela 1). Exemplos de redistribuição são a síndrome da fome óssea e a síndrome de realimentação.

Tabela 1
Mecanismos e causas de hipomagnesemia
Mecanismos e causas de hipomagnesemia

Em pacientes com diabetes tipo 1 ou 2, o principal mecanismo de hipomagnesemia é a excreção renal por diurese osmótica, mas defeitos tubulares também estão envolvidos. A baixa concentração de magnésio perpetua a resistência insulínica e pode piorar o controle glicêmico. Não há consenso sobre monitorização e reposição de magnésio em pacientes com diabetes [2].   

Os principais diuréticos associados à hipomagnesemia são os de alça e os tiazídicos. Diuréticos de alça, como a furosemida, impedem a reabsorção de magnésio na alça de Henle. Os tiazídicos agem no túbulo contorcido distal e têm impacto menor na reabsorção de magnésio. A longo prazo, tiazídicos podem causar hiperaldosteronismo secundário e interações com metabolismo do cálcio que justificam a hipomagnesemia [3].

Os inibidores de bomba de prótons (IBP) estão relacionados a hipomagnesemia. Essa relação é mais relevante quando os IBP são utilizados em conjunto com diuréticos, já que nesse contexto os mecanismos compensatórios da regulação renal falham [4]. A vonoprazana também pode estar associada a hipomagnesemia [5]. Saiba mais sobre vonoprazana no tópico Vonoprazana para Helicobacter pylori

Cálcio e potássio interagem com o magnésio. A hipercalcemia aumenta a excreção renal de magnésio, podendo contribuir com hipomagnesemia. Inversamente, a hipomagnesemia pode causar hipocalcemia, especialmente pela redução na produção de paratormônio, que depende do magnésio. A excreção renal de potássio e magnésio é complexa. A hipomagnesemia pode levar a hipopotassemia e vice-versa. Esses eletrólitos precisam ser avaliados em conjunto para uma melhor interpretação do quadro clínico. 

Quando há hipocalcemia ou hipopotassemia associada a hipomagnesemia, o tratamento deve focar inicialmente em repor magnésio. Nenhum dos distúrbios é completamente corrigido sem essa etapa [3].

Quais os sinais e sintomas de hipomagnesemia?

A concentração de magnésio altera o limiar de estimulação dos neurônios e a condução das membranas dos miócitos. Por isso, os principais sintomas da hipomagnesemia são neurológicos e cardiovasculares (figura 1). [6]. No entanto, a deficiência de magnésio pode ser assintomática até 1,2 mg/dL.

Figura 1
Sintomas de Hipomagnesemia
Sintomas de Hipomagnesemia

Sintomas neurológicos incluem fasciculações e tremores. Tetania pode estar presente quando associada a hipocalcemia [3]. Outra manifestação neurológica de hipomagnesemia é o nistagmo vertical.

Níveis abaixo de 1,6 mg/dL podem causar arritmias. Torsades de pointes pode ocorrer, especialmente na presença de outros fatores que prolongam o intervalo QT, como clorpromazina, haloperidol, amiodarona ou azitromicina. Diante de torsades o tratamento é sulfato de magnésio intravenoso, mesmo sem hipomagnesemia, reforçando o papel do eletrólito na estabilização dos miócitos [7, 8]. 

Recomenda-se rastreio periódico da concentração de magnésio nos seguintes pacientes, mesmo assintomáticos:

  • Uso de medicações associadas ao prolongamento do QT. Os níveis de magnésio e potássio devem ser mantidos acima de 2 mg/dL e 4 mg/dL, respectivamente [9]. 
  • Pacientes internados por insuficiência cardíaca ou infarto agudo do miocárdio. A American Heart Association recomenda a dosagem periódica de magnésio nesses casos e monitorização cardíaca quando houver hipomagnesemia [7, 10]
  • Etilismo crônico, uso de nutrição parenteral total, diarreia disabsortiva e tempo prolongado de uso de diuréticos (como na insuficiência cardíaca).

Como tratar hipomagnesemia?

A escolha entre reposição intravenosa ou oral depende da gravidade dos sintomas e da estabilidade clínica do paciente (tabela 2). A infusão intravenosa eleva os níveis séricos de magnésio rapidamente, mas uma parte significativa é perdida na urina. Após a infusão inicial, é necessário continuar com a reposição para manter os estoques. Não há consenso sobre o melhor regime de tratamento para manter os níveis adequados de magnésio [3].

Tabela 2
Opções de tratamento de hipomagnesemia
Opções de tratamento de hipomagnesemia

A reposição oral em altas doses pode causar sintomas gastrointestinais e não ser tolerada em pacientes sintomáticos. 

O tratamento pode ser difícil em pacientes em uso de diuréticos. A troca para diuréticos poupadores de potássio como amilorida pode ser tentada. Em pacientes com uso de diuréticos e IBP, pode-se trocar também a classe do protetor gástrico. Estudos sugerem que bloqueadores dos receptores H2 da histamina não estão associados a hipomagnesemia [4]. Nos casos de hipomagnesemia refratária, os inibidores de SGLT2 podem ser usados [11].

Veja mais sobre magnésio no tratamento de asma e doença pulmonar obstrutiva crônica no tópico Sulfato de Magnésio para Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

O que o estudo mostra sobre a reposição de magnésio?

O estudo publicado em 2023 no Journal of Hospital Medicine avaliou a correção da hipomagnesemia em uma coorte retrospectiva de pacientes internados por insuficiência cardíaca [1]. Reposições utilizando 2 g de sulfato de magnésio intravenoso pelo menos duas vezes ao dia mantinham a concentração de magnésio acima de 2 mg/dL.

Níveis mais altos de reposição, como 4 gramas ou mais, levaram a aumento rápido da concentração de magnésio, seguida por uma queda acentuada. Infusões lentas e alteração da função renal foram associadas à maior estabilidade sérica.

Considerando as incertezas sobre a reposição magnésio, este estudo acrescenta informações do comportamento do eletrólito em resposta às diferentes quantidades de reposição. A estratégia utilizada pode servir como um guia para o tratamento da hipomagnesemia.