Tratamento de Bacteremia por Gram-Negativos

Criado em: 13 de Maio de 2024 Autor: Frederico Amorim Marcelino

Houve um aumento global da incidência de bacteremia por gram-negativos nos últimos anos, associada com maior mortalidade e morbidade. Em 2023 foi publicada uma revisão sistemática e meta-análise comparando 7 e 14 dias de tratamento antimicrobiano nessa condição [1]. Esse tópico revisa o tratamento de bacteremia por gram-negativos.

Tipos de bacteremia por gram-negativos

Bacteremia por bactérias gram-negativas é o crescimento de bactérias gram-negativas em hemocultura. Outro termo usado como sinônimo de bacteremia é infecção de corrente sanguínea (ICS). A ICS pode ser primária ou secundária:

  • ICS primária: crescimento de bactérias em hemocultura sem foco infeccioso definido ou por infecção associada a cateter.
  • ICS secundária: crescimento de bactérias em hemocultura em consequência a infecção em outros sítios. Exemplo: infecção do trato urinário (ITU) ou pneumonia com hemocultura positiva.

Apesar dessa definição, é comum o termo ICS ser usado como sinônimo de infecção associada a cateter. Porém, ICS primária sem associação com cateter pode ocorrer, especialmente em pacientes com neoplasias hematológicas, particularmente quando são submetidos a quimioterapia e evoluem com neutropenia. 

Do ponto de vista clínico, o termo bacteremia também é usado informalmente para descrever episódios de tremores, calafrios e febre. Esses sinais não são totalmente específicos de ICS, sendo necessário verificar a presença de bacteremia com hemocultura se houver suspeita clínica.

As principais bactérias gram-negativas associadas a bacteremia são o grupo das Enterobacterales que inclui a Escherichia coli, Klebsiella spp, Proteus spp e Enterobacter spp. As infecções comunitárias mais comumente associadas a bacteremia são ITU, infecções intra-abdominais e pneumonia. No contexto hospitalar, infecção associada a dispositivos e pneumonia associada a ventilação são as principais fontes [2].

Outro grupo importante entre as infecções hospitalares são os bacilos gram-negativos não fermentadores, como Pseudomonas spp, Acinetobacter spp e Stenotrophomonas spp.

Antibióticos para tratamento de bacteremia por gram-negativos

Os antibióticos usados para tratamento de bacteremia por gram-negativos estão nesse arquivo. Os beta-lactâmicos são comumente o tratamento de escolha, devido à segurança e ampla evidência de eficácia. Fluoroquinolonas e sulfametoxazol/trimetoprima são utilizados como opções orais. Aminoglicosídeos e polimixina B são usados principalmente em infecções resistentes.

Em infecções frequentemente causadas por gram-negativos, como ITU e infecção intra-abdominal, o esquema de tratamento empírico já deve conter antibióticos para tratamento dessas bactérias. Se o agente etiológico for encontrado, o antibiótico empírico inicial pode ser mantido, se for adequado. Não há necessidade de modificação de antibiótico por conta da ocorrência de bacteremia, contanto que a bactéria isolada seja sensível à terapia escolhida. A cobertura para outros microorganismos pode ser suspensa após identificação do agente, caso não haja mais suspeita de infecção por outras bactérias.

Após a identificação de bacteremia, existem três momentos possíveis de ajuste de tratamento: identificação pelo gram, identificação da bactéria e o antibiograma. Os três resultados ficam disponíveis em momentos diferentes.

  • Identificação pelo gram: dentre os gram-negativos, os bacilos são as principais bactérias identificadas. Outras bactérias podem ser identificadas no gram, como coco-bacilos, a exemplo do Haemophilus influenzae na pneumonia, e cocos gram-negativos, como Neisseria meningitidis na meningite. Esses casos podem necessitar de ajuste medicamentoso. No momento em que se identifica uma bactéria gram negativa, a suspensão de cobertura de outros grupos bacterianos deve ser considerada. Por exemplo: suspensão de vancomicina, utilizada empiricamente para cobertura de gram-positivos.
  • Identificação da bactéria: alguns bacilos gram-negativos estão diretamente associados a resistência e têm tratamento específico. O destaque são os gram-negativos não fermentadores como Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Stenotrophomonas sp.
  • Antibiograma: nesse momento são identificados os padrões de resistência. Os bacilos gram-negativos estão associados a produção de beta-lactamases. As cefalosporinases (exemplos: ESBL e AMPc) são beta-lactamases que conferem resistência a cefalosporinas. Bactérias com cefalosporinases são tratadas com cefepima, piperacilina/tazobactam ou carbapenêmicos a depender da situação. As carbapenemases (exemplos: KPC e NDM), betalactamases que propiciam resistência a carbapenêmicos, são tratadas com cefalosporinas associadas a novos inibidores de betalactamases ou com combinações de antimicrobianos.

Veja mais sobre o tratamento de enterobactérias produtoras de AmpC, Acinetobacter baumannii produtor de carbapenemase e Stenotrophomonas maltophilia no tópico Tratamento de Bactérias AmpC, CRAB e Stenotrophomonas maltophilia.

Tempo de tratamento de bacteremia por gram-negativos

O tempo de tratamento de infecções bacterianas está sendo revisado nos últimos anos. Estudos comparando tempos mais curtos de antibioticoterapia para várias infecções (pneumonia, ITU, infecção intra-abdominal, infecção de pele e outras) sugerem desfechos similares a tratamentos longos [3].

Em 2023, uma revisão sistemática e meta-análise avaliou três estudos randomizados incluindo 1186 pacientes, sendo 1121 com bacteremia por Enterobacterales [1]. Não foi encontrada diferença de mortalidade em 30 e 90 dias quando comparados tratamentos de 7 ou 14 dias. Recidiva, tempo de internação, readmissões e complicações infecciosas também foram similares entre os grupos. Alguns grupos foram excluídos, como imunossuprimidos graves (neutropenia com leucócitos < 500 células/microL, por exemplo) e pacientes com endocardite, fasciíte necrosante e osteomielite. Infecções por Pseudomonas, Acinetobacter e outros bacilos gram-negativos não fermentadores foram pouco representadas na amostra.

A transição para tratamento por via oral também vem sendo discutida no tratamento de outras infecções bacterianas, incluindo endocardite e osteomielite [4]. Para bacteremia por gram-negativos, estudos retrospectivos sugerem desfechos similares (falha de tratamento e mortalidade, principalmente) com a transição para antibioticoterapia via oral nos primeiros cinco dias [5, 6, 7]. 

Um estudo aberto, randomizado, publicado no Clinical Microbiology and Infection em outubro de 2023, comparou antibiótico endovenoso durante todo tratamento contra modificar para tratamento oral após três a cinco dias [5]. O desfecho primário foi um composto de morte por qualquer causa, necessidade de tratamento antimicrobiano adicional, recidiva microbiológica e readmissão associada a infecção. Não houve diferença significativa entre os dois grupos, atingindo o critério de não inferioridade do trabalho. O estudo foi feito com apenas 165 pacientes, apesar da programação inicial de incluir 438, diminuindo o poder estatístico da amostra. Um estudo randomizado com tamanho programado de 720 pacientes está em curso [8].

Trombocitopenia Induzida por Heparina

Criado em: 13 de Maio de 2024 Autor: Joanne Alves Moreira

A trombocitopenia induzida por heparina é potencialmente fatal e envolve redução de plaquetas com eventos trombóticos. Em março de 2024, o JAMA Open publicou um artigo que avaliou a acurácia da abordagem diagnóstica dessa condição [1]. Este tópico revisa a definição, apresentação clínica e abordagem terapêutica da trombocitopenia induzida por heparina.

O que é trombocitopenia induzida por heparina?

Trombocitopenia induzida por heparina (TIH) tem duas apresentações: tipo I e tipo II. 

TIH tipo I ou não imune é uma trombocitopenia assintomática leve e transitória (raramente inferior a 100.000/mm³) que ocorre nos primeiros dois dias de exposição à heparina. Desaparece rapidamente sem intervenção e tem menor importância clínica. Afeta até 10% dos pacientes em uso de heparina. Acredita-se que ocorre por efeito direto da heparina nas plaquetas, causando agregação plaquetária não imune [2, 3]. 

A TIH tipo II é a mais relevante e será o foco do tópico, denominada aqui apenas de TIH. Esta é uma reação adversa imunomediada contra a heparina. Uma característica desse processo é o desenvolvimento de anticorpos contra complexos formados por fator 4 plaquetário (PF4) e heparina. Pode ocorrer tanto na exposição à heparina não fracionada (HNF) quanto à heparina de baixo peso molecular (HBPM), sendo mais comum com HNF [4, 5].

Tabela 1
Fatores de risco para trombocitopenia induzida por heparina (TIH)
Fatores de risco para trombocitopenia induzida por heparina (TIH)

A TIH autoimune é um terceiro tipo mais raro, caracterizado pela presença de anticorpos na ausência de exposição à heparina. Esse subtipo pode ter manifestações mais tardias, persistentes ou atípicas, com complicações em diversos órgãos e coagulação intravascular disseminada [6]. 

Os fatores de risco para a TIH incluem uso de HNF em dose terapêutica (via intravenosa) e exposição à droga por mais que cinco dias [7]. Outros fatores estão disponíveis na tabela 1.

Apresentação clínica

A tríade de achados na TIH é trombocitopenia (plaquetas < 150.000 mm³), trombose venosa ou arterial e queda plaquetária ocorrendo após a administração de heparina [5].  

A TIH geralmente surge entre cinco a dez dias após o início da heparina e sua principal característica é a trombocitopenia. Quando houve exposição à heparina nos últimos 100 dias, a TIH pode se manifestar no primeiro dia após reintrodução da heparina [8, 9, 10]. Se o paciente recebeu heparina por 10 a 14 dias e ainda não apresentou TIH, é pouco provável que desenvolva a doença com a exposição continuada à droga [5].

Os eventos tromboembólicos ocorrem em aproximadamente 30 a 50% dos casos e podem se manifestar ao mesmo tempo ou antes da plaquetopenia. A trombose venosa é mais comum que a arterial, e o tromboembolismo pulmonar ocorre em até 25% dos pacientes [11, 12, 13].

Outros cenários que devem levantar a hipótese de TIH são [5]:

  • Necrose cutânea nos sítios de aplicação da heparina, isquemia de membros e órgãos [14-17]
  • Reação sistêmica aguda (febre, calafrios, taquicardia, hipertensão, parada cardiorrespiratória) após administração de heparina endovenosa [18]
  • Queda na contagem de plaquetas > 50%, mesmo se a contagem de plaquetas for superior a 150.000/mm³

Apesar da plaquetopenia, sangramento é uma manifestação incomum [19]. 

Diagnóstico

Na suspeita de TIH, é recomendado aplicar o escore 4T - um sistema de pontuação clínica para determinar a probabilidade pré-teste de TIH (veja aqui a calculadora). O escore classifica o caso em três possíveis categorias: baixa (0-3 pontos), intermediária (4-5 pontos) e alta probabilidade (6-8 pontos) para TIH (tabela 2) [20]. 

Tabela 2
Escore 4T para avaliar probabilidade clínica de trombocitopenia induzida por heparina (TIH)
Escore 4T para avaliar probabilidade clínica de trombocitopenia induzida por heparina (TIH)

Uma revisão sistemática e metanálise de 2012 avaliou o uso do escore 4T e demonstrou um alto valor preditivo negativo em pacientes com baixa probabilidade, indicando segurança para excluir TIH nesse cenário [21].

Nos pacientes com probabilidade intermediária ou alta, deve-se pesquisar o anticorpo anti heparina/fator 4 plaquetário (anticorpo anti-heparina/PF4). Imunoensaios (ELISA) para detectar este anticorpo são úteis na avaliação diagnóstica pela alta sensibilidade e alto valor preditivo negativo. Os anticorpos anti-heparina/PF4 podem estar presentes em pacientes sem TIH, devendo-se ter cautela na interpretação dos resultados [5, 22, 23].  

Fluxograma 1
Diagnóstico e abordagem inicial de trombocitopenia induzida por heparina (TIH)
Diagnóstico e abordagem inicial de trombocitopenia induzida por heparina (TIH)

A American Society of Hematology (ASH) recomenda utilizar inicialmente o escore 4T. Em casos de probabilidade intermediária ou alta, pesquisar a presença de anticorpo anti-heparina/PF4 com o imunoensaio. Na presença do anticorpo, a ASH sugere realizar um teste funcional para TIH para confirmar o diagnóstico (veja fluxograma 1) [24]. 

O estudo publicado no JAMA em março de 2024 avaliou a acurácia no diagnóstico de TIH com diferentes estratégias. Para a pesquisa do anticorpo anti-heparina/PF4, o estudo utilizou o teste HemosIL® AcuStar HIT-IgG (PF4-H). Este exame tem elevada especifidade, o que poderia não exigir um teste funcional para confirmar o diagnóstico de TIH. Foram comparados três métodos: escore 4T isolado, uso de PF4-H isolado e avaliação conjunta e sequencial dos métodos (escore 4T seguido de  PF4-H se intermediário ou alto risco) [25]. O padrão ouro para comparação foi um teste de ativação plaquetária, realizado em todos os pacientes.

Para serem incluídos, os pacientes deviam ter a suspeita de TIH. Dos 1318 pacientes, o padrão ouro identificou a prevalência de 8,4% (111 pacientes) de TIH, a maioria na UTI e pós-cirurgia cardíaca. O algoritmo recomendado demonstrou especificidade de 86% e sensibilidade de 96%. A estratégia de usar o PF4-H isolado para todos mostrou maior especificidade (95%) como esperado, porém utilizar o algoritmo reduziria para aproximadamente a metade a necessidade de exames adicionais. O algoritmo ainda apresenta falhas que merecem atenção - 15 dos 111 pacientes com TIH seriam falsos negativos por essa estratégia.

Qual é a abordagem terapêutica?

Em pacientes com suspeita de TIH e probabilidade intermediária ou alta pelo escore 4T (≥ 4 pontos), deve-se interromper imediatamente todas as fontes de heparina. Apesar de contra intuitivo, mesmo diante da plaquetopenia, deve-se iniciar um anticoagulante não heparina antes mesmo do resultado do teste confirmatório (fluxograma 1).

A avaliação em conjunto com a hematologia é recomendada, já que decisões terapêuticas são comumente tomadas de maneira presuntiva devido à disponibilidade limitada dos testes adicionais e o algoritmo diagnóstico tem falhas.

A ASH recomenda a utilização de argatrobana, bivalirudina, danaparoide, fondaparinux ou anticoagulantes orais diretos (DOAC). Argatrobana, bivalirudina e danaparoide não estão disponíveis no Brasil. A escolha do anticoagulante é influenciada pela disponibilidade e via de administração do medicamento, bem como pelas condições do paciente - por exemplo, função renal, hepática e o estado clínico [24].

A intensidade da dose do anticoagulante não-heparina não é estabelecida em situações de incerteza diagnóstica (por exemplo, escore intermediário sem exames confirmatórios). A diretriz da ASH sugere a seguinte conduta:

  • 4T intermediário, sem outra indicação de anticoagulação, com alto risco de sangramento: dose profilática
  • 4T intermediário com outra indicação de anticoagulação OU sem alto risco de sangramento: dose terapêutica
  • 4T elevado: dose terapêutica

Inicialmente, a varfarina pode acentuar o risco de trombose por redução de proteína C, logo, não deve ser iniciada até a recuperação da contagem de plaquetas (> 150.000/mm³) e deve estar associada a outro anticoagulante. Em pacientes que desenvolveram TIH em uso de varfarina, este medicamento deve ser descontinuado e revertido com vitamina K, e outro anticoagulante deve ser prescrito. 

Recomenda-se não transfundir plaquetas, exceto em caso de sangramento ativo ou potencialmente fatal e não utilizar imunoglobulina como tratamento inicial, exceto em caso de TIH autoimune [24]. 

Na ausência de trombose, a anticoagulação deve ser mantida pelo menos até a resolução da trombocitopenia, que ocorre normalmente em sete dias.

Diretriz Europeia de Esclerose Lateral Amiotrófica

Criado em: 13 de Maio de 2024 Autor: João Urbano

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa caracterizada por uma perda progressiva da motricidade voluntária. Em março de 2024, a Academia Europeia de Neurologia publicou uma diretriz de recomendações [1] sobre a doença que será revisada neste tópico.

Manifestações clínicas de ELA

A ELA é caracterizada por um déficit motor indolor e progressivo com disfunção de neurônio motor superior (NMS) e inferior (NMI) ao mesmo tempo. Um exemplo espasticidade (sinal de NMS) associada a atrofia muscular e fasciculações (sinais de NMI). O início dos sintomas costuma ocorrer por volta da sexta década de vida. É uma doença degenerativa, com sobrevida mediana de aproximadamente quatro anos, com apenas 6% dos pacientes vivos após seguimento de 10 anos na forma clássica.

Tabela 1
Apresentações clínicas de Esclerose Lateral Amiotrófica
Apresentações clínicas de Esclerose Lateral Amiotrófica

A doença tem várias apresentações clínicas, com uma parte dos pacientes exibindo predomínio de disfunção de NMS (esclerose lateral primária), e outra com predomínio de disfunção de NMI (atrofia muscular progressiva). Existem diversas formas clínicas entre os dois extremos (tabela 1).

O déficit motor pode iniciar em qualquer dos quatro segmentos do sistema nervoso central (SNC): bulbar (musculatura da fala e deglutição), cervical (membros superiores), torácico (musculatura torácica e abdominal) e lombossacral (membros inferiores). A doença afeta mais de uma região progressivamente, mas existem formas restritas a um único membro. Em até 60% dos pacientes, a doença começa nos membros (região cervical ou lombossacral), geralmente de forma assimétrica, conhecida como forma clássica ou de Charcot [2].

Em até 30% dos pacientes, a doença começa na região bulbar, em que a fraqueza pode se manifestar como disartria e disfagia, conhecida como ELA de início bulbar ou paralisia bulbar progressiva. Na região bulbar, as disfunções de NMS e NMI são:

  • NMS bulbar: labilidade emocional (afeto pseudobulbar); disartria; reflexos mandibular e nauseoso exacerbados
  • NMI bulbar: atrofia e fasciculações de língua; disartria e disfagia

A ELA também pode ser acompanhada de sintomas cognitivos e está associada a demência frontotemporal (DFT). ELA evolui para DFT em 15% dos casos e a associação entre as doenças está presente no momento do diagnóstico em 10% das vezes [3].

Diagnóstico de ELA

Para o diagnóstico de ELA, é necessário documentar o comprometimento do NMS (pelo exame neurológico) e NMI (pelo exame neurológico e/ou pela eletroneuromiografia) e excluir diagnósticos diferenciais. A eletroneuromiografia pode auxiliar o diagnóstico e deve ser feita em todos os segmentos do sistema nervoso central (bulbar, cervical, torácico e lombossacral) para avaliar acometimento de NMS e NMI, além de sinais de reinervação aguda e crônica. 

Os critérios de Gold Coast organizam o diagnóstico em três pontos [4]:

  • Déficit motor progressivo documentado em avaliação sequencial ou com história clínica
  • A presença de disfunção concomitante do NMS e NMI em pelo menos um dos quatro segmentos do SNC ou disfunção do NMI em pelo menos dois segmentos
  • Exclusão de diagnósticos diferenciais
Tabela 2
Principais diagnósticos diferenciais de ELA e pistas clínicas para a suspeição
Principais diagnósticos diferenciais de ELA e pistas clínicas para a suspeição

O diagnóstico é feito com a presença dos três pontos. 

As mielopatias e neuropatias são os principais diagnósticos diferenciais na suspeita de ELA e estão organizadas na tabela 2.

Exames de imagem auxiliam na avaliação de diagnósticos diferenciais. Na ressonância magnética, alguns sinais estão associados a ELA:

  • Hipersinal na região dos tratos corticoespinhais nas sequências ponderadas em T2
  • Hipersinal da língua nas sequências ponderadas em T1, ou "sinal da língua branca” [5]
  • Hiposinal em T2 no giro pré-central em imagens ponderadas em susceptibilidade (SWI), conhecido como "sinal da banda motora” [6

Contudo, as alterações em exames de imagem têm baixa acurácia diagnóstica isoladamente.
 

Suporte nutricional e respiratório na ELA

Os principais problemas relacionados a pacientes com ELA são a disfagia e a sialorreia (salivação excessiva). Os pacientes devem ser avaliados periodicamente para cálculo de necessidade calórica, ajuste de consistência dos alimentos e avaliação do risco de aspiração. A discussão sobre gastrostomia deve ser introduzida precocemente nas consultas, à medida que a doença avança. Caso indicado, o procedimento não deve ser postergado. 

Quanto aos sintomas respiratórios, é necessário treinamento de cuidadores para posicionamento durante a alimentação e técnicas de assistência para tosse, para diminuir o risco de aspiração e facilitar expectoração de muco. Muco espesso também deve ser avaliado e tratado com mucolíticos conforme necessidade. 

Sinais e sintomas de insuficiência respiratória devem ser pesquisados ativamente em cada consulta. Testes de oximetria e função respiratória devem ser realizados no momento do diagnóstico e periodicamente para avaliar necessidade de ventilação não-invasiva. Pacientes com capacidade vital forçada (CVF) ou capacidade vital (CV) abaixo de 80% do predito na espirometria devem ser encaminhados para avaliação de suporte ventilatório. Se CFV ou CV estiverem abaixo de 50% do predito ou existir retenção de CO₂ na gasometria arterial, o paciente deve ser encaminhado para suporte ventilatório com ventilação não invasiva (VNI) mesmo se assintomático. Veja mais sobre VNI na revisão Ventilação Não Invasiva.

Controle de sintomas, profilaxia de tromboembolismo e drogas modificadoras de doença na ELA

Os principais sintomas referidos pelos pacientes e seus tratamentos de primeira linha estão expostos na tabela 3.

Tabela 3
Manejo de sintomas relacionados à ELA
Manejo de sintomas relacionados à ELA

Apesar do risco de trombose venosa pela imobilidade, não há evidências que indiquem benefício da anticoagulação profilática para trombose venosa. São recomendadas medidas não farmacológicas como movimentação passiva, fisioterapia, elevação dos membros ao repouso e meias de compressão.

Existem duas drogas modificadoras de doença citadas na diretriz: riluzol e tofersen. O riluzol, na dose de 50 mg duas vezes ao dia, é recomendado para todos os pacientes, com aumento de sobrevida mediano de dois a três meses [7]. Já o tofersen (Qalsody), administrada por via intratecal, é restrita aos pacientes com ELA decorrente de uma mutação específica no gene da superóxido dismutase (SOD1). No momento é indisponível no Brasil [8].