Reposição Intravenosa de Ferro

Criado em: 18 de Julho de 2022 Autor: Joanne Alves Moreira

A anemia ferropriva é a causa mais comum de anemia no mundo. A reposição intravenosa de ferro é preferida em alguns casos devido a rápida correção da hemoglobina. Em maio de 2022, o Annals of Internal Medicine publicou um trabalho sobre o risco de anafilaxia associada ao uso de ferro intravenoso [1]. Aproveitando o artigo, vamos revisar o tema.

Quais são as indicações de ferro intravenoso?

O ferro parenteral pode ser a via preferida nas seguintes situações:

  • Não respondedores à reposição oral por intolerância gastrointestinal
  • Má absorção, doença inflamatória intestinal ou problemas com a via de administração (por exemplo, disfagia severa) [2]
  • Doença renal crônica
  • Sangramento persistente, excedendo a capacidade de reposição oral (sangramento uterino intenso, telangiectasias mucosas
  • Estados inflamatórios que interferem na homeostasia do ferro

Como repor?

Uma maneira de calcular o déficit de ferro é pela fórmula de Ganzoni [3, 4]. O cálculo é o seguinte:

Dose total de ferro em mg = peso (Kg) x (Hb alvo - Hb atual) x 2.4 (veja uma calculadora da dose total de ferro).

Ao resultado da fórmula, deve-se adicionar 500 mg a mais para adultos e crianças com peso ≥ 35 kg ou 15 mg/kg se o peso for < 35 kg.

Após o cálculo, deve-se dividir o valor total pela quantidade de ferro total da solução disponível para programação de número total de infusões. Sempre seguir a velocidade de infusão recomendada e a dose máxima por reposição.

Tabela 1
Formulações de ferro por via endovenosa
Formulações de ferro por via endovenosa

Alguns produtos trazem na bula tabelas para a estimativa da dose baseadas no peso e no nível de hemoglobina. Veja as formulações disponíveis na tabela 1.

Complicações da reposição de ferro intravenosa: quais são as evidências?

As evidências demonstram a eficácia do ferro intravenoso, porém os dados de segurança são conflitantes. As duas principais preocupações são o risco de infecções e a anafilaxia.

Em novembro de 2021, o Journal of the American Medical Association (JAMA) publicou uma metanálise que avaliou o risco de infecção associada à infusão de ferro [5]. Foram levantados 162 artigos, destes 154 eram ensaios clínicos randomizados, incluindo mais de 32 mil pacientes.

A metanálise encontrou que o uso de ferro intravenoso estava associado a um maior risco de infecção quando comparado com ferro oral ou placebo. Contudo, o incremento de risco foi pequeno (risco relativo de 1,16). Além disso, variações significativas e inconsistências nas definições de infecção ocorreram em muitos estudos. De um modo geral, os estudos encontraram um risco baixo ou nulo de infecção associado ao ferro intravenoso [5, 6].

Em relação a anafilaxia, em maio de 2022, o Annals of Internal Medicine publicou uma coorte retrospectiva sobre o risco de anafilaxia associada ao uso de ferro intravenoso [7].

A população do estudo apresentava idade média de 77 anos, com predomínio do sexo feminino. As principais condições associadas eram doença renal crônica e sangramento gastrointestinal. O estudo avaliou 5 formulações de ferro intravenoso, porém não incluiu derisomaltose férrica (não estava aprovada para uso na época).

Os autores concluíram que o risco de anafilaxia era baixo com todas as 5 apresentações estudadas. No entanto, na comparação entre os medicamentos, o ferumoxitol e o ferro dextrano estavam associados a aumentos de 3 e 8 vezes, respectivamente, no risco de anafilaxia quando comparado com a sacarato de ferro. O artigo também fornece dados tranquilizadores com relação ao risco de anafilaxia com carboximaltose férrica, que teve um rápido aumento no uso após dados clínicos favoráveis.

Diferente das reações alérgicas, o ferro intravenoso pode causar reações relacionadas à própria infusão. Esses sintomas não são alérgicos e incluem urticária, palpitações, tontura e espasmo no pescoço e lombar. Outro evento que não é alérgico é a reação de Fishbane, que consiste em flush facial e mialgias no dorso e tórax. Uma possibilidade é que essa reação se deva a ativação do complemento.

Instabilidade Hemodinâmica na Intubação Orotraqueal

Criado em: 18 de Julho de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

Intubação orotraqueal (IOT) em pacientes críticos é um procedimento com alta taxa de complicações. Entre as mais comuns está a instabilidade hemodinâmica. O estudo PREPARE II avaliou se a administração de um bolus de fluido seria capaz de reduzir essa complicação [1]. Vamos revisar o estudo e o manejo desse cenário.

Complicações de IOT

A IOT no paciente crítico é um procedimento associado a uma alta taxa de complicações. Dados do estudo INTUBE publicado em 2021 ajudam a dimensionar esse problema [2]. Mais de 2900 intubações em 29 países diferentes foram analisadas. Eventos adversos graves ocorreram em 45% dos procedimentos, entre eles:

  • Instabilidade hemodinâmica em 42%
  • Hipoxemia grave em 9%
  • Parada cardiorrespiratória em 3%

Via aérea fisiologicamente difícil

O paciente crítico possui várias vulnerabilidades fisiológicas que predispõem a complicações no período de peri-intubação. Por mais que a via aérea não apresente dificuldades anatômicas e a IOT seja rápida e suave, se os parâmetros fisiológicos não forem otimizados, eventos adversos graves podem ocorrer.

Considerando esse problema, alguns especialistas em via aérea de emergência sugerem que existem dois tipos de via aérea difícil (VAD): anatômica e fisiológica. A VAD anatômica ocorre por anormalidades que dificultam a laringoscopia, como redução da abertura da boca, trauma facial, rigidez cervical e outros. Já a VAD fisiológica ocorre por estressores clínicos que propiciam eventos adversos. Existem quatro cenários bem descritos de VAD fisiológica:

  • Hipotensão grave
  • Hipoxemia refratária
  • Acidose grave
  • Insuficiência de ventrículo direito

Dessas, uma das mais comuns é a hipotensão grave. Será que o bolus de fluido seria capaz de tornar uma IOT com hipotensão mais segura?

O que a nova evidência acrescenta

O estudo PREPARE II avaliou se a infusão de 500 ml de uma solução cristalóide seria capaz de reduzir a incidência de complicações no período de peri-intubação. Foram randomizados 1067 pacientes para a infusão de fluido ou não. O desfecho primário foi colapso cardiovascular, definido como uma composição de: início ou incremento de droga vasoativa, pressão sistólica menor que 65 mmHg, parada cardiorrespiratória ou morte.

O critério de inclusão envolveu estar recebendo pressão positiva entre a indução anestésica e a laringoscopia. Esse ponto foi utilizado para selecionar pacientes com maior chance de se beneficiar da intervenção. A pressão positiva reduz o retorno venoso, aumentando a chance de a hipotensão responder ao fluido.

Não houve diferença no desfecho primário entre os grupos. Esse achado coloca em cheque a recomendação de várias diretrizes de infusão de fluido para prevenir colapso hemodinâmico no peri-intubação.

Manejo de instabilidade hemodinâmica na IOT

O shock index (SI) pode ajudar a prever a ocorrência de instabilidade hemodinâmica. A fórmula do SI é:

Shock index = frequência cardíaca / pressão arterial sistólica

Um SI maior que 0,8 aumenta a chance de instabilidade após a IOT [3].

As drogas vasoativas (DVA) são uma importante medida na garantia de segurança. Idealmente devem ser iniciadas antes do procedimento, já que a preparação da bomba de infusão leva tempo. A DVA pode ser infundida em um acesso periférico caso as condições clínicas não permitam a aquisição de um acesso venoso central antes da IOT.

Caso a deterioração hemodinâmica seja extrema e rápida, é possível tentar doses de DVA em bolus enquanto a bomba de infusão está sendo preparada. Uma possibilidade é diluir uma ampola de 1 mg de adrenalina em uma bolsa de 100 ml de soro e realizar bolus de 1 a 2 ml da solução.

Qualquer sedativo pode agravar a hipotensão, devendo-se preferir etomidato ou quetamina, pois o efeito hipotensor dessas medicações é menor. A dose do sedativo pode ser reduzida pela metade para garantir mais segurança [4].

Câncer de Reto e Inibidores de Checkpoint

Criado em: 18 de Julho de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

As medicações antineoplásicas conhecidas como inibidores de checkpoint concederam o prêmio Nobel ao seus descobridores em 2018. Um estudo publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) em junho de 2022 encontrou resultados animadores desses fármacos no manejo do câncer de reto [1]. Aproveitando a publicação, vamos rever o tema.

O que são inibidores de checkpoint

Inibidores de checkpoint são uma classe de antineoplásicos utilizada em várias malignidades diferentes. Essas medicações atuam nas vias que impedem que o sistema imune ataque o próprio corpo. As nossas células têm pontos de controle (checkpoints) que freiam os leucócitos, evitando um auto-ataque. Através desse mecanismo, algumas neoplasias superexpressam os checkpoints, dificultando a destruição das células neoplásicas pelo sistema imune.

Tabela 1
Neoplasias que possuem tratamento com inibidor de Checkpoint PD-1 e PDL-1 aprovados pelo FDA
Neoplasias que possuem tratamento com inibidor de Checkpoint PD-1 e PDL-1 aprovados pelo FDA

Um desses checkpoints é a PD1 (do inglês, programmed cell death protein 1). O seu bloqueio é um dos mais explorados, com aplicações para melanoma, neoplasia de pulmão não pequenas células e pequenas células, carcinoma urotelial e outros mais.

A Food and Drug Administration (FDA) aprovou algumas drogas inibidoras de PD-1:

  • Pembrolizumabe (Keytruda)
  • Nivolumabe (Opdivo)
  • Cemiplimabe (Libtayo)
  • Dostarlimabe (Jemperli)

Também estão disponíveis fármacos para outro checkpoint relacionado, o PD-L1 (do inglês, programmed cell death ligant protein 1):

  • Atezolizumab (Tecentriq)
  • Avelumab (bavencio)
  • Durvalumab (Imfinzi)

Por que o estudo foi feito?

O adenocarcinoma de reto localmente avançado é tratado com uma estratégia multimodal, utilizando quimioterapia neoadjuvante e em seguida radioterapia e cirurgia. A resposta completa é atingida em 25% dos pacientes. Essa terapia traz consigo alguns efeitos adversos como incontinência urinária e fecal, infertilidade e até possíveis sequelas como necessidade de colostomia permanente.

Um subgrupo de neoplasias colorretais possui deficiência no reparo de incompatibilidade (mismatch) do DNA. Isso resulta em uma alta carga de mutações e instabilidade nos microssatélites (unidades de repetição do DNA). Esses pacientes têm menos resposta a quimioterapia e radioterapia. Ao selecionar apenas tumores de reto que apresentavam instabilidade de microssatélites, os inibidores PD1 apresentaram boa resposta em pacientes com metástase [2].

Na tentativa de otimizar a taxa de cura e minimizar efeitos adversos, esse estudo de fase 2 avaliou a resposta de pacientes com neoplasia de reto localmente avançado (estágios 2 e 3), mas sem metástase, ao inibidor de PD1 dostarlimab. Apenas pacientes com defeitos de reparo de mismatch foram incluídos.

Como foi feito o estudo e o que ele encontrou?

O protocolo do artigo envolve o uso inicial de dostarlimab, seguido de radioterapia associado com capecitabina, depois a ressecção cirúrgica. Caso o paciente apresentasse sinais clínicos, endoscópicos e radiológicos (ressonância magnética) de resposta clínica antes de alguma etapa do tratamento, a radioterapia ou a cirurgia eram suspensas.

Além de presença de metástases, foram excluídos pacientes que já receberam tratamento prévio e aqueles com escore ECOG (do inglês, Eastern Cooperative Oncology Group) maior ou igual a 2 (ver tabela 2). Considerando os efeitos colaterais do medicamento, também foram excluídos pacientes com doenças autoimunes, infecção ativa ou uso de outro imunossupressor nos últimos 7 dias.

Tabela 2
ECOG Performance status scale
ECOG Performance status scale

Dezesseis pacientes foram selecionados para receber o medicamento, sendo que apenas 12 receberam o tratamento completo com dostarlimab por 6 meses. Os outros 4 ainda estavam recebendo o tratamento durante a publicação do estudo. Nesses 12 pacientes, a resposta clínica foi de 100%. Desses, nenhum chegou a realizar o resto do protocolo, não sendo feitas radioterapia ou cirurgia.

A medicação resolveu os sintomas de sangramento, constipação e dor abdominal de forma rápida: 81% dos pacientes apresentaram melhora completa em 9 semanas de tratamento. Não houve eventos adversos graves no período estudado.

O grande problema do estudo é seu tamanho muito reduzido. Contudo, esses resultados já são suficientes para motivar estudos maiores e multicêntricos. O tempo de seguimento também é uma questão, já que apesar de uma resposta satisfatória inicial, o tumor pode voltar a progredir após um período mais longo de seguimento.