Eletrocardiograma nos Distúrbios Eletrolíticos

Criado em: 05 de Agosto de 2024 Autor: Lucca Cirillo

Os principais distúrbios eletrolíticos que afetam o eletrocardiograma (ECG) são os distúrbios do potássio, cálcio e magnésio [1]. Essas alterações vão desde achados clinicamente insignificantes até arritmias ameaçadoras à vida. O ECG fornece informações imediatas e respalda condutas de emergência, sem necessidade de aguardar os resultados laboratoriais. O tópico Eletrocardiograma nos Distúrbios Eletrolíticos revisa os principais achados eletrocardiográficos nestas condições.

Hipocalemia

As principais alterações do ECG relacionadas à hipocalemia e sua relação com a gravidade do distúrbio são [1-3]: 

  • Achatamento ou inversão da onda T: achado mais precoce, podendo se pronunciar conforme progressão da hipocalemia; 
  • Infradesnivelamento de ST
  • Prolongamento do intervalo PR e discreto aumento da onda P;
  • Onda U proeminente: A onda U é uma onda de baixa amplitude e baixa frequência que ocorre após o fim da onda T. Na maioria dos indivíduos, ela é ocultada pela onda T e não é observada. Sua ocorrência pode estar associada a bradicardia e hipocalemia. Em hipocalemia grave (K < 2,5), sua amplitude pode ultrapassar a da onda T ou ser confundida com um falso alargamento do intervalo ST; 
  • Prolongamento do intervalo QTc
  • Arritmias: podem ocorrer como consequência do prolongamento do intervalo QT, como torsade de pointes e arritmias ventriculares que podem evoluir para ritmo de parada cardiorrespiratória (PCR) - fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sem pulso. 

A figura 1 expõe a morfologia dos principais achados do ECG associados à hipocalemia. A ocorrência de arritmias ou sintomas relacionados à hipocalemia indica a correção imediata do distúrbio como descrito no tópico "Reposição de Potássio". 

Figura 1
Alterações eletrocardiográficas na hipocalemia.
Alterações eletrocardiográficas na hipocalemia.

Um estudo publicado no Journal of Internal Medicine em 2024 avaliou uma coorte multicêntrica europeia com 80 mil adultos no departamento de emergência. Alterações no ECG foram encontradas em 40% dos pacientes com hipocalemia, sendo as mais comuns inversão/achatamento de onda T, infradesnivelamento de ST, prolongamento do intervalo QTc e aumento da frequência cardíaca (FC > 100 bpm). A ocorrência de hipocalemia esteve associada com aumento do risco para mortalidade em 7 dias, admissão em UTI e arritmias ventriculares/PCR. Quando ajustado para potenciais confundidores, apenas a frequência cardíaca maior que 100 bpm foi associada com piores desfechos e não outras alterações no ECG. Esses achados sinalizam que alterações de ECG por hipocalemia são frequentes, porém não são bons preditores de mortalidade e gravidade. Além disso, o aumento da frequência cardíaca possivelmente esteve relacionado a doença aguda e não necessariamente com os níveis de potássio [4].

Hipercalemia

As principais alterações eletrocardiográficas da hipercalemia são observadas com níveis acima 5,5 mEq/L. Um padrão pouco consistente de surgimento das alterações é descrito, se correlacionando com o aumento do potássio sérico da seguinte maneira (figura 2):

  • Onda T em “tenda”: costuma ser a primeira manifestação, ocorrendo proeminência da onda T e simetria na porção ascendente e descendente
  • Aumento do intervalo PR
  • Alargamento do QRS
  • Desaparecimento da onda P
  • Bloqueios de condução: Pode se manifestar como bloqueios átrio-ventriculares, fasciculares e de ramo, levando à bradiarritmias;
  • Padrão senoidal: antecede a fibrilação ventricular e assistolia.
Figura 2
Alteração eletrocardiográficas na hipercalemia.
Alteração eletrocardiográficas na hipercalemia.

Apesar da descrição clássica da progressão das alterações do ECG conforme os níveis de hipercalemia, esses achados nem sempre acompanham a elevação do potássio. Uma lenta instalação da hipercalemia e distúrbios simultâneos (como alcalose, hipernatremia e hipercalcemia) podem amenizar os achados eletrocardiográficos [1]. Nos pacientes com DRC a avaliação do ECG é ainda mais limitada, já que nesse grupo níveis séricos ameaçadores podem se instaurar sem quaisquer alterações eletrocardiográficas [5].

A sensibilidade e especificidade destes achados também tem limitações. A onda T “apiculada”, por exemplo, pode ter outras causas, como isquemia e hipertrofia ventricular [6, 7]. A presença de alterações eletrocardiográficas no contexto de hipercalemia sinaliza gravidade, quase sempre precedendo uma arritmia grave. No tópico sobre "Urgências Dialíticas", o manejo da hipercalemia na emergência é revisado.

Distúrbios do cálcio

A principal alteração do ECG na hipocalcemia é o prolongamento do intervalo QTc [8]. Esse prolongamento pode aumentar o risco de arritmias ventriculares, como torsades de pointes. Contudo, arritmias graves induzidas por hipocalcemia são incomuns [9]. O desenvolvimento de arritmias geralmente é associado com outras comorbidades, como doença cardíaca estrutural, isquemia ou uso de medicamentos (como digitálicos). Sintomas graves indicam a reposição imediata de sais de cálcio via intravenosa. 

O efeito da hipercalcemia no ECG é o oposto da hipocalcemia, levando ao encurtamento do intervalo QTc [10]. Arritmias clinicamente significantes associadas com hipercalcemia também são raras. É descrito a ocorrência de bradiarritmias e até alterações como ocorrência de ondas J (achado classicamente relacionado com hipotermia) [11, 12]. A hipercalcemia da malignidade é a principal causa de hipercalcemia grave e o tratamento foi abordado no tópico "Tratamento de Hipercalcemia da Malignidade".

Figura 3
Alterações eletrocardiográficas nos distúrbios do cálcio.
Alterações eletrocardiográficas nos distúrbios do cálcio.

A figura 3 traz a morfologia dos principais achados do ECG associados aos distúrbios do cálcio.

Distúrbios do magnésio

Não há uma alteração única do ECG que pode ser atribuída especificamente ao magnésio. Algumas taquicardias supraventriculares e ventriculares estão associadas aos distúrbios do magnésio, principalmente hipomagnesemia [13]. Os principais exemplos são as taquicardias ventriculares polimórficas e torsades de pointes, em que a reposição de magnésio também é o tratamento de escolha para esta arritmia [14]. 

Não há evidências que associam diretamente hipomagnesemia com alargamento do intervalo QT, porém a American Heart Association (AHA) recomenda a monitorização dos níveis de magnésio sérico durante o uso de medicamentos de alarguem o QT [15]. Outra recomendação é a monitorização da magnesemia e potassemia para prevenção e manejo de arritmias ventriculares e morte súbita de causa cardíaca [16, 17]. O tópico "Hipomagnesemia" revisa a etiologia, sintomas e tratamento dessa condição.

Tabela 1
Achados eletrocardiográficos associados com distúrbios eletrolíticos.
Achados eletrocardiográficos associados com distúrbios eletrolíticos.

Distúrbios simultâneos podem ocorrer e a interação entre os eletrólitos pode fazer com que um distúrbio agrave outro. A tabela 1 resume os principais achados do ECG de cada distúrbio eletrolítico. A figura 4 é um resumo dos principais intervalos e ondas avaliadas em um exemplo de ECG normal.

Figura 4
Principais intervalos e ondas do eletrocardiograma.
Principais intervalos e ondas do eletrocardiograma.

Tratamento de Tabagismo no Paciente Internado

Criado em: 05 de Agosto de 2024 Autor: Joanne Alves Moreira

A hospitalização é uma oportunidade para a cessação do tabagismo, mas a manutenção da abstinência após a alta é um desafio. Uma revisão da Cochrane de maio de 2024 avaliou os efeitos das diferentes estratégias de cessação de tabagismo em pacientes hospitalizados [1]. Este tópico abordará dependência e abstinência à nicotina, assim como os tratamentos disponíveis.

Oportunidade de mudança do estilo de vida

Oferecer tratamento para a cessação do tabagismo no hospital aumenta as taxas de abstinência a longo prazo após a alta. Um estudo avaliou a manutenção da cessação em pacientes que receberam terapia de reposição de nicotina (TRN) durante a internação e a prescrição de medicamentos na alta. O recebimento de TRN durante a internação e a alta com um plano de cuidados foram independentemente associados com manutenção do tratamento um mês após a internação [2]. A abstinência durante a internação foi um forte indicador de abstinência após a alta [3]. Os principais preditores da cessação do tabagismo em pacientes internados estão disponíveis na tabela 1 [4]. 

Tabela 1
Principais preditores da cessação do tabagismo em pacientes internados.
Principais preditores da cessação do tabagismo em pacientes internados.

Em maio de 2024, a Cochrane publicou a atualização da revisão que avalia efeitos de qualquer tipo de programa de cessação do tabagismo para pacientes internados [1]. Foram incluídos 82 estudos nesta atualização. Os achados reforçam as intervenções realizadas atualmente e serão discutidos ao longo do tópico.

Dependência e abstinência ao tabagismo

O diagnóstico de dependência à nicotina é clínico, baseado no autorrelato do paciente. Os critérios diagnósticos estão disponíveis na tabela 2 (e no protocolo clínico e diretrizes terapêuticas do tabagismo do ministério).

Tabela 2
Diagnóstico de dependência à nicotina.
Diagnóstico de dependência à nicotina.

O grau de dependência é avaliado pelo teste de Fagerström (tabela 3). O teste tem seis perguntas, com escore variando de zero a dez. Pacientes com pontuação acima de seis têm maior grau de dependência nicotínica e podem ter sintomas da síndrome de abstinência [5]. 

Tabela 3
Teste de Fagerström para dependência à nicotina.
Teste de Fagerström para dependência à nicotina.

Os sintomas da síndrome de abstinência de nicotina incluem ansiedade, irritabilidade, depressão, insônia, dificuldade de concentração e aumento do apetite [6]. Pacientes críticos com síndrome de abstinência apresentam maiores índices de agitação e retirada inadvertida de dispositivos, além de maior necessidade de sedativos, analgésicos, neurolépticos e contenções físicas. No entanto, não parece haver diferença no tempo de permanência e na mortalidade na UTI [7]. 

A avaliação dos sintomas de síndrome de abstinência deve ser contínua e várias escalas podem ser utilizadas [8]. Um exemplo é a Wisconsin Smoking Withdrawal Scale (WSWS) - em tradução livre, escala de abstinência ao tabagismo de Wisconsin, já validada em português [9]. 

A síndrome de abstinência de nicotina difere da síndrome de abstinência alcoólica. A abstinência alcoólica pode ter manifestações graves como convulsões tônico-clônicas generalizadas, delirium tremens e até morte se não tratada, manifestações não descritas na síndrome de abstinência a nicotina [10]. O tratamento do transtorno por uso de álcool foi abordado no tópico "Baclofeno para Transtorno por Uso de Álcool".

Terapia não farmacológica e terapia de reposição de nicotina (TRN)

A abordagem é composta pela intervenção comportamental associada ao tratamento farmacológico [11]. As intervenções comportamentais incluem materiais escritos contendo orientações sobre como parar de fumar, programas de terapia em grupo com várias sessões ou sessões de aconselhamento individual baseadas na terapia cognitivo-comportamental [12].  

A revisão da Cochrane de 2024 encontrou que intervenção hospitalar com aconselhamento estruturado com duração maior que 15 minutos e continuação por mais de um mês após a alta aumentou a taxa de cessação do tabagismo [1]. 

Existem duas apresentações de nicotina no SUS: liberação lenta (adesivo transdérmico) e liberação rápida (goma e pastilha). A TRN é iniciada quando o paciente cessa o tabagismo. TRN combinada (formas lenta e rápida de liberação de nicotina) é a abordagem preferencial pela maior taxa de manutenção de cessação a longo prazo quando comparada com TRN isolada (uso de apenas forma lenta ou rápida de liberação de nicotina) [13, 14]. 

O adesivo de nicotina deve considerar 1 mg de nicotina para cada cigarro fumado. Apesar do Ministério da Saúde recomendar a dose máxima de 42 mg/dia, uma revisão da Cochrane de 2023 encontrou respostas semelhantes com uso de adesivos de 21 e 22 mg/dia comparados aos adesivos de 42 e 44 mg/dia [13]. Não é indicado o uso de adesivo em pacientes com consumo de até 5 cigarros/dia. Deve-se iniciar com goma ou pastilha e não ultrapassar 5 unidades ao dia. Outras orientações do tratamento farmacológico estão disponíveis na tabela 4 e tabela 5.

Tabela 4
Tratamento farmacológico da cessação de tabagismo.
Tratamento farmacológico da cessação de tabagismo.

A evidência disponível sugere que a TRN é segura em pacientes internados [15]. Um estudo publicado no JAMA em 2018 avaliou o risco de evento cardiovascular associado às opções de tratamento farmacológico da cessação. A incidência de eventos cardiovasculares durante o tratamento e o acompanhamento foi baixa e não houve diferença significativa entre os tratamentos [16]. Em pacientes submetidos à revascularização coronariana, American Heart Association (AHA) recomenda a combinação de intervenções comportamentais e farmacoterapia durante a hospitalização e na alta para potencializar a cessação [17].  

Tabela 5
Orientações de uso das terapias de reposição de nicotina.
Orientações de uso das terapias de reposição de nicotina.

A revisão da Cochrane de 2024 encontrou que a TRN foi superior ao placebo/ausência de tratamento na cessação do tabagismo [1].

Medicamentos sem nicotina

A bupropiona é uma opção em pacientes com contraindicação ao uso de TRN. Em pacientes tabagistas com depressão como comorbidade, a medicação também pode ser considerada pelo potencial de benefício nas duas condições. A dose inicial é de 150 mg/dia, preferencialmente pela manhã. Uma das contraindicações absolutas para o uso de bupropiona é a epilepsia e as demais contraindicações estão na tabela 4. A revisão da Cochrane de 2024 aponta que a evidência da bupropiona em pacientes hospitalizados é incerta, com um benefício modesto na melhor das hipóteses [1]. 

Outra opção é a vareniclina (Champix®), um agonista parcial do receptor de nicotina, reduzindo a fissura e bloqueando o efeito recompensador da nicotina [18].O efeito adverso mais comum é náusea, mas geralmente desaparece com o tempo. A vareniclina não está disponível no SUS e está fora de comercialização no Brasil.

Uma revisão da Cochrane de 2023 descreveu maior probabilidade de parar de fumar com uso de vareniclina do que usando bupropiona ou TRN [19]. A revisão da Cochrane de 2024 encontrou maior probabilidade de cessação em pacientes hospitalizados com a vareniclina comparado com placebo ou ausência de tratamento, porém com evidência de menor qualidade [1]. 

Nortriptilina e clonidina são consideradas opções de segunda linha no tratamento farmacológico. A nortriptilina foi superior ao placebo na manutenção da abstinência ao tabagismo, porém a associação com TRN não foi mais eficaz que usar apenas TRN [20].

Na alta hospitalar, deve-se encaminhar os pacientes para cuidados nos grupos de cessação do tabagismo. Quanto ao manejo ambulatorial, confira o episódio 205 sobre cessação do tabagismo.

Diagnóstico de Espondiloartrites

Criado em: 05 de Agosto de 2024 Autor: Letícia Dal Moro Angoleri

Em janeiro de 2024, o Annals of the Rheumatic Diseases publicou novos resultados da coorte SPACE (SPondyloArthritis Caught Early) [1]. Esse estudo avalia as propriedades diagnósticas dos sinais, sintomas e exames complementares da investigação de espondiloartrites, especificamente nos pacientes com dor lombar crônica há menos de dois anos. O tópico “Diagnóstico de espondiloartrites" revisa o que são as espondiloartrites, a apresentação clínica e os principais exames complementares.

⁠Quais são as espondiloartrites?

As espondiloartrites (EpAs) são doenças inflamatórias com acometimento do esqueleto axial (vértebras e articulações sacroilíacas), esqueleto periférico (joelhos, tornozelos, entre outros), e extra-esquelético, como sintomas intestinais, oculares e cutâneos [2]. O grupo inclui espondilite anquilosante, artrite reativa, artrite psoriásica e artrite associada a doença inflamatória intestinal. São também denominadas espondiloartropatias "soronegativas", por serem artropatias inflamatórias com fator reumatoide (FR) negativo [3].

Fluxograma 1
Classificação das espondiloatrites.
Classificação das espondiloatrites.

As EpAs são divididas em axiais e periféricas conforme a predominância dos sintomas (fluxograma 1). As axiais são caracterizadas por dor lombar crônica e novamente divididas em dois grupos: radiográfica (quando há evidência de sacroileíte na radiografia comum) e não-radiográfica (quando a inflamação é vista apenas pela ressonância magnética). Essa divisão provavelmente representa um espectro da doença e não modifica o tratamento. A espondiloartrite axial radiográfica é também chamada de espondilite anquilosante. Já as periféricas são caracterizadas por sintomas extra-axiais, principalmente entesite, dactilite ou artrite periférica. Podem se manifestar em associação com psoríase, doença inflamatória intestinal (DII) e infecções, mas também ocorrem sem outra doença subjacente [4].

Clínica e exame físico

O sintoma cardinal das espondiloartrites axiais é a dor lombar crônica (> 3 meses) com surgimento antes dos 40 a 45 anos. A dor lombar pode ter características inflamatórias, como piora à noite, alívio com exercício e rigidez matinal. Há diferentes métodos para classificar uma dor como inflamatória (tabela 1). 

Tabela 1
Ferramentas para classificação de dor lombar inflamatória.
Ferramentas para classificação de dor lombar inflamatória.

Dor lombar de padrão inflamatório não é um achado patognomônico de espondiloartrite, mas sua ausência reduz a probabilidade desse diagnóstico [5]. Na coorte SPACE, 76% dos pacientes com diagnóstico definitivo de espondiloartrites tinham dor lombar inflamatória. Contudo, 54% dos pacientes sem EpA também apresentavam o sintoma

A remissão completa da dor em até 48 horas após uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) é classicamente considerada um marcador de lombalgia inflamatória das espondiloartrites. Apesar disso, um estudo publicado em 2024 no “Journal of Rheumatology” mostrou não haver diferença de resposta ao uso de AINE entre pacientes com EpA e sem EpA [6]. 

As espondiloartrites periféricas são assim chamadas pela predominância dos sintomas extra-axiais no quadro clínico, mas existe sobreposição de sintomas axiais e extra-axiais nas duas patologias. Os sintomas extra-axiais principais são dactilites, entesites e artrites em grandes articulações como joelhos, tornozelos, ombros, cotovelos.

Em associação com espondiloartrites axiais e periféricas, várias manifestações extra-esqueléticas e doenças coexistentes podem ocorrer. Uveíte, psoríase e doença inflamatória intestinal (retocolite ulcerativa, doença de Crohn) são exemplos. Mais detalhes estão na tabela 2

Tabela 2
Quadro clínico extra-axial das espondiloartrites.
Quadro clínico extra-axial das espondiloartrites.

No exame físico, os testes de redução de mobilidade apresentam baixa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de espondiloartrite [5], especialmente em casos de início recente. Podem ser aplicados no seguimento de pacientes já diagnosticados.

Exames complementares

A radiografia anteroposterior de coluna lombossacral é o principal e primeiro exame a ser solicitado na investigação. A presença de sinais de sacroileíte com quadro de dor lombar inflamatória em pacientes com menos de 45 anos confirma o diagnóstico de EpA axial [4]. As principais alterações associadas com sacroileíte são erosões e esclerose subcondrais, que podem evoluir para anquilose total (fusão das estruturas ósseas de uma articulação). Na coorte SPACE envolvendo pacientes com dor lombar a menos de dois anos, 23% dos pacientes com EpA definitiva tinham alterações radiográficas. Por outro lado, nenhum paciente sem EpA tinha esse exame alterado [1]. A tabela 3 detalha os diferentes graus de sacroileíte na radiografia.

Tabela 3
Classificação radiográfica para sacroileíte.
Classificação radiográfica para sacroileíte.

Vários pacientes com EpAs axiais não apresenta alterações na radiografia comum, já que esses achados se restringem a doença mais avançada. Nesses casos a avaliação pode ser feita com ressonância magnética (RM) [7]. A RM de sacroilíaca alterada apresenta edema subcondral ou periarticular da medula óssea nas articulações sacroilíacas, principalmente nas sequências T2 e STIR (short tau inversion recovery), em dois ou mais cortes contínuos ou em dois ou mais locais no mesmo corte da imagem. Edema ósseo em sacro ou ílio é preditor independente para EpA [4]. Na suspeita de doença periférica, a RM de grandes articulações pode mostrar entesites, sinovites, bursites e tendinites.

A tomografia computadorizada sem contraste é indicada na avaliação de fraturas no paciente já diagnosticado com EpA e como exame substituto da RM durante a investigação de EpA. A adição de contraste IV não acrescenta em sensibilidade no exame e não é recomendada [7]. 

O HLA-B27 é encontrado em mais de 75% dos pacientes com EpAs axiais radiográficas, não radiográficas e periféricas, mas sua positividade não é patognomônica do diagnóstico. Na coorte SPACE, 12% dos pacientes sem EpA definitiva tinham positividade do HLA-B27 [1]. A negatividade do HLA-B27 diminui a probabilidade do diagnóstico de espondiloartrites em pacientes com dor lombar, especialmente se não houver alterações de imagem. Contudo, não exclui o diagnóstico [5]. 

Critérios de classificação

Os critérios da Assessment of SpondyloArthritis International Society (ASAS) de 2009 para as espondiloartrites predominantemente axiais e de 2011 para as predominantemente periféricas estão na tabela 4. A utilidade principal é no contexto de pesquisa e não devem ser utilizados como definidores exclusivos de diagnóstico.   

Tabela 4
Critérios diagnósticos da ASAS para espondiloartropatias.
Critérios diagnósticos da ASAS para espondiloartropatias.

O algoritmo de Berlin modificado foi publicado em 2013 e baseado em dados iniciais da coorte SPACE e da coorte ASAS (fluxograma 2). Apresenta maior utilidade e aplicabilidade para o diagnóstico das EpAs do que os critérios diagnósticos. O algoritmo é baseado nas razões de verossimilhança (RV) das alterações clínicas e em exames complementares das duas coortes para definir a linha diagnóstica.

Fluxograma 2
Algoritmo de Berlim modificado para diagnóstico de espondiloartropatias.
Algoritmo de Berlim modificado para diagnóstico de espondiloartropatias.