Diretriz de Hemorragia Subaracnóidea Aneurismática da AHA/ASA

Criado em: 02 de Setembro de 2024 Autor: João Urbano

A hemorragia subaracnoidea aneurismática (HSAa) é o terceiro evento cerebrovascular mais comum, após AVC isquêmico e AVC hemorrágico parenquimatoso. Em maio de 2023, foi publicada a diretriz de HSA da American Heart e American Stroke Association (AHA/ASA)[1]. O tópico "Diretriz de Hemorragia Subaracnoidea Aneurismática da AHA/ASA" revisa o diagnóstico, classificação e tratamento da doença.

Diagnóstico de HSA

Hemorragia subaracnoide (HSA) é um sangramento para o espaço subaracnoideo. A ruptura espontânea de aneurismas cerebrais é a causa de HSA em até 85% dos pacientes [1], 

HSA é uma suspeita na ocorrência de cefaleia súbita e intensa, também conhecida como cefaleia thunderclap ou “em trovoada”. Frequentemente, esse tipo de dor é relatada como “a pior dor de cabeça da vida”. Esse padrão de cefaleia pode ter outras causas e não é patognomônico de HSA. Perda de consciência, rigidez de nuca e déficit neurológico focal também podem estar presentes. Crises epilépticas ocorrem em 6% dos pacientes à admissão.

O exame de escolha para avaliação inicial é a tomografia de crânio (TC) sem contraste. Esse exame identifica sangramentos com sensibilidade de até 100% se realizada nas primeiras 6 horas do início dos sintomas [2]. O principal achado da tomografia é a presença de sangue, visualizado como uma imagem hiperdensa preenchendo os sulcos cerebrais ou os espaços liquóricos.

Em pacientes com mais de 6 horas do início dos sintomas e com TC de crânio duvidosa ou negativa, a punção lombar está indicada. O achado que sugere HSA é a xantocromia e presença de hemácias no liquor. Um confundidor comum é o acidente de punção, que também pode resultar em hemácias no liquor. Duas dicas ajudam a diferenciar essas duas condições: 

  1. Na HSA, a coloração amarelada (xantocromia) é presente durante toda a coleta, sem diferença entre os tubos coletados (figura 1). Já no acidente de punção é esperado que a coloração predomine nos primeiros tubos.
  2. A presença de macrófagos hemáticos sugere HSA, sendo um reflexo da presença de sangue no espaço liquórico por tempo prolongado. Em acidentes de punção, geralmente não há esse achado.
Figura 1
Amostra de liquor de aspecto xantocrômico.
Amostra de liquor de aspecto xantocrômico.

Após o diagnóstico de HSA, é necessário avaliar a causa do sangramento. A etiologia mais comum de HSA é ruptura de aneurisma intracraniano e os principais sítios são a artéria cerebral anterior, a cerebral média e as artérias comunicantes. Para investigar a presença de um aneurisma, os exames complementares de escolha são a angiotomografia (angioTC) de crânio e a angiografia cerebral por cateter. Ambas têm boa acurácia diagnóstica, com a angiografia por cateter ainda permanecendo o exame padrão-ouro. 

A angiorressonância magnética deve ser reservada para pacientes com contraindicações aos outros exames, pois tem menor acurácia diagnóstica, alto custo e difícil acesso.

Tabela 1
Diagnósticos diferenciais para hemorragia subaracnóidea (HSA) não aneurismática.
Diagnósticos diferenciais para hemorragia subaracnóidea (HSA) não aneurismática.

Caso a investigação não encontre um aneurisma que justifique a HSA, é necessário buscar outras etiologias. A tabela 1 resume as principais causas e pistas clínicas de motivos não aneurismáticos para HSA.

Classificação de HSA e tratamento inicial

A primeira etapa na condução de um paciente com HSA é estabelecer o prognóstico por escalas padronizadas expostas na tabela 2. Todos os pacientes com HSA devem ser internados em UTI. Esses pacientes têm alta incidência de complicações precoces e tardias, sistêmicas e neurológicas, além de necessitarem de cuidados especializados e multidisciplinares que apenas a UTI pode fornecer. 

Tabela 2
Principais escalas utilizadas no acompanhamento da hemorragia subaracnóidea (HSA).
Principais escalas utilizadas no acompanhamento da hemorragia subaracnóidea (HSA).

Pacientes com discrasia sanguínea ou em uso de anticoagulantes devem corrigir imediatamente o distúrbio de coagulação, ou receber o respectivo antídoto ("Manejo de Sangramento Maior em Pacientes em Uso de Anticoagulante Oral"). Cerca de 30% dos pacientes podem apresentar aumento de troponina, arritmias e disfunção ventricular. Uma parcela menor de pacientes (até 5%) apresenta disfunção ventricular grave com repercussão hemodinâmica. Síndrome da antidiurese inapropriada (SIAD) ("Síndrome da Antidiurese Inapropriada (SIAD)") e síndrome cerebral perdedora de sal podem ocorrer em até 44% dos pacientes com HSA. 

Controle de pressão arterial 

Pacientes com HSA aneurismática e que ainda não abordaram o aneurisma, devem ter monitorização frequente da PA para evitar variabilidade pressórica. Tanto hipertensão como hipotensão são deletérias. A diretriz não faz recomendação de alvo específico de PA, mas recomenda infusão de vasodilatador intravenoso, visando à diminuição pressórica gradual, quando a pressão sistólica permanece acima de 180 mmHg. Já a pressão arterial média deve ser mantida acima de 65 mmHg.

Prevenção e tratamento de complicações da HSA

A abordagem cirúrgica ou endovascular do aneurisma deve ser realizada o mais rápido possível, preferencialmente em até 24 horas. As principais opções terapêuticas são a clipagem, realizada por cirurgia aberta, ou a embolização, realizada via endovascular.

Vasoespasmo e isquemia cerebral tardia

A principal complicação relacionada à HSAa é a isquemia cerebral tardia, que ocorre em até 30% dos pacientes. A incidência é maior entre 4 e 14 dias após a HSA, com pico na primeira semana. O vasoespasmo é considerado a principal causa de isquemia cerebral tardia e é caracterizado por uma estenose de artérias cerebrais. Acredita-se que o vasoespasmo ocorra pela liberação de substâncias durante a lise de sangue no espaço subaracnoide [3].

A suspeita de isquemia cerebral tardia surge quando ocorre piora neurológica [4]. A piora é definida como redução de dois ou mais pontos na escala de coma de Glasgow, ou aparecimento de um novo sinal neurológico focal com duração de pelo menos uma hora, que não seja atribuído a outras causas. Exames para pesquisa de vasoespasmo, como doppler transcraniano (DTC) ou angioTC intracraniana, devem ser realizados. Eletroencefalograma contínuo e TC com protocolo de perfusão também podem ser utilizados, mas são pouco disponíveis. No caso de exame neurológico limitado por coma, o DTC pode ser utilizado para rastreio de vasoespasmo. 

O nimodipino é a principal conduta para prevenir o vasoespasmo e a isquemia cerebral tardia. A droga deve ser prescrita para todos os pacientes com HSA aneurismática, idealmente nas primeiras 24 horas. A dose é de 60 mg por via oral ou sonda nasoenteral a cada 4 horas. Usar vasopressores para elevar a pressão arterial na tentativa de prevenir vasoespasmo não deve ser realizado, pois essa conduta resultou em piores desfechos.

O tratamento envolve manutenção da euvolemia e a diretriz pontua a indução de hipertensão com drogas vasoativas como uma intervenção razoável. Não há consenso sobre como a hipertensão deve ser induzida e a noradrenalina é uma das drogas mais usadas [5]. Essa terapia deve ser feita apenas após a abordagem do aneurisma. Em caso de piora sintomática persistente ou estenose de grandes vasos, pode ser considerada intervenção via endovascular (angioplastia ou vasodilatador intra-arterial). 

Crises epilépticas

Não é indicada a profilaxia primária de crises epilépticas. A prescrição de anticonvulsivantes por sete dias é recomendada como profilaxia secundária, ou seja, apenas se houver convulsão. A preferência é para fenitoína e levetiracetam. Veja mais sobre na revisão "Anticonvulsivantes".

Hidrocefalia

A hidrocefalia tem prevalência de 20 a 30% e pode ocorrer agudamente, nas primeiras 72 horas da HSA, ou tardiamente, após duas semanas do evento. A apresentação se dá com piora do nível de consciência e a TC mostra dilatação dos ventriculos cerebrais. A hidrocefalia aguda com deterioração clínica deve ser tratada com abordagem neurocirúrgica para derivação ventricular externa ou drenagem lombar de urgência. Enquanto os pacientes aguardam a derivação, a salina hipertônica pode ser utilizada para controlar a hipertensão intracraniana.

Em Tempo

Atualização de DPOC: GOLD 2024

Criado em: 02 de Setembro de 2024 Autor: João Mendes Vasconcelos

Anualmente é publicada a diretriz do Global Initiative for Chronic Obstrutive Lung Disease (GOLD), um programa internacional sobre a prevenção, diagnóstico e tratamento do paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). O GOLD 2023 foi coberto no Guia em uma revisão que pode ser conferida aqui ("Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica - GOLD 2023"). Este tópico traz as atualizações do GOLD 2024.

Condições precursoras de DPOC: pré DPOC e PRISm

O GOLD 2024 pontua novamente os conceitos de pré-DPOC e Preserved Ratio Impaired Spirometry (PRISm), situações precursoras de DPOC na história natural de alguns pacientes. 

Pré-DPOC representa pessoas de qualquer idade com sintomas respiratórios e/ou alterações estruturais pulmonares e/ou alterações funcionais, sem obstrução ao fluxo aéreo na espirometria. Esse grupo é heterogêneo, composto por pessoas com bronquite crônica, enfisema na tomografia ou alterações espirométricas que não atingem critérios de DPOC, e podem ou não evoluir para obstrução persistente ao fluxo de ar. Existe pouca evidência de qualidade para guiar a conduta nesses casos [2].

O termo PRISm define indivíduos com relação VEF1/CVF preservada (> 0,7 após broncodilatador), mas com espirometria alterada (VEF1 < 80% da referência após broncodilatador). A prevalência dessa condição fica em torno de 10% em pessoas expostas ao tabagismo [3]. PRISm está associada a um maior risco de doenças cardiopulmonares, hospitalizações e mortalidade [4]. Preditores de transição de PRISm para DPOC incluem VEF1 e VEF1/CVF mais baixos, idade avançada, sexo feminino e tabagismo ativo [5]. 

O significado clínico desses grupos é pouco definido e não se sabe a conduta adequada. Um estudo que testou o uso de broncodilatadores em pacientes sintomáticos com pelo menos 10 maços ano de tabagismo, porém sem critério espirométrico de DPOC, não encontrou benefício [6]. Contudo, a atenção para fatores de risco modificáveis, como tabagismo, deve ser reforçada nesse grupo.

Rastreio de DPOC

O impacto de DPOC não diagnosticado é grande e predomina em países de baixa e média renda [7]. Apesar disso, as evidências não apoiam o rastreio populacional de DPOC com espirometria e essa estratégia não é recomendada pelo United States Preventive Service Task Force [8]. Um dos argumentos contrários ao rastreio é que as intervenções para pacientes com obstrução leve ao fluxo de ar não parecem ter benefício. Além disso, pacientes com obstrução leve ao fluxo de ar, mas que são assintomáticos e não são tabagistas ativos, não apresentam a mesma queda progressiva de função pulmonar que pacientes sintomáticos ou tabagistas [9].

Por outro lado, existe evidência que a busca ativa de casos pode resultar em melhores desfechos [10]. A busca de casos seria uma estratégia mais direcionada do que o rastreio, focada em pessoas sintomáticas ou com risco aumentado para DPOC. Nesse sentido, dois grupos de interesse são: os pacientes elegíveis para rastreio de câncer de pulmão e os pacientes com anormalidades na TC de tórax. O rastreio de câncer de pulmão é recomendado em pessoas entre 50 e 80 anos com carga tabágica de pelo menos 20 maços/ano que são tabagistas ativas ou que pararam de fumar nos últimos 15 anos [11]. Anormalidades nos exames de imagem incluem enfisema, sinais de aprisionamento aéreo, espessamento das paredes brônquicas e impactação mucosa. O GOLD recomenda a espirometria direcionada para esses grupos para busca de casos de DPOC.

Eosinófilos e Anormalidades do Interstício Pulmonar

O GOLD 2024 dedica um subtópico para a contagem de eosinófilos na periferia. A contagem de eosinófilos se correlaciona com exacerbações futuras e com a capacidade do corticoide inalatório (ICS) de reduzir essas exacerbações [12]. Os valores para guiar a avaliação são os seguintes:

  • Exacerbações e > 300 eosinófilos/microL: resposta boa ao ICS é provável. Deve-se considerar como terapia inicial o ICS associado a beta agonista e antimuscarínico de longa ação (LABA e LAMA), preferencialmente em um único inalador. A retirada de ICS nessa população aumenta o risco de exacebações [13]. 
  • Exacerbações e valores entre 100 e 300 eosinófilos/microL: resposta boa ao ICS é possível. Deve-se considerar acrescentar um ICS se o paciente persiste com exacerbações a despeito da terapia com LABA e LAMA.
  • Exacerbações e < 100 eosinófilos/microL: baixa probabilidade de benefício com ICS e maior chance de complicações infecciosas, como pneumonia.

A contagem de eosinófilos pode variar durante uma exacerbação [14]. Eosinopenia é comum em exacerbações e se correlaciona com piores desfechos [15]. O ideal é aguardar a estabilização clínica para avaliar os eosinófilos.

Anormalidades do interstício pulmonar (AIP) são definidas como o achado incidental de alterações intersticiais não dependentes da gravidade em pelos menos 5% da área de uma zona pulmonar (superior, média e inferior) em um paciente sem o diagnóstico de uma intersticiopatia [16]. As anormalidades incluem opacidades em vidro fosco ou reticulares, bronquiectasias de tração, distorção arquitetural, faveolamento e cistos não enfisematosos. Um estudo encontrou uma prevalência de AIP de 10% em pacientes com DPOC [17]. Desses pacientes, metade preenchia critérios para uma intersticiopatia, definida como AIP e pelo menos um dos seguintes: presença de fibrose definitiva na TC, CVF pós-broncodilatador < 80% do predito e DLCO < 70% do predito após ajuste para enfisema. Esses pacientes têm pior prognóstico e devem ser encaminhados para avaliação especializada. Veja mais sobre o tratamento de fibrose pulmonar idiopática no tópico "Tratamento da Fibrose Pulmonar Idiopática". 

Usando dispositivos inalatórios

Existem pelo menos 22 tipos de dispositivos inalatórios. Apesar do número elevado, em geral os dispositivos são variações de três tipos: inaladores dosimetrados ("bombinhas") com ou sem espaçadores, inaladores de névoa úmida e inaladores de pó seco. Os inaladores dosimetrados e de névoa úmida necessitam de uma respiração longa e profunda, enquanto os inaladores de pó seco precisam de uma inspiração forte e rápida. Não existe um dispositivo que seja superior aos outros para todos os pacientes [18].

Pico expiratório forçado subótimo e erros na técnica inalatória estão associados a maior utilização do sistema de saúde e maiores custos [19]. Um estudo brasileiro encontrou que mais de 90% dos pacientes com asma ou DPOC cometem pelo menos um erro ao usar dispositivos inalatórios [20]. Estudos internacionais também mostram que esse é um problema comum [21]. Idade avançada e baixa escolaridade estão associados com erros na técnica inalatória [22].

O uso de espaçador permite que o paciente não precise sincronizar o disparo da medicação com uma inalação prolongada, facilitando o uso. Os inaladores dosimetrados com espaçadores também são uma opção para pacientes que não conseguem uma inspiração rápida para usar o inalador de pó seco adequadamente. Os pacientes devem levar os dispositivos para a consulta e idealmente as unidades de saúde devem ter dispositivos placebo para facilitar a orientação ao paciente. Uma técnica recomendada é a de “ensinar de volta” (teach back), em que o paciente é solicitado a ensinar como o dispositivo deve ser utilizado [23]. As orientações sobre uso adequado parecem perder efeito com o tempo, por isso é recomendado reforçar a técnica correta em toda consulta [24].

Diagnóstico e Manejo de Nefrite Lúpica

Criado em: 02 de Setembro de 2024 Autor: Caio Bastos Revisor: João Mendes Vasconcelos

A nefrite lúpica é uma manifestação grave do lúpus eritematoso sistêmico, acometendo até 50% dos pacientes e evoluindo para doença renal crônica em até 30% dos casos em 15 anos. Em junho de 2024, foi publicado o II consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o diagnóstico e manejo da nefrite lúpica [1]. O tópico “Diagnóstico e Manejo de Nefrite Lúpica” aborda os principais pontos do consenso.

Definição, diagnóstico e alvo de tratamento

Nefrite lúpica é definida pela presença de proteinúria persistente (mais que 0,5 g/24 h ou relação proteinúria/creatininúria maior que 0,5) e/ou sedimento urinário ativo (hematúria, leucocitúria ou cilindros urinários) na ausência de outras explicações em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES). A condição também pode ser definida de forma histopatológica através da biópsia renal.

Todo paciente diagnosticado com LES deve realizar dosagens de creatinina e exames urinários (sedimento urinário/urina 1 e proteinúria), mesmo que assintomático. A periodicidade dessa avaliação deve ser individualizada.

Tabela 1
Classes histológicas da nefrite lúpica.
Classes histológicas da nefrite lúpica.

O padrão-ouro para o diagnóstico da nefrite lúpica é a biópsia renal. Ela define a classe histológica (tabela 1), identifica parâmetros de atividade e cronicidade, auxilia na decisão terapêutica e avalia diagnósticos diferenciais. A biópsia é indicada na presença de alguma das alterações abaixo:

  • Proteinúria maior que 500 mg/24 h ou proteinúria/creatininúria (P/C) maior que 0,5 (em amostra isolada ou em 24 horas)
  • Alteração da função renal de etiologia desconhecida
  • Presença de hematúria de origem glomerular presumida associada a proteinúria, mesmo que menor que 500 mg/24 h
  • Avaliação de diagnósticos diferenciais, como hipertensão, diabetes, microangiopatias trombóticas e podocitopatias

A biópsia renal não deve atrasar o início da imunossupressão quando clinicamente indicada. Nas situações onde a biópsia não está disponível, a utilização de uma calculadora desenvolvida no Brasil pode auxiliar na diferenciação clínica entre as classes III/IV e a classe V, o que traz impacto na conduta terapêutica.

O objetivo do tratamento é uma resposta renal, definida no consenso como:

  • Melhora ou manutenção da função renal (variação de 10% para mais ou para menos em relação ao início do tratamento) E
  • Redução da proteinúria de 24 horas ou P/C em urina de 24 horas de 25% em 3 meses, 50% em 6 meses e um valor de proteinúria < 0,8 g/24 h em 12 meses. Nos pacientes com proteinúria nefrótica no início do tratamento, pode ser acrescido um tempo de 6 a 12 meses para a resposta renal.

Tratamento das classes III ou IV

O tratamento é dividido em terapia de indução e manutenção (fluxograma 1). A duração do tratamento é variável, mas no geral é realizado por 3 a 6 meses na fase de indução e 3 a 5 anos na fase de manutenção. Em pacientes com resposta incompleta, múltiplas recaídas prévias ou maior dano renal, um tratamento mais prolongado pode ser indicado.

Fluxograma 1
Tratamento das classes III e IV de nefrite lúpica.
Tratamento das classes III e IV de nefrite lúpica.

Indução

A terapia de indução consiste na combinação de pulsoterapia com metilprednisolona na dose de 250 a 750 mg por 1 a 3 dias associada a uma segunda droga imunossupressora, como micofenolato mofetil ou ciclofosfamida intravenosa. Após a pulsoterapia com corticoide, é iniciado prednisona na dose de 0,25 a 0,7 mg/kg/dia com desmame gradual para doses menores que 5 mg em 3 a 6 meses. A hidroxicloroquina também deve ser iniciada nessa etapa e mantida durante todo o tratamento. Veja mais em "Hidroxicloroquina nas Doenças Reumatológicas".

Tanto micofenolato quanto ciclofosfamida podem ser utilizados, com a decisão sendo baseada no perfil de efeitos adversos e na disponibilidade das medicações. Se o paciente não apresentar uma resposta renal adequada, o consenso sugere uma nova tentativa de indução, utilizando outro agente indutor. Ou seja, caso o paciente tenha utilizado micofenolato, é sugerida a mudança para ciclofosfamida. 

Outra opção sugerida para os casos que não tiveram resposta é a combinação de terapias, como micofenolato e tacrolimus ou micofenolato e belimumabe. O tacrolimus é preferível se há impossibilidade de uso de ciclofosfamida ou intolerância a maiores doses de micofenolato. O tacrolimus não é recomendado se o paciente possui sinais de microangiopatia trombótica ou creatinina sérica maior que 3 mg/dL. Já o belimumabe é uma opção se há dificuldade no desmame do corticoide, alto risco de progressão para doença renal crônica, alto risco de relapso ou manifestações extra-renais. Não é uma droga amplamente disponível no Brasil.

Caso o paciente ainda não apresente resposta, tendo o diagnóstico confirmado e adesão adequada, a nefrite lúpica é caracterizada como refratária. Nesses casos, o rituximabe está indicado.

Manutenção

A terapia de manutenção é baseada na combinação de hidroxicloroquina associada a MMF ou azatioprina. Se o paciente realizar a indução com MMF, a preferência é continuar a droga também na manutenção. Por outro lado, a azatioprina pode ser utilizada durante a gestação e tem melhor posologia e menos efeitos gastrointestinais. Se houver intolerância ou contraindicações ao uso de MMF ou azatioprina, outras medicações podem ser utilizadas, como inibidores da calcineurina (tacrolimus ou ciclosporina) ou leflunomida.

Tratamento da classe V

O tratamento da classe V também envolve etapas de indução e manutenção. A indução é feita com hidroxicloroquina e pulsoterapia com corticoide associado a outro imunossupressor. A manutenção é realizada com hidroxicloroquina associada a azatioprina, micofenolato ou inibidores da calcineurina. Medidas nefroprotetoras, como controle da pressão arterial e drogas antiproteinúricas, têm importância adicional nesses pacientes (fluxograma 2).

Fluxograma 2
Tratamento das classes V de nefrite lúpica.
Tratamento das classes V de nefrite lúpica.

Comparação com outras diretrizes

A European Alliance of Associations for Rheumatology (EULAR) e o Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO), ambos em 2024, disponibilizaram suas diretrizes para o manejo de LES e nefrite lúpica [2, 3]. As diretrizes têm recomendações semelhantes, mas existem algumas diferenças em relação ao consenso brasileiro. No EULAR e KDIGO, o alvo do tratamento para a proteinúria após 12 meses é um valor menor que 0,5 a 0,7 g/24 h, diferindo do menor que 0,8 g/24 h do consenso brasileiro. Essa diferença se deve ao fato do consenso brasileiro ter utilizado também um estudo nacional para a definição do corte de proteinúria.

Outra diferença é a indicação de belimumabe, tacrolimus ou voclosporina como opções de primeira linha nas diretrizes internacionais, enquanto o consenso brasileiro limita essas opções terapêuticas para casos de falha. O consenso nacional tomou essa decisão para se adaptar à realidade brasileira, considerando a baixa disponibilidade dessas medicações.