Diretriz de Doenças da Aorta - ESC 2024

Criado em: 23 de Setembro de 2024 Autor: Raphael Coelho

A European Society of Cardiology (ESC) publicou em 30 de agosto de 2024 a nova diretriz de doenças da aorta e doenças arteriais periféricas [1]. A doença arterial periférica foi abordada em "Doença Arterial Periférica: Diretriz AHA/ACC 2024". Este tópico é baseado na nova diretriz e revisa o diagnóstico, rastreio, tratamento e atualizações sobre aneurismas de aorta.

O que é e como diagnosticar um aneurisma de aorta?

Aneurisma de aorta é um aumento do diâmetro da aorta em mais de 50% do predito para idade, sexo e superfície corporal total, utilizando curvas padrão. Um aumento do diâmetro acima de dois desvios padrão é denominado dilatação de aorta, também chamado de ectasia. Na prática, ectasia deve ser considerada se o diâmetro da raiz da aorta torácica for maior do que 4 cm em homens e de 3,6 cm em mulheres. Já na aorta abdominal, se o diâmetro for maior do que 3 cm, para ambos os sexos. A diretriz da American Heart Association (AHA) critica o termo “ectasia”, pontuando inconsistências na sua aplicação e definição, preferindo o termo “dilatação” [2]. A figura 1 mostra a anatomia da aorta e valores de normalidade. 

Figura 1
Anatomia da aorta e valores de normalidade
Anatomia da aorta e valores de normalidade

Em extremos de idade ou de superfície corporal, é recomendado o uso de curvas padrão e cálculo de desvios padrão. Valores de referência podem ser encontrados aqui [3]. 

Os aneurismas são classificados por localização (torácico ou abdominal) e morfologia (sacular ou fusiforme) e essas características se associam com causas e tratamentos distintos. Aneurismas saculares estão relacionados a infecções, úlcera aórtica penetrante, trauma e doenças inflamatórias. Já aneurismas fusiformes estão relacionados à aterosclerose e doenças do tecido conjuntivo.

Os aneurismas costumam ser assintomáticos. Quando há sintomas, é necessário investigar complicações. O aneurisma de aorta torácica (AAT) pode causar dor torácica, insuficiência da valva aórtica ou compressão de estruturas próximas. O aneurisma de aorta abdominal (AAA) é sintomático principalmente quando há ruptura e pode causar dor abdominal ou lombar aguda e sinais de choque hipovolêmico.

A ultrassonografia (USG) é o método mais disponível, rápido, barato e seguro para diagnóstico e monitoramento. O ecocardiograma transtorácico é utilizado para avaliação da raiz da aorta e valva aórtica. O ecocardiograma transesofágico é mais acurado que o transtorácico e avalia melhor a aorta torácica. A USG com doppler abdominal avalia a aorta abdominal.

Um aumento de 0,3 cm entre exames de USG é considerado uma variação significativa e deve ser confirmado por tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM). TC e RM são os métodos mais acurados e permitem avaliar a aorta em todo o seu trajeto.

Ao detectar um aneurisma de aorta, todo o trajeto do vaso deve ser avaliado. Em torno de 20% a 30% dos pacientes com aneurisma da aorta abdominal também têm aneurisma de aorta torácica [4, 5]. Nos casos de aneurisma de aorta torácica, deve-se avaliar também a função da valva aórtica.

Rastreio de aneurismas de aorta

A diretriz da ESC faz as seguintes recomendações:

  • O rastreio de AAA com USG é recomendado em homens de 65 anos ou mais com história de tabagismo para reduzir o risco de morte por ruptura do AAA (nível de evidência A)
  • O rastreio de AAA com USG pode ser considerado em homens com 75 anos ou mais (independente da história de tabagismo) ou em mulheres de 75 anos ou mais que são tabagistas ou possuem hipertensão (nível de evidência C)
  • O rastreio familiar de AAA com USG é recomendado para parentes de primeiro grau de um paciente com AAA que tenham 50 anos ou mais, especialmente irmãos, exceto se uma causa adquirida seja claramente identificada (nível de evidência C).

A United States Preventive Services Task Force (USPSTF) recomenda o rastreio de AAA com USG para homens assintomáticos, de 65 a 75 anos, que já fumaram pelo menos 100 cigarros na vida. O rastreio é único, feito apenas uma vez.

Não há recomendação de rastreio de aneurismas de aorta torácica na população geral.

Epidemiologia e fatores de risco

Tanto AAA como AAT podem estar relacionados à aterosclerose e hipertensão arterial. Síndromes genéticas como Marfan, Ehlers-Danlos e Turner estão associadas a aneurismas torácicos ou toracoabdominais [6-8].

Os AAT podem acometer a raiz da aorta (porção que conecta o vaso ao ventrículo esquerdo), a porção ascendente e a descendente. Os AAT de raiz ou de aorta ascendente correspondem a 60% dos AAT. Aneurismas de raiz de aorta ocorrem em pacientes mais jovens e há mais complicações como insuficiência aórtica. Estão associados à valva aórtica bicúspide em 20 a 30% dos casos. Podem ser idiopáticos, associados a doenças genéticas ou causados por doenças que causam aortite como sífilis, arterite de Takayasu e arterite de células gigantes.

Os AAT descendentes e toracoabdominais são mais frequentemente degenerativos por calcificação. Outras causas são infecções, trauma, vasculites e doenças genéticas. O crescimento estimado é de 0,19 cm a 0,34 cm ao ano.

Já os AAA em sua maioria estão associados à aterosclerose e tem aspecto fusiforme. Os principais fatores de risco são tabagismo, sexo masculino e história familiar. O crescimento é estimado em torno de 0,3 cm ao ano e o risco de ruptura é maior em mulheres. Em 25% dos casos, o AAA se estende para as ilíacas comuns e até 20% se associam a aneurismas femorais ou poplíteos.

Quando e qual intervenção indicar nos aneurismas de aorta?

As complicações mais graves de um aneurisma de aorta são ruptura e dissecção aórtica. A intervenção cirúrgica deve ser indicada em pacientes de alto risco dessas complicações. Os principais fatores de risco são o tamanho do aneurisma e a taxa de crescimento, mas a diretriz utiliza o tamanho como principal fator para recomendar o tratamento.

Há recomendação contra revascularização coronariana antes da cirurgia eletiva de aorta em pacientes com sintomas cardíacos estáveis por ausência de benefício dessa estratégia. 

Aneurismas de aorta torácica

A cirurgia é recomendada a partir de 5 cm ou mais, sendo uma recomendação forte nos maiores de 5,5 cm. O acompanhamento de aneurismas de aorta torácica está na tabela 1. Para aneurismas da raiz, porção ascendente ou arco da aorta, a cirurgia aberta é a intervenção recomendada. Nos casos de doença valvar aórtica, a cirurgia de Bentall pode ser realizada, quando são substituídas a raiz da aorta e a valva. Em aneurismas da aorta descendente, o tratamento recomendado é endovascular.

Tabela 1
Acompanhamento do aneurisma de aorta torácica
Acompanhamento do aneurisma de aorta torácica

Aneurismas de aorta abdominal

A cirurgia é recomendada a partir de 5,5 cm em homens e 5,0 cm em mulheres. Não há benefício de procedimento cirúrgico em aneurismas menores. Não é recomendado o procedimento eletivo em pacientes com sobrevida menor do que 2 anos. O acompanhamento de aneurismas de aorta abdominal está na tabela 2 [9-14].

Tabela 2
Acompanhamento do aneurisma de aorta abdominal com ultrassonografia
Acompanhamento do aneurisma de aorta abdominal com ultrassonografia

Tanto o tratamento cirúrgico aberto quanto o endovascular são opções de tratamento. A cirurgia aberta preferível é a laparotomia com clampeamento e enxerto de dacron. O tratamento endovascular com endoprótese tem mortalidade perioperatória menor, abaixo de 1%, mas há maior chance de re-intervenção a longo prazo [15]. A vantagem de sobrevida da intervenção endovascular ocorre principalmente nos primeiros 8 anos. O tratamento endovascular é preferível em emergências, como ruptura de aorta.

Aneurismas toracoabdominais

A abordagem de aneurismas toracoabdominais é variável e depende de fatores descritos na tabela 3.

Tabela 3
Fatores utilizados para decisão entre cirurgia aberta e endovascular no tratamento de aneurismas de aorta toracoabdominais
Fatores utilizados para decisão entre cirurgia aberta e endovascular no tratamento de aneurismas de aorta toracoabdominais

Tratamento clínico dos aneurismas de aorta

Exercício físico e cessação do tabagismo são recomendados para todos. O controle da dislipidemia é indicado quando o aneurisma é causado por aterosclerose. É incerto o benefício de antiagregantes como a aspirina ou clopidogrel, mas é frequente a presença de comorbidades que indiquem o uso. 

A ESC recomenda o controle de pressão arterial com alvo menor 120/80 mmHg, se tolerados. É razoável priorizar os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA), bloqueadores de receptores da angiotensina (BRA) e betabloqueadores como primeira linha, apesar de poucas evidências nesse cenário. A evidência para uso de betabloqueadores é de estudos na síndrome de Marfan [16]. 

As fluoroquinolonas parecem aumentar o risco de aneurisma de aorta e de dissecção de aneurisma, mas existe controvérsia sobre essa relação [17-19]. A diretriz sugere evitar a medicação em situações em que haja uma alternativa igualmente eficaz. Caso clinicamente indicado, o documento recomenda o uso independente da presença de doenças da aorta.

Diretriz de Hipertensão Arterial da ESC 2024 e Como Iniciar Tratamento de Hipertensão

Criado em: 23 de Setembro de 2024 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

A diretriz de hipertensão da European Society of Cardiology (ESC) foi atualizada no congresso europeu de cardiologia de 2024 [1]. O documento traz novidades sobre definição de faixa terapêutica, escalonamento das medicações e exames iniciais. Esse tópico discute as novidades da diretriz e como iniciar o tratamento de hipertensão.

Diagnóstico de hipertensão e alvos pressóricos

A nova diretriz de hipertensão arterial da European Society of Cardiology (ESC) estabelece duas faixas diferentes de pressão arterial alterada:

  • Pressão arterial elevada: pressão arterial sistólica (PAS) entre 120 e 139 mmHg ou pressão arterial diastólica (PAD) entre 70 e 89 mmHg. 
  • Hipertensão: PAS maior ou igual a 140 mmHg, ou PAD maior ou igual a 90 mmHg.

Pacientes com “pressão arterial elevada” possuem maior risco de eventos cardiovasculares do que a população geral, mesmo que não estejam na categoria “hipertensão” [2]. Esse grupo deve realizar mudanças no estilo de vida e pode se beneficiar de terapia farmacológica quando agregam comorbidades que aumentam o risco cardiovascular.

Valores elevados de pressão arterial (PA) no consultório devem ser confirmados com uma medição ambulatorial, preferencialmente por medida ambulatorial da pressão arterial (MAPA) ou medida residencial de pressão arterial (MRPA) (recomendação forte). Veja mais em "MAPA, MRPA e diagnóstico de hipertensão". Caso não seja possível uma medida fora do consultório, deve-se repetir medidas no consultório em dias diferentes. Em casos de valores acima de 160/100 mmHg, essa confirmação deve ser realizada em até um mês. Em valores acima de 180/110 mmHg, deve-se excluir emergência hipertensiva.

A diretriz traz uma mudança no alvo de tratamento. No posicionamento de 2018, o objetivo era manter a PA menor que 140/90 mmHg, podendo chegar em valores menores de 130/80 na maioria dos pacientes. A diretriz de 2024 recomenda o alvo da PAS entre 120 a 129 mmHg, se bem tolerado (recomendação forte). Se a PAS estiver no alvo, mas a PAD estiver acima de 80 mmHg, pode se intensificar a terapia anti-hipertensiva para manter uma PAD de 70 a 79 mmHg (recomendação fraca). O documento considera que o alvo da PAS pode ser menos rígido naqueles com 85 anos ou mais, fragilidade ou baixa expectativa de vida.

Exames iniciais e rastreio de hiperaldosteronismo

No momento do diagnóstico, a diretriz recomenda exames iniciais para cálculo do risco cardiovascular e triagem de hipertensão secundária. O cálculo do risco cardiovascular interfere no início do tratamento. Os exames recomendados pela diretriz estão na tabela 1.

Tabela 1
Exames iniciais para cálculo de risco cardiovascular e triagem de hipertensão secundária
Exames iniciais para cálculo de risco cardiovascular e triagem de hipertensão secundária

O documento também pontua que o rastreio de hiperaldosteronismo primário deve ser considerado em todos os pacientes com diagnóstico de hipertensão utilizando a relação aldosterona/renina (recomendação moderada). Trabalhos recentes detectaram prevalência de 12% de hiperaldosteronismo primário na população com PA acima de 180/110 mmHg [3]. A hipocalemia espontânea ou induzida por diurético pode ser um indicativo de hiperaldosteronismo como causa de HAS secundária.

Alguns medicamentos interferem na análise da razão aldosterona-renina. As drogas que interferem são betabloqueadores, clonidina, alfa-metildopa, bloqueadores do sistema renina-angiotensina e diuréticos. Os anti-hipertensivos que não interferem são os bloqueadores dos canais de cálcio e os alfa-bloqueadores (doxazosina e tansulosina). 

Quando iniciar o tratamento farmacológico

Todos os pacientes com PA acima de 140/90 mmHg devem iniciar terapia medicamentosa e mudança de estilo de vida.

Naqueles com “pressão arterial elevada” (PAS entre 120 e 140 mmHg e PAD de 70 a 90 mmHg), a conduta é baseada no risco cardiovascular. No risco cardiovascular leve a moderado (menor que 10% de evento cardiovascular em 10 anos), a diretriz recomenda mudança no estilo de vida, sem tratamento medicamentoso. Em pacientes com alto risco, se a PA se mantiver acima de 130/80 mmHg após três meses de mudança de estilo de vida, deve se iniciar terapia farmacológica. 

A abordagem completa está no fluxograma 1.

Fluxograma 1
Decisão terapêutica no paciente com “pressão arterial elevada”
Decisão terapêutica no paciente com “pressão arterial elevada”

Cálculo do risco cardiovascular

Algumas características classificam o paciente como de alto risco cardiovascular independente de escores: 

Alguns fatores aumentam o risco cardiovascular, mas não estão na calculadora e não são suficientes para isoladamente rotular o paciente como alto risco. Esses fatores estão na tabela 2. Em casos de pacientes com risco cardiovascular moderado (5 a 10%), esses fatores podem elevar o risco cardiovascular do paciente para alto risco. A diretriz traz como sugestão o uso de exames complementares (como escore de cálcio) em caso de pacientes que permanecem como risco moderado (tabela 2). Veja mais em "Avaliação de Risco Cardiovascular: Calculadora PREVENT".

Tabela 2
Modificadores de risco cardiovascular
Modificadores de risco cardiovascular

Escolha de anti-hipertensivos

As terapias anti-hipertensivas que possuem maior benefício em redução de eventos cardiovasculares e consideradas de primeira linha de tratamento são: 

  • Inibidores da enzima de conversão da angiotensina (iECA)
  • Bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA)
  • Bloqueador de canal de cálcio diidropiridínicos (anlodipino)
  • Diuréticos tiazídicos (hidroclorotiazida) e tiazídicos-like (clortalidona e indapamida)

Os betabloqueadores não são considerados primeira linha de tratamento. Os betabloqueadores foram inferiores aos anti-hipertensivos de primeira linha na prevenção de eventos cardiovasculares, especialmente AVC. Betabloqueadores estão relacionados a menor adesão medicamentosa devido a efeitos adversos [5]. Veja mais em "Betabloqueadores para Hipertensão Arterial".

A diretriz recomenda o uso de dois anti-hipertensivos em baixa dose para pacientes com hipertensão (PA ≥ 140/90 mmHg) como terapia inicial, ao invés de monoterapia (recomendação forte). As combinações preferidas são um bloqueador do sistema renina-angiotensina (iECA ou BRA) com um bloqueador de canal de cálcio ou com um tiazídico.

A monoterapia é recomendada para pacientes que não necessitam de controle rigoroso da PA. Exemplos desse grupo são aqueles com mais de 85 anos, presença de sintomas de hipotensão ortostática e fragilidade moderada a grave. Pacientes com “pressão arterial elevada” com indicação de tratamento também podem usar monoterapia.

Após o início da medicação, o paciente deve ser reavaliado em um a três meses. Caso o alvo ainda não tenha sido atingido, a diretriz recomenda a adição de um terceiro anti-hipertensivo, ao invés de aumento de dose dos anti-hipertensivos já em uso. Se a meta não for atingida com três drogas em baixa dose, a diretriz recomenda o aumento das doses dos medicamentos (recomendação forte).

Em Tempo

Atualização sobre ICFEP e Finerenona: o estudo FINEARTS-HF

Criado em: 23 de Setembro de 2024 Autor: Ênio Simas Macedo

A finerenona é um antagonista de receptor mineralocorticoide estudado para tratamento de doença renal crônica associada a diabetes. O estudo FINEARTS-HF avaliou a finerenona em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção maior ou igual a 40% para redução de desfechos cardiovasculares [1]. Este tópico traz os resultados do estudo.

Contexto do estudo

A diretriz americana de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP) de 2023 recomenda a utilização dos seguintes medicamentos [2]:

  • Inibidores de SGLT2 (iSGLT2)
  • Espironolactona
  • Sacubitril-valsartana
  • Candesartana

Veja mais em "Diretriz Americana de Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Preservada".

A espironolactona é um antagonista de receptor mineralocorticoide e a indicação para o tratamento de ICFEP tem embasamento nos dados do estudo TOPCAT [3]. Esse trabalho não identificou benefício nos pacientes com ICFEP tratados com espironolactona. Contudo, uma análise post-hoc excluindo pacientes de centros com baixa adesão encontrou benefício da espironolactona nos desfechos de interesse em insuficiência cardíaca [4].

A finerenona é um medicamento mais recente da classe dos antagonistas de receptor mineralocorticoide. Os ensaios clínicos FIDELIO-DKD [5] e FIGARO-DKD [6] avaliaram a finerenona na doença renal crônica associada a diabetes e identificaram benefícios em desfechos renais e cardiovasculares (veja mais em "Finerenona na Nefropatia Diabética").

O objetivo do estudo FINEARTS-HF foi avaliar se a finerenona conseguiria trazer benefícios à população com ICFEP e com insuficiência cardíaca de fração de ejeção levemente reduzida (ou seja, fração de ejeção de 40% a 49%).

O estudo FINEARTS-HF

O trabalho FINEARTS-HF foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e multicêntrico [1]. Os pacientes deviam ter todos os seguintes critérios para serem incluídos:

  • Idade de 40 anos ou mais
  • IC sintomática (NYHA 2 a 4)
  • Fração de ejeção do ventrículo esquerdo maior ou igual a 40%
  • Anormalidade cardíaca estrutural (como átrio esquerdo aumentado) 
  • Níveis de peptídeos natriuréticos elevados (veja mais em "Peptídeos Natriuréticos"). 

O grupo intervenção recebeu finerenona na dose de 20 ou 40 mg uma vez ao dia conforme a função renal (tabela 1) e o grupo controle recebeu placebo. O desfecho primário foi o composto de morte cardiovascular e eventos de piora de IC, definido como avaliação urgente ou hospitalização não planejada por IC descompensada. 

Tabela 1
Dose inicial e dose alvo de finerenona de acordo com a função renal
Dose inicial e dose alvo de finerenona de acordo com a função renal

Foram analisados 6.000 indivíduos com tempo de seguimento médio de 32 meses. O grupo finerenona teve menor incidência do desfecho primário, com diferença estatística (razão de incidência de desfechos 0,84; intervalo de confiança de 95%, 0,74 a 0,95). Ao analisar os componentes do desfecho primário separadamente, apenas a redução de eventos de piora de IC demonstrou significância estatística.

Nos desfechos secundários, a finerenona mostrou benefício em escores de qualidade de vida. Não houve diferença em relação à classe funcional avaliada pelo médico e à mortalidade por todas as causas. 

A finerenona foi associada a um maior risco de hipercalemia, representado como potássio maior que 6 mEq/L (3% vs. 1,4%) e a maiores taxas de creatinina sérica maior que 3 mg/dL (2% vs. 1,2%). Não ocorreram óbitos por hipercalemia, contudo houve um discreto aumento no número de hospitalizações por hipercalemia no grupo finerenona. O desfecho composto renal não diferiu entre os grupos, sendo definido como: queda sustentada da taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) de 50% ou mais; queda sustentada da TFGe para valores menores que 15 ml/min/1,73 m² ou início de terapia renal substitutiva (diálise ou transplante renal).

Críticas ao estudo

Pessoas negras foram pouco representadas no estudo, compondo menos de 2% da população. Isso pode prejudicar a generalização dos achados. 

Cerca de 36% da amostra era de pacientes com insuficiência cardíaca de fração de ejeção levemente reduzida. Esse grupo apresenta resposta a terapêutica mais similar àqueles indivíduos com fração de ejeção reduzida do que aqueles com ICFEP, o que pode ter contribuído para os achados de eficácia do estudo. Em contraponto, os ensaios clínicos de iSGLT2 para ICFEP também incluíram estes pacientes [7]. 

Publicações recentes apontam que iSGLT2 e análogos de GLP-1 apresentam benefício no tratamento da ICFEP. Apenas 14% da população do estudo FINEARTS-HF utilizava iSGLT2 e 2,5% utilizava aGLP-1. Existe dúvida se o benefício da finerenona se manteria se mais pacientes estivessem usando essas medicações (veja mais em "Semaglutida para Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Preservada"). 

Cerca de 85% da amostra utilizavam betabloqueadores, porém apenas 38% tinha fibrilação atrial e 25% infarto agudo do miocárdio prévio. É possível que parte da população estivesse utilizando betabloqueadores para outras condições em que a indicação é menos robusta, como hipertensão arterial. Em pacientes com ICFEP, os beta-bloqueadores sem indicação precisa podem levar a piora de sintomas, amplificando a magnitude de benefício da intervenção [8, 9].  

As críticas não diminuem o impacto do estudo FINEARTS-HF. Considerando que a ICFEP tem menos tratamentos do que a IC com fração de ejeção reduzida, o trabalho ganha destaque por trazer um novo medicamento que pode auxiliar os pacientes.