Insuficiência Adrenal Induzida por Corticoides e Desmame de Corticoides

Criado em: 14 de Outubro de 2024 Autor: Ingrid Fröehner Revisor: João Mendes Vasconcelos

A European Society of Endocrinology e a Endocrine Society publicaram uma diretriz de orientações para diagnóstico e tratamento de insuficiência adrenal induzida por corticoides em abril de 2024 [1]. Este tópico revisa o tema e como fazer o desmame de corticoides.  

Quando desmamar corticoide?

Corticoides exógenos podem causar insuficiência adrenal através da supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Qualquer dose de corticoide acima da dose equivalente à fisiológica tem o potencial de causar esse efeito. O grau de supressão é influenciado por dose acumulada, potência do corticoide e o tempo de uso. A tabela 1 traz os fatores de risco para desenvolvimento de insuficiência adrenal.

Tabela 1
Fatores de risco para desenvolvimento de insuficiência adrenal induzida por corticoides
Fatores de risco para desenvolvimento de insuficiência adrenal induzida por corticoides

Qualquer via de administração, incluindo tópica e inalatória, pode levar à insuficiência adrenal [2-4]. 

Para evitar as consequências da insuficiência adrenal induzida por corticoides, alguns pacientes precisam que a medicação seja desmamada gradualmente. A decisão de suspender ou realizar o desmame envolve três fatores principais: controle da doença de base, tempo de uso e dose do corticoide. O controle da doença que motivou a introdução do corticoide é o gatilho para a decisão de desmamar a medicação. 

A diretriz sugere não desmamar o corticoide quando o uso ocorreu por menos de três a quatro semanas, independentemente da dose. Nesses casos, a suspensão pode ser imediata e não requer testes para avaliar a função do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. O uso de corticoides deve ser abreviado quando possível, já que mesmo o uso curto está associado a aumento do risco de sepse, sangramento gastrointestinal, tromboembolismo venoso e fraturas [5].

Tabela 2
Características dos corticoides
Características dos corticoides

O uso por mais de três a quatro semanas sugere a necessidade de desmame. O risco de insuficiência adrenal é especialmente maior em doses suprafisiológicas, definidas como equivalentes ou superiores a 15 a 25 mg de hidrocortisona (5 a 7,5 mg de prednisona). A tabela 2 traz as principais características dos corticoides [1]. Veja mais em "Insuficiência Adrenal".

Como desmamar corticoide?

O processo de desmame pode ser dividido em duas etapas: a primeira, com redução até a dose fisiológica, equivalente a 5 a 7,5 mg de prednisona; e a segunda, com redução abaixo desse limiar. A conduta e complicações diferem entre as etapas.

Não existem evidências fortes que favoreçam um esquema específico de desmame. Modificações podem ser realizadas conforme a resposta de cada indivíduo. Pacientes com complicações induzidas por corticoide, como psicose, hipertensão e hiperglicemia, podem realizar desmame mais rápido até a dose fisiológica [1, 6].

Desmame até dose fisiológica (equivalente de prednisona 5 a 7,5 mg)

O primeiro passo é a troca do corticoide de longa duração para um corticoide de menor duração (tabela 2) — como a troca de dexametasona para prednisona, por exemplo. Mesmo após a redução para doses fisiológicas, os corticoides de longa duração estão mais associados a insuficiência adrenal e síndrome de Cushing exógeno.

Durante o desmame, deve-se monitorar sintomas de três condições: agudização da doença de base, insuficiência adrenal e abstinência de corticoide.

A síndrome de abstinência de corticoide é diferente de insuficiência adrenal induzida por corticoides. Os sintomas da abstinência de corticoide acontecem principalmente nas fases mais iniciais do desmame e são causados por dependência de concentrações suprafisiológicas e variação nas concentrações hormonais. Isso explica alguns sintomas relatados pelos pacientes durante o desmame quando ainda estão em doses suprafisiológicas. A tabela 3 resume as manifestações da abstinência de corticoides. 

Tabela 3
Sintomas de insuficiência adrenal induzida por corticoide e abstinência
Sintomas de insuficiência adrenal induzida por corticoide e abstinência

A diferenciação entre a síndrome de abstinência e a insuficiência adrenal é difícil devido à sobreposição dos sintomas. A dose de corticoide em uso é o principal parâmetro discriminante entre as condições, já que a insuficiência adrenal é improvável com uso em doses suprafisiológicas

O reconhecimento da síndrome de abstinência é importante para evitar aumento de corticoide na presença de qualquer sintoma. Caso os sintomas de abstinência sejam graves, a diretriz sugere que a dose do corticoide pode ser aumentada temporariamente até a dose tolerada mais recente e realizar o desmame de forma mais gradual.

A tabela 4 traz o regime de desmame sugerido pela diretriz de insuficiência adrenal induzida por corticoide e outras possibilidades conforme a comorbidade de base.

Tabela 4
Esquemas de desmame do corticoide
Esquemas de desmame do corticoide

Desmame de dose inferior à fisiológica (equivalente de prednisona menor que 5 a 7,5 mg)

Esta etapa do desmame exige atenção para identificação de insuficiência adrenal. Isso pode ser feito através de exames do cortisol matinal ou desmamando a medicação empiricamente e acompanhando o surgimento de sintomas.

A vigilância de sintomas de insuficiência adrenal permite o desmame do corticoide sem exames adicionais. Caso o paciente apresente um quadro clínico sugestivo, a dose anterior que não causou sintomas deve ser retomada. 

Outra possibilidade é a dosagem de cortisol matinal, que pode ser utilizada para determinar a recuperação do eixo. Se a insuficiência adrenal for documentada (cortisol menor que 5 mcg/dL), a dose do corticoide deve ser mantida no limite inferior da dose fisiológica. Se os níveis de cortisol estiverem acima de 10 mcg/dL, pode-se suspender o uso de corticoides. O fluxograma 1 descreve as opções de desmame [6].

Fluxograma 1
Desmame de corticoide e diagnóstico de insuficiência adrenal induzida por corticoide
Desmame de corticoide e diagnóstico de insuficiência adrenal induzida por corticoide

A diretriz reforça que os valores de cortisol são apenas guias e podem variar conforme os equipamentos de dosagem e divergem ligeiramente da abordagem descrita no tópico de insuficiência adrenal. Os valores também não se aplicam a pacientes com níveis anormais de albumina ou em situações de estresse agudo, como sepse, cirurgia ou trauma [6]. Veja mais em "Insuficiência Adrenal".

Não existem evidências que sugiram um melhor esquema para esta etapa do desmame. O estudo TOASST está em execução e se propõe a responder essa dúvida, além de comparar desmame gradual contra teste e suspensão abrupta em pacientes com doses de prednisona até 7,5 mg [7].

Como diagnosticar insuficiência adrenal induzida por corticoides?

Pacientes com sintomas durante o desmame ou que apresentam valores de cortisol matinal sugestivos de insuficiência adrenal devem manter a corticoterapia e ser reavaliados após meses para verificar a recuperação do eixo. Pacientes com sinais ou sintomas de síndrome de Cushing exógeno são considerados com supressão do eixo.

O tratamento da insuficiência adrenal induzida por corticoides consiste na reposição de corticoide em doses fisiológicas e na educação do paciente sobre o aumento da reposição em situações de estresse. Veja o material complementar sobre educação do paciente com insuficiência adrenal

A reposição com fludrocortisona não está indicada, pois a função mineralocorticoide da adrenal está preservada na insuficiência adrenal induzida por corticoides. 

Quando a recuperação do eixo não ocorre em cerca de um ano ou em pacientes que apresentaram crise adrenal, um endocrinologista deve ser consultado [1].

Como Fazer

Manejo de Agitação Psicomotora

Criado em: 14 de Outubro de 2024 Autor: Amyr Chacar Revisor: João Mendes Vasconcelos

A agitação psicomotora é uma condição desafiadora presente em até 2,5% de todos os atendimentos no departamento de emergência [1] e em aproximadamente 24% das emergências psiquiátricas no Brasil [2]. Este tópico revisa os principais pontos do manejo do paciente agitado.

Avaliação Inicial

Agitação psicomotora pode ser definida como um estado de hiperatividade motora ou cognitiva com acentuada excitação emocional [3]. Isso pode estar atrelado a atitudes violentas (atos com objetivo de provocar danos). A agitação psicomotora é uma manifestação associada a condições clínicas e psiquiátricas.

A anamnese pode identificar a causa da agitação, porém costuma estar prejudicada pelo próprio quadro comportamental. Ausência de acompanhantes para fornecer dados da história é um complicador. Pode ser necessário primeiro acalmar ou conter o paciente devido ao risco de violência [4]. 

Frente a um primeiro episódio de agitação, deve-se assumir que esta é uma consequência de uma doença clínica subjacente até se provar ao contrário. Uma forma de agrupar as etiologias é através do mnemônico FIND-ME (“encontre-me”, em inglês), detalhado na tabela 1.

Tabela 1
Causas de agitação pelo mnemônico FIND-ME
Causas de agitação pelo mnemônico FIND-ME

Alguns achados favorecem a presença de uma causa não-psiquiátrica responsável pela agitação [5, 6]: 

  • Início súbito do quadro
  • Idade superior a 45 anos
  • Ausência de passado psiquiátrico
  • Alterações nos sinais vitais, como febre e hipoxemia
  • Rebaixamento do nível de consciência
  • Distúrbios da atenção
  • Exame neurológico anormal
  • Flutuação dos sintomas psiquiátricos 

Veja mais em "Investigação de Primeiro Episódio Psicótico" e "Tomografia de Crânio no Delirium".

Tabela 2
Principais exames laboratoriais conforme suspeita clínica para agitação
Principais exames laboratoriais conforme suspeita clínica para agitação

Os exames complementares devem ser direcionados pela suspeita clínica e estão detalhados na tabela 2.

Graduação de agitação e preparação para o atendimento

A agitação pode ser graduada conforme a intensidade, determinando o ambiente de atendimento e as condutas seguintes [7]:

  • Leve: inquieto, mas consegue conversar, está colaborativo e não violento.
  • Moderada: agitação mais importante, com difícil diálogo e não cooperação. Podem apresentar discurso agressivo, mas sem auto ou heteroagressividade.
  • Grave: extremamente combativo, com violência manifesta.

A agitação grave frequentemente necessita de manejo em sala de emergência. Os dois primeiros níveis de agitação podem ser atendidos em consultório. O atendimento deve ser priorizado para evitar o escalonamento do comportamento e a equipe deve ser avisada e preparar um plano de ação caso haja agitação grave. 

Figura 1
Esquematização de um consultório para o atendimento de pacientes agitados
Esquematização de um consultório para o atendimento de pacientes agitados

A sala em que será realizada a consulta deve ter características específicas que assegurem a segurança da equipe e do paciente, além de não contribuir para a agitação. Um exemplo de ambiente adequado está na figura 1 [2].

Medidas não farmacológicas

Existem três estratégias principais para o controle de agitação: descalonamento verbal, contenção química e contenção mecânica. Essas medidas devem ser empregadas em paralelo com a identificação da causa. 

A primeira estratégia a se utilizar é o descalonamento verbal, uma técnica de  comunicação capaz de resolver parte das agitações. O descalonamento verbal utiliza elementos de comunicação desenvolvidos e validados para este cenário. Esses elementos estão listados na tabela 3 e exemplificados neste vídeo da University of Colorado School of Medicine. Quando a comunicação verbal é insuficiente, a necessidade de tratamento medicamentoso está mais respaldada.

Tabela 3
Princípios do descalonamento verbal
Princípios do descalonamento verbal

A contenção mecânica temporária pode ser necessária caso o paciente coloque em risco sua vida, a integridade da equipe ou dos outros pacientes. A medida também pode ser indicada se o quadro piorar apesar da abordagem verbal e farmacológica. Essa intervenção deve ser postergada ao máximo e utilizada pelo menor tempo possível, já que tem risco de eventos adversos físicos e psicológicos, questionamentos éticos, impacto na relação médico-paciente e não aborda a causa da agitação. A contenção química deve ser usada em conjunto para encurtar o tempo de contenção química [8, 9].

Preferencialmente, o médico responsável pelo atendimento não deve participar da manobra para evitar a quebra do vínculo. Durante todo o procedimento, cada etapa deve ser comunicada ao paciente e seus familiares, bem como registrada em prontuário [2]. A figura 2 detalha o procedimento de contenção mecânica.

Figura 2
Esquematização da equipe e contenção em quatro pontos.
Esquematização da equipe e contenção em quatro pontos.

Durante o período de imobilização, o paciente deve ser avaliado com frequência e suas necessidades básicas devem ser respeitadas. Outros cuidados incluem o reposicionamento e vigilância quanto a perfusão dos membros [4]. 

As medidas farmacológicas devem ser intensificadas para abreviar o período de restrição, minimizando o risco de complicações. As complicações mais graves associadas a contenção mecânica são [10]:

  • Rabdomiólise
  • Lesões ortopédicas
  • Trombose venosa profunda
  • Desidratação
  • Asfixia
  • Sofrimento psíquico
  • Morte súbita

Conduta farmacológica

O paciente agitado pode necessitar de auxílio farmacológico para possibilitar o cuidado, especialmente na falha do descalonamento verbal ou na agitação grave. 

O objetivo é controlar a agitação através do menor tempo e grau de sedação possível. O paciente deve estar desperto para avaliação clínica e psiquiátrica. A sedação excessiva prolonga a estadia no ambiente hospitalar [11, 12].

Em agitações leves a moderadas, a via oral deve ser inicialmente utilizada. Essa via possui maior tempo de latência para o efeito da medicação.

Caso agitação grave ou falha no controle dos sintomas com as medicações orais, a via parenteral deve ser utilizada, sendo a intramuscular a mais recomendada. A via intravenosa, apesar de eficaz, está associada a mais efeitos adversos cardíacos e respiratórios, além de necessitar de acesso intravenoso, um procedimento dificultado pela agitação [13]. 

Existem três classes principais de fármacos que podem ser utilizadas isoladamente ou em combinação: 

  • Antipsicóticos típicos e atípicos
  • Benzodiazepínicos
  • Anestésicos dissociativos 

A escolha da medicação depende da etiologia da agitação, comorbidades, potencial sedativo e efeitos colaterais associados. As drogas mais utilizadas, doses e peculiaridades se encontram na tabela 4.

Tabela 4
Principais medicamentos para o controle da agitação
Principais medicamentos para o controle da agitação

Os antipsicóticos são os fármacos de escolha para delirium ou psicoses primárias. Os benzodiazepínicos são preferidos em abstinência relacionada a fármacos depressores como o álcool, transtorno de ansiedade generalizada ou intoxicações por estimulantes. Na agitação sem etiologia clara, ambas as classes podem ser utilizadas, com a literatura favorecendo os benzodiazepínicos [14].

A terapia combinada de antipsicóticos e benzodiazepínicos potencializa o efeito de ambas as medicações, útil para um rápido controle da agitação grave, e reduz eventos adversos de uma única droga em dose alta [15-17]. Para agitação grave, essa combinação é uma opção pelas diretrizes [18-20].

Antipsicóticos associados a anti-histamínicos também podem ser utilizados. Alguns estudos encontraram redução de eventos adversos extrapiramidais dos antipsicóticos quando administrados em conjunto com anti-histamínicos, um possível efeito da ação anticolinérgicas destas medicações [21, 22]. Esse achado não foi encontrado em todos os trabalhos e pode existir risco aumentado de outros eventos adversos [23, 24]. Por existirem alternativas com evidências mais consistentes, como antipsicóticos e benzodiazepínicos, os anti-histamínicos não são opções de primeira linha pelas diretrizes [25].

Em situações extremas, a quetamina intramuscular pode ser utilizada pelo seu rápido início de ação e eficácia, com ciência de seus efeitos adversos potencialmente graves e necessidade de monitorização contínua [26].

Fluxograma 1
Abordagem de agitação conforme gravidade
Abordagem de agitação conforme gravidade

O atendimento do paciente em agitação psicomotora pode ser sistematizado conforme o fluxograma 1.

Ácido Acetilsalicílico (AAS) no Perioperatório

Criado em: 14 de Outubro de 2024 Autor: Joanne Alves Moreira Revisor: João Mendes Vasconcelos

O Guia já abordou o manejo de algumas medicações no perioperatório em "Manejo Medicamentoso no Perioperatório" e especificamente de anticoagulação no perioperatório em "Anticoagulação no Perioperatório".

O artigo ASSURE-DES, publicado no Journal of the American College of Cardiology (JACC) em agosto de 2024, avaliou a suspensão ou manutenção do ácido acetilsalicílico como prevenção secundária no perioperatório [1]. Este tópico aborda o ácido acetilsalicílico no perioperatório e os resultados do estudo. 

Uso de ácido acetilsalicílico no perioperatório: recomendação das diretrizes

A decisão de manter ou suspender o ácido acetilsalicílico (AAS) no perioperatório deve considerar os riscos de eventos tromboembólicos e de sangramento. Vários trabalhos, incluindo o POISE-2, mostram que o uso do AAS aumenta a probabilidade de sangramentos nesse período (risco absoluto 1.2%; p < 0.05) [2]. Por outro lado, estudos observacionais evidenciam uma alta incidência de MACE após cirurgias, incluindo trombose de stent, com cerca de 2% a 8% de eventos em pacientes com angioplastia prévia [3-5]. Os fatores de risco para MACE após a cirurgia não cardíaca estão disponíveis na tabela 1.

Tabela 1
Fatores de risco associados a trombose de stent e eventos isquêmicos pós-angioplastia
Fatores de risco associados a trombose de stent e eventos isquêmicos pós-angioplastia

O primeiro ponto a ser considerado é o motivo do uso do AAS pelo paciente: prevenção primária ou secundária. Em pacientes que usam AAS para prevenção primária, o risco de eventos isquêmicos é habitualmente baixo. Nesses casos, a diretriz de 2022 da European Society of Cardiology (ESC) recomenda a suspensão da medicação antes de cirurgia não cardíaca [6].

Quando o AAS é utilizado para prevenção secundária, de uma maneira geral a orientação é manter a medicação. Como muitos desses pacientes estão em uso de dupla antiagregação plaquetária (DAPT), a dúvida maior está em o que fazer com o segundo antiplaquetário. A decisão depende se houve intervenção coronariana percutânea (angioplastia) e/ou síndrome coronariana aguda (SCA), além do tempo em que esses eventos ocorreram. 

Em pacientes com DAPT após angioplastia, a ESC recomenda adiar cirurgias não cardíacas eletivas até seis meses após a angioplastia por doença coronariana crônica e 12 meses após uma SCA (classe IA - recomendação forte com alto nível de evidência). A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) também recomenda o uso de DAPT por 12 meses após a angioplastia, principalmente em pacientes que realizaram angioplastia por SCA. O intervalo pode ser reduzido para seis meses e, excepcionalmente, um mês em caso de procedimentos urgentes ou sensíveis ao tempo [7]. Estudos recentes indicaram que a redução da duração da DAPT para um a três meses após intervenção coronariana com stent farmacológico está associada a taxas aceitáveis de MACE e trombose de stent em pacientes de risco cardiovascular baixo e moderado [8]. 

A nova diretriz do American College of Cardiologists (ACC/AHA) sobre o manejo perioperatório em cirurgias não cardíacas foi publicado em setembro de 2024 e reitera as recomendações acima [9]:

  • Adiar a cirurgia em um ano para pacientes que realizaram angioplastia após SCA (recomendação forte, nível de evidência moderado);
  • Adiar a cirurgia em seis meses para pacientes que realizaram angioplastia por doença coronariana crônica (recomendação moderada, nível de evidência moderado);
  • Considerar o adiamento da cirurgia em três meses, se o risco de adiar a cirurgia é maior que o risco de MACE (recomendação moderada, nível de evidência moderado)
  • Em pacientes com angioplastia há menos de um mês, não realizar cirurgias eletivas (recomendação forte, nível de evidência moderado)

Quando os pacientes estão no período de DAPT e a cirurgia não pode ser adiada, as diretrizes da ESC e da SBC recomendam manter o AAS na dose de 100 mg/dia durante todo o perioperatório e suspender o segundo antiplaquetário. Uma novidade das novas diretrizes da ACC/AHA de 2024 é que, para pacientes com menos de três meses após colocação de stent farmacológico, o recomendado é manter a DAPT a não ser que o risco de sangramento seja considerado maior que o de trombose do stent (recomendação forte, nível de evidência moderado).

Uma exceção são neurocirurgias ou procedimentos de alto risco de sangramento (veja tabela 2), em que o AAS também deve ser suspenso sete dias antes da cirurgia [6]. Após o procedimento, a terapia antiplaquetária deve ser reiniciada em até 48 horas (recomendação forte, nível de evidência fraco).

Tabela 2
Risco e sangramento associado ao procedimento segundo Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Europeia de Cardiologia e American College of Physicians
Risco e sangramento associado ao procedimento segundo Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Europeia de Cardiologia e American College of Physicians

O fluxograma 1 resume as orientações da ESC de manejo do inibidor da P2Y12 no perioperatório de cirurgias não cardíacas.

Fluxograma 1
Manejo do inibidor de P2Y12 no perioperatório
Manejo do inibidor de P2Y12 no perioperatório

Em pacientes com aspirina em monoterapia com um ano após o evento, as diretrizes recomendam manter a medicação. Existia incerteza sobre a robustez dessa recomendação, considerando alguns estudos observacionais que não viram aumento de eventos com a suspensão [10-12]. Nesse contexto foi realizado o estudo ASSURE-DES.

O estudo ASSURE-DES

O ASSURE DES foi um ensaio clínico randomizado, não cego, realizado na Coreia, Índia e Turquia. Os pesquisadores compararam a manutenção de AAS 100 mg/dia em monoterapia com a suspensão do AAS e demais antiplaquetários antes de uma cirurgia não cardíaca. Os pacientes tinham doença arterial coronariana com stent farmacológico realizado há mais de um ano antes do procedimento cirúrgico.

O critério de inclusão continha angioplastia com pelo menos um stent farmacológico há mais de um ano e proposta de cirurgia eletiva não cardíaca. Alguns critérios de exclusão foram fração de ejeção menor ou igual a 30% ou doença valvar, necessidade de anticoagulação ou risco muito alto de sangramento (tabela 1). O desfecho primário avaliado foi um composto de morte por todas as causas, infarto, trombose de stent ou AVC entre cinco dias antes e 30 dias após a cirurgia. A suspensão do AAS ocorreu cinco dias antes da cirurgia. A terapia antiplaquetária foi reiniciada em até 48 horas após a cirurgia na ausência de contraindicação.

Após randomização, permaneceram 926 pacientes ao total (462 pessoas no grupo manutenção e 464 no grupo suspensão do AAS). As cirurgias mais comuns foram abdominais (39%), ortopédicas (23%) e urológica ou ginecológica (18%). A maioria das cirurgias foi classificada como de baixo a intermediário risco cardiovascular e de sangramentos. A média de tempo de angioplastia até a cirurgia foi de 5,1 anos.

O desfecho primário ocorreu em três pacientes (0,6%) no grupo manutenção e em quatro pacientes (0,9%) no grupo suspensão (diferença absoluta -0,2%; IC 95% -1,3 a 0,9; p > 0,99). Não houve trombose de stent em nenhum dos grupos. A incidência de sangramento maior não teve diferença significativa entre os grupos (6,5% vs. 5,2%; p= 0,39), enquanto o sangramento menor foi mais frequente no grupo do AAS (14,9% vs. 10,1%; p = 0,027).

O baixo número de eventos cardiovasculares associado ou não ao uso do AAS pode estar relacionado à era moderna das angioplastias, como evidenciado em alguns trabalhos mais recentes [13]. O uso de stents farmacológicos de novas gerações contribui para uma maior segurança ao paciente.

A baixa incidência dos eventos pode ser um reflexo do risco cardiovascular relativamente não tão elevado da população estudada. Além disso, não houve uma monitorização de troponina no pós-operatório, não sendo possível identificar injúria miocárdica não isquêmica, um desfecho que se associa a pior prognóstico e que já foi abordado com terapia antitrombótica [14]. Por fim, a maior parte dos pacientes realizaram cirurgias de baixo a intermediário risco cardiovascular e o tipo de procedimento é um dos principais fatores para o prognóstico de eventos isquêmicos ou de sangramento[15].

O estudo atesta os avanços e a segurança das angioplastias com stents farmacológicos atuais. O baixo número de eventos e o baixo risco dos procedimentos limita o impacto dos resultados. É possível que as diretrizes mantenham a recomendação atual, sendo necessário ponderar riscos individuais do paciente e do procedimento, além do tempo após a angioplastia.

Atualização sobre Inibidores do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona no Perioperatório

Criado em: 14 de Outubro de 2024 Autor: Joanne Alves Moreira Revisor: João Mendes Vasconcelos

O manejo dos inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona foi abordado em "Manejo Medicamentoso no Perioperatório".

O estudo Stop-or-Not [1], publicado no Journal of American Medical Association (JAMA) em agosto de 2024, motivou uma nova visita ao tema sobre manejo de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona no perioperatório. Este tópico aborda os resultados do estudo.

Recomendação atual

Estudos prévios mostraram que suspender cerca de 48 horas antes a dose pré-operatória de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) - inibidor da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou bloqueador do receptor da angiotensina (BRA) - reduz hipotensão intraoperatória [2-4]. 

No entanto, os dados são conflitantes quanto à redução de desfechos mais relevantes, como eventos cardiovasculares e mortalidade. Diante da evidência inconclusiva, o estudo Stop-or-Not foi realizado.

O estudo Stop-or-Not

O Stop-or-Not foi um ensaio clínico randomizado, não cego, realizado em 40 hospitais franceses. Os pesquisadores compararam o uso de inibidor do SRAA no dia da cirurgia com a suspensão 48 horas antes do procedimento. Os pacientes foram submetidos a cirurgias não cardíacas maiores.

Para serem incluídos, os pacientes precisavam usar IECA ou BRA há pelo menos três meses e serem submetidos a cirurgia eletiva não cardíaca maior (duração prevista superior a duas horas da incisão cirúrgica até a sutura da pele e permanência hospitalar pós-operatória de pelo menos três dias . Os critérios de exclusão foram cirurgia de emergência, hipercalemia, injúria renal grave (taxa de filtração glomerular menor que 15 mL/min/1,73 m² ou necessidade de diálise) e choque.

O desfecho primário avaliado foi mortalidade por todas as causas e complicações pós-operatórias maiores até 28 dias após a cirurgia. As complicações pós-operatórias maiores incluíam evento cardiovascular maior (infarto do miocárdio, trombose arterial ou venosa, AVC, edema agudo de pulmão, arritmia), sepse, insuficiência respiratória, injúria renal aguda, admissão não planejada em UTI e nova abordagem cirúrgica. Os desfechos secundários foram hipotensão durante a cirurgia (pressão arterial média menor que 60 mmHg ou necessidade de vasopressores), injúria renal aguda, falência orgânica pós-operatória e tempo de permanência no hospital e na UTI durante os 28 dias após a cirurgia.

Foram randomizados 2222 pacientes, permanecendo 1107 para o grupo manutenção e 1115 pessoas para o grupo suspensão. Não houve diferença no desfecho primário nos dois grupos, com incidência de 22% em ambos (razão de risco 1,02; IC 95% 0,87-1,19; p = 0,85). Também não houve diferença em relação ao tipo de inibidor do SRAA (IECA ou BRA).

Episódios de hipotensão durante a cirurgia ocorreram em 41% dos pacientes no grupo suspensão e em 54% dos pacientes no grupo manutenção (razão de risco 1,31; IC 95% 1,19-1,44). A média de tempo de duração de hipotensão em minutos foi maior no grupo manutenção em apenas 3,7 (1,4 — 6,0) minutos. Não houve outras diferenças entre os grupos como disfunções de órgãos, tempo de internação ou de alta hospitalar.

Os resultados do estudo sugerem que tanto a manutenção dos inibidores de SRAA quanto a suspensão são estratégias possíveis, mesmo em cirurgias não-cardíacas consideradas maiores. No entanto, dois pontos devem ser considerados ao se analisar os resultados. O estudo foi aberto (não cego), podendo trazer vieses na aferição dos resultados. Além disso, o número de pacientes em condições clínicas de alta morbidade foi reduzido. A amostra de pacientes com insuficiência cardíaca, doenças pulmonares ou renais foi pequena, não sendo seguro extrapolar esses resultados para essa população. Portanto, a suspensão de SRAA deve ser considerada principalmente em perfis de pacientes com risco de hipotensão intraoperatória, como em cirurgia com perda sanguínea estimada moderada a alta.